Entrevistas

Concordata é útil e deve ser mantida

Paulo Rocha
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Opinião de Jorge Miranda, em entrevista à Ecclesia

ECCLESIA – Qual a natureza das Concordatas? Jorge Miranda – As Concordatas são verdadeiros tratados entre sujeitos de direito internacional, como o Estado português e a Santa Sé, que sempre foi considerada um sujeito de direito internacional específico. Uma vez aprovado, este tratado vigora na ordem interna portuguesa e até tem prevalência sobre as leis ordinárias, embora não sobre a Constituição. ECCLESIA – Isso dá algum privilégio à Igreja Católica? JM – Não, não dá. É certo que na recente Lei da Liberdade Religiosa se previa a celebração de acordos com outras confissões religiosas, que não têm a natureza de tratados internacionais, mas isso decorre da natureza das coisas: só a Santa Sé tem personalidade internacional, as outras confissões religiosas não. ECCLESIA – São necessárias, as Concordatas? JM – Nem todos os Estados, mesmo os de maioria católica, têm Concordatas. Em Portugal, no entanto, há uma grande tradição concordatária. Há vantagem em haver Concordatas, porque se definem, com maior rigor, as relações entre a Igreja e o Estado, garantindo-se um conjunto de situações da Igreja que correspondem à realidade sociológica e a Igreja Católica assume obrigações em relação ao Estado. Desde que sejam verdadeiras Concor-datas de separação, as Concordatas são úteis e devem ser mantidas. ECCLESIA – Tratando-se de Estados democráticos, a liberdade e o direito de associação não estariam, de per se, garantidos? JM – Teoricamente, até poderia nem sequer haver uma Lei de Liberdade Religiosa, bastaria a Constituição. No campo da liberdade religiosa, como de resto noutros campos, convém, contudo, definir e explici-tar, clarificar e traçar fronteiras entre direitos fundamentais e certos valores internos ou internacionais. Por outro lado, a liberdade religiosa não é apenas uma liberdade individual, é também uma liberdade institucional, da Igreja como de qualquer outra confissão. Não é por haver estes instrumentos jurídicos que há mais ou menos liberdade, mas há toda a vantagem de segurança jurídica em estabelecer normas que precisem os contornos desse princípio de liberdade. ECCLESIA – Como é que se resolvem ambiguidades neste tipo de tratados? JM – Também aí se resolvem nos termos gerais em que resolvem divergências entre Estados: através da negociação. Neste caso, o que não há é uma instância internacional para a qual se possa recorrer em situações de conflito, mas a negociação em geral deverá ser suficiente. ECCLESIA – A necessidade de uma Concordata advém de aspectos específicos, como a educação ou a fiscalidade? JM – Antes de mais, volto a dizer que há mais conveniência do que necessidade. Há matérias que são extremamente sensíveis, como o casamento, a educação, o património cultural e ainda matérias complementares. No caso da fiscalidade, há um princípio geral imposto por normas constitucionais, e que a Igreja aceita, é o de que os sacerdotes devem também pagar impostos, como cidadãos. O estatuto da Universidade Católica Portuguesa vai ser reconhecido formalmente na nova Concordata, também. Tendo em conta as suas características específicas, justifica-se um artigo na Concordata. ECCLESIA – A Concordata de 1940 foi importante? JM – Sem dúvida, porque representou, na altura da sua celebração, o fim da questão religiosa que tinha surgido aquando da proclamação da República. Foi uma Concordata já de separação, com algumas normas que depois se tornaram inconstitucionais depois de 1976, mas que continuou depois do 25 de Abril, com o protocolo adicional sobre o matrimónio. Ela representou um instrumento importante de segurança e de paz: ao não ter sido posta em causa, garantiu estabilidade na relação entre Estado e Igreja em Portugal, algo que poderia não ter acontecido se se tivesse posto em causa a Concordata.


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