Entrevistas

Deus: uma espécie de cigano na máxima perfeição

Octávio Carmo
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Fernanda Reis, responsável diocesana em Lisboa pela área da Pastoral dos ciganos, revela dificuldades e projectos da missão da Igreja junto desta população

Agência ECCLESIA – O método de trabalho com os Ciganos é dirigido a toda a população ou trabalha-se com uma elite? Fernanda Reis – Eu penso que é preferível chegar a alguns indivíduos e esperar que a evangelização decorra a partir da sua iniciativa, junto das suas próprias comunidades. Esta é a forma mais correcta de actuar, criar uma forma mais próxima de estar e agir, ganhar a confiança das pessoas, porque a mentalidade cigana tem um esquema familiar com relações grupais muito fortes. A partir de alguns pode-se, então, abarcar as suas famílias e criar mais relações e contactos. AE – A principal tarefa desta pastoral passa pela valorização e promoção das pessoas? FR – A partir do momento em que nos confrontamos com as comunidades nos seus locais é normal que procuremos perceber as suas necessidades, aprender a forma de pensar e as normas de conduta, para identificar a problemática destas populações. Não é difícil chegar à conclusão que estes portugueses são um grupo em franca desvantagem em relação à sociedade maioritária. Até há poucas décadas esta população manteve-se nómada, sofreu perseguições durante séculos e, como é evidente, esteve longe de qualquer possibilidade de formação e ainda hoje há muitas dificuldades recíprocas na relação com a escola. A isto somam-se os problemas habitacionais e as dificuldades de sobrevivência de uma população que é, maioritariamente, de vendedores ambulantes. Toda esta conjuntura faz com que eles não sejam parte activa nas decisões da sociedade e alimenta uma série de preconceitos quanto aos ciganos, um racismo específico que passa por um certo medo que se baseia em mitos, sobretudo. AE – Que apostas há junto das camadas mais jovens? FR – Nós procuramos repescar os adolescentes que saem da escola muito novos, tendo feito pouco ou nada, para ficarem inactivos e expostos aos perigos da grande cidade. Estamos a falar de pessoas que, quando saem da escola, não andam sempre com o pai a vender, ao contrário do que se acredita, mas andam por aí... Já desenvolvemos algumas experiências de organizar cursos de formação profissional com escolarização e celebrar protocolos com entidades. Outra das apostas é o curso de “mediadores culturais” onde aceitamos candidatos com alguma escolaridade – o que é difícil, porque mesmo os mais capazes só aparecem com a 4ª classe – para aprenderem uma série de disciplinas, mais a história do povo cigano, além de serem introduzidos no funcionamento das instituições e organizações políticas. O nosso objectivo é que estes mediadores culturais sejam elementos mais esclarecidos e funcionem como uma ponte para as comunidades. AE – O trabalho de evangelização tem em conta as diferenças culturais? FR – Os ciganos são crentes e acreditam num Deus que é uma espécie de “cigano na máxima perfeição”, o que dá origem a uma relação filial facilmente transponível para o cristianismo, por causa desta consciência de ser amado. Também há uma grande disponibilidade para ajudar o outro que passa pior do que eu, uma solidariedade quase expontânea. Há aspectos, porém, em que as dificuldades são grandes, como a obrigação de fidelidade cega à família, mesmo em casos de ilegalidades ou crimi-nalidade. Para a vivência cristã é incomportável tomar o lado do mal ou a necessidade de vingança que está consagrada na lei cigana. AE – A Igreja Católica continua a ser uma instituição muito respeitada nestas comunidades? FR – Apesar de algumas mudanças ocorridas nos últimos tempos, todos mantêm a confiança em nós. Até há uns anos atrás procuravam a Igreja para o Baptismo e para o momento da morte, mas o afastamento tende agora a ser maior, por causa da Igreja Evangélica de Filadélfia, criada por um cigano espanhol. Como os próprios pastores são ciganos e as celebrações são muito vivas a maior parte destas comunidades não aceita uma entrada na Igreja Católica, pois mesmo aqueles que não fazem parte desta igreja evangélica acabam por ter um parente que é pastor e sabe-se como são importantes os laços familiares. Todos sabem quem somos, estamos disponíveis e prontos para fazer um caminho com aqueles que quiserem, mas são cada vez menos os que se propõem para o Baptismo. A direcção nacional organizou o “Projecto Palavra, de formação e estudo da Bíblia, e acabou por admitir nesse curso gente que está na igreja evangélica, como sinal de respeito mútuo.


Pastoral dos Ciganos