Entrevistas

Dimensões de 25 anos de Episcopado

Paulo Rocha
...

Celebrou no Domingo 25 anos de ordenação episcopal. Em entrevista à Agência Ecclesia, emitida parcialmente no Programa 70 X 7de 29 de Junho, D. José Policarpo recorda os percursos da missão episcopal, revela motivações e contextualiza 25 anos de história

Agência Ecclesia – Que sinais passam para a sociedade com a celebração das Bodas de Prata Episcopais? Cardeal D. José Policarpo – Quem celebra é o povo que está comigo. Esta é celebração dos outros comigo, mais do que uma celebração que eu próprio faço. O serem 25 anos, 2 ou um mês tem uma relevância muito pequena, porque a minha vida tem tido uma intensidade tal que a duração do tempo quase a relativizou. Estes 25 anos parecem-me um dia com 25 anos. Para mim é um momento de acção de graças e é sobretudo um momento em que eu me vejo em Igreja e em sociedade. A alegria destas celebrações é a que me vem desse carinho e dessa força comunitária com que me sinto envolvido durante este anos. E se algum sinal eu gostaria que permanecesse é o de uma Igreja unida à volta do seu bispo, com alegria de ser cristão e com esperança no futuro da Igreja. AE - “Hoje, o regresso à casa é sacramento”, afirmou o Pe. Álvaro Bizarro sobre a importância dos momentos que passa em Alvorninha. Concorda? Que significado tem este “sacramento”? DJP – O regresso à casa onde nasci começa por ter, hoje, um sentido muito pragmático: é local onde descanso, onde trabalho (muitas das coisas que escrevo, normalmente escrevo-as lá)… AE – É um sítio de eleição? DJP – É, exactamente por isso, pelo ambiente silencioso, repousante. Não escondo que o encontrar-me com o ambiente onde vivi a minha infância é uma componente dessa eleição daquele lugar como lugar de refúgio. Certamente se fosse uma outra casa qualquer, noutro sítio do país, que eu adquirisse não teria por ela o mesmo interesse e carinho. Até porque nós, homens, misturamos sempre o nosso presente com o nosso passado. E o elo que faz a ligação é sempre a afectividade, é a ligação afectiva que nós temos às pessoas, aos locais, às coisas. A minha casa é de campo. Tem uma paisagem, que me diz muito, por ser onde eu caldeei, na minha infância, na minha juventude, muitas das sínteses que ainda hoje tenho. As sínteses pessoais, do ponto de vista intelectual, da fé, da maturação de uma vocação tem muito a ver com esse diálogo com a natureza onde nasci e onde vivi a minha infância e que ainda hoje me diz muito. Aquele vale faz parte do meu contexto (embora as árvores que lá estão hoje não sejam as da minha infância, a maior parte delas). AE – A formação, nos seminários e na Universidade, de candidatos ao sacerdócio foi das principais e primeiras missões. É uma urgência essa formação e é necessário rever métodos e estratégias nessa área? DJP – Não só precisam de ser continuamente reformados, como o foram. O itinerário que eu fiz já não existe, nem como enquadramento nem como pedagogia. Naquele tempo, o seminário menor era uma alternativa à escolaridade: eu ainda fiz exame de admissão ao liceu, mas depois acabei por entrar directamente no seminário (até porque, para uma criança como eu, ir para o liceu, que só existia nessa altura nas sedes de distrito, significava também uma deslo-cação). Aí fiz toda a escolaridade (usando um termo actual) em internato, de que eu guardo gratíssimas recordações. (Sobretudo ao nível literário têm aparecido textos a denunciar a falta de sanidade dessas instituições… é completamente falso naquela que me diz respeito). Foi um tempo que, com os aspectos que pesam sempre numa criança que sai de casa, as saudades (lembro que no primeiro trimestre não fugi porque não me deixaram, porque me apetecia ir para casa) mas depois a gente adapta-se. Foi um caminho de muita camaradagem, de muita solicitude dos meus educadores, de uma escolaridade intensa. Eu, como fui sempre bom aluno, tinha essa gratificação: o ser bom aluno era meio caminho andado. Durante esse período, não só se amadureceram a personalidade humana, mas também aquilo que é o crescimento maior de uma opção vocacional assumida lá muito mais tarde, lá por volta dos 18, 19, 20 anos. AE - Que lugar está reservado à Teologia na vida pastoral da Igreja Católica em Portugal? Ela ultrapassa as fronteiras académicas? DJP – O estudo da Teologia, como qualquer saber, tem fase informativa, onde a pessoa ouve e aprende, e depois tem uma fase criativa, onde a pessoa adquiriu as meto-dologias próprias de trabalhar um determinado saber e avança pelo seu pé. Os nossos padres têm todos a licenciatura, e alguns vão um bocadinho mais longe, até ao mestrado e o doutoramento. A licenciatura confirma uma informação harmónica, o mais vasta possível, do ramo de saber em questão, no caso concreto a teologia. Eu costumava dizer aos meus alunos da Universidade que a licenciatura lhes dava o direito de estudarem por conta própria. A teologia é uma ciência muito peculiar: é a busca de uma compreensão mais profunda possível daquilo em que nós acreditamos, porque a fé, como qualquer realidade importante da vida humana, clama por uma compreensão que começa por ser intuitiva, mas pode transformar-se num saber até com metodologia científica. Portanto, nós encontramos o gérmen, o gosto pela Teologia tanto no simples crente, às vezes até pouco letrado, mas que tem espontaneamente uma busca de compreensão daquilo que vive, até àqueles que procuram essa compreensão num estudo já metodologicamente orientado. Nesse sentido, a teologia acontece na Igreja, não necessariamente dentro de uma escola. O seu papel é apetrechar, e no caso concreto dos sacerdotes e não só porque hoje os candidatos ao sacerdócio são apenas 50% dos que fazem o curso teológico, a todos esses o que a escola lhes dá é um gosto e um apetrechamente para que eles possam, pelo seu pé, em contacto com o mundo e numa experiência pessoal de fé, caminhar nessa compreensão. AE – Poderemos falar em tradição teológica portuguesa, escola portuguesa? DJP – Eu não sei mesmo se isso se pode dizer em relação a qualquer outro país. A teologia é tão universal como a fé, embora sendo um dos aspectos onde a aculturação da fé se nota mais: um africano a escrever ou a pensar a fé pôr-lhe-á um tom diferente de um indiano ou de um europeu; nesse sentido poderíamos falar de escola e nesse caso a Teologia em Portugal insere-se na teologia Europeia. Em Portugal ouve um hiato na formação académica da Teologia: entre 1910, 11 aliás, em que foi encerrada a Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, e a abertura, em 68, da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, não houve em Portugal nenhuma escola superior de Teologia. Havia os Seminários, que desempenharam essa função (alguns com nível não inferior ao de muitas Faculdades de Teologia), mas não tinham o reconhecimento académico. Isso fez com que os professores, os que avançaram para graus académicos (como é o meu caso), fizeram-no no estrangeiro, em grandes escolas de toda a Europa, o que deu ao pensar teológico português essa característica de internacionalidade. Não se pode dizer que haja uma escola portuguesa: eu próprio, na minha formação, sou subsidiário da Teologia alemã, francesa, espanhola, italiana. Por outro lado é cedo ainda - nós estamos com 30 anos do exercício académico da Teologia entre nós – para falar de escola. Há nomes, há pessoas que se têm destacado na produção e no pensar teológico, mas parece-me cedo para pensar numa Escola Portuguesa de Teologia. AE - As actividades da Conferência Episcopal Portuguesa pautam-se pela formalidade institucional ou, pelo contrário, respeitam às preocupações de pequenos e grandes grupos, e promovem o desenvolvimento de estratégias e projectos pastorais concretos que possam beneficiar todo o país? DJP - A Conferência Episcopal Portuguesa é um órgão bonito, mas delicado. Porque os bispos todos juntos têm menos poder do que um só Bispo na sua diocese. A CEP não é um super-poder, nem é um parlamento onde se decidem as coisas. AE – O poder está na autonomia das Dioceses? DJP – O Bispo na sua Diocese tem mais poder do que os bispos todos juntos na CEP. A CEP é um órgão de convergência, de comunhão, de diálogo, onde as próprias decisões, votadas por dois terços e confirmadas por decreto da Santa Sé, só então têm valor de lei. As decisões normais da CEP são sugestões às dioceses. A força da CEP é a força da comunhão, da convergência, do diálogo, de pormos em comum e, juntamente, com os seus órgãos, através dos estudos e dos elementos que produz para a pastoral, pode ser um enriquecimento para todas as dioceses de Portugal. DESCOBRIR O MOMENTO E O MODO DA ACÇÃO DA IGREJA AE - Afirmando a actualidade do texto que foi a sua tese de doutoramento, D. José Policarpo escreve, Trinta anos depois, nas “Obras Escolhidas” apresentadas esta quinta-feira na Universidade Católica, que o facto de a Igreja se declarar “disposta a escutar o que o mundo tem para lhe dizer, sugerindo-lhe, porventura, os caminhos da missão, é perspectiva nova, a exigir uma transformação progressiva de mentalidades dentro da Igreja, na sua atenção à história e no seu amor por todos os homens”. Quer isto dizer que a Igreja vive ainda em atitude de divórcio em relação ao mundo, ou pelo menos distante do que o mundo lhe quer dizer? DJP – É tudo isso. Decorre da Igreja se assumir, no Concílio Vaticano II, como enviada ao mundo. O Senhor disse ao discípulos “vós estais no mundo, mas não sois do mundo”. A Igreja não se identifica com a história, mas faz parte da História da Humanidade. O seu lugar na História não é condenar, não é julgar, não é criar um espaço à parte, não é dizer nós somos os bons, vocês são os maus… Mas é fazer parte dessa aventura humana, com um sentido, com uma mensagem, com uma proposta. Sobretudo com uma mensagem. O desafio dos sinais dos tempos não é que a Igreja perca a sua especifidade, mas que ela se redescubra continuamente como esse fermento no meio de uma massa de que ela faz parte. E se ela faz parte, escuta, ama, está atenta, há coisas que lhe fazem doer o coração, há coisas que a interpelam, há coisas que se revelam abertura para a sua própria mensagem. O Papa João XXIII dizia uma coisa de que eu estou perfeitamente convencido: o mundo não se divide de uma maneira clara entre crentes e descrentes. Muitas das pessoas que habitualmente aparecem como descrentes, como ateias, têm nos seus comportamentos e nos seus corações inquietações, aberturas que, se a Igreja as soubesse escutar para lhe dizer no momento oportuno a palavra que eles precisam de ouvir – porque a gente às vezes diz uma palavra para a qual as pessoas não estão preparadas, damos a resposta a uma pergunta que não nos foi feita - , se a Igreja soubesse sempre ler aquilo que são essas interrogações profundas, esses anseios do coração humano, em plano individual, mas é evidente que a leitura dos sinais põe-se em plano global da história, não há dúvida nenhuma que o mundo oferece à Igreja a definição do momento e do modo da sua missão. Isto é uma perspectiva evangélica, mas muito exigente, porque é uma perspectiva da incarnação, supõe que a Igreja aceita, no realismo da sua vida, ser esse fermento na massa, mas uma massa que não a protege nem a isola: o fermento confunde-se com a massa, para a transformar. Para ser isso no meio do mundo, ela tem que amar o mundo, não pode rejeitar tudo o que vem do outro lado da barricada. Não há barricadas! AE – É isso que acontece nos dias de hoje? DJP – Não, eu não tenho coragem de dizer que acontece nos dias de hoje: sempre aconteceu, ainda acontece e há-de acontecer. Mas o contrário sempre aconteceu, ainda acontece e há-de acontecer! AE - Refere-se também no capítulo que acrescenta à sua tese de doutoramento, agora publicado, ao “vigor de novos movimentos carismáticos, que acentuam a dimensão espiritual e pessoal da fé, mas nem sempre favorecem esse confronto com a realidade da história, porque as suas “certezas” se sobrepõem a qualquer surpresa que possa vir dessa osmose com o mundo”. Quer isto dizer que há “falsas certezas” em atitudes de aparente fervor evangélico? Há leituras deturpadas do que é ser cristão no mundo de hoje? DJP – Não. Eu aponto nesse capítulo vários elementos que, de forma convergente, podem não ter facilitado este realismo pastoral da inserção da Igreja no mundo. Esse é um dos fenómenos, não é o único que eu aponto lá. É um facto que (e isso aliás é normal) quando a vemos num tempo alargado na história, a Igreja (como qualquer realidade humana) tem um gráfico de sensibilidades. E nestes anos depois do Concílio, em que porventura esta perspectiva de que temos estado a falar, de uma incarnação, pôs em questão ou levou a esquecer dimensões mais místicas, mais espirituais, nós assistimos na Igreja nestes últimos anos a um voltar-se muito para os valores espirituais, carismáticos com grande vigor e com grande riqueza no seu todo. É evidente que isso pode tornar as pessoas menos sensíveis a esta forma muito mais austera e muito mais apagada, eu diria até mais ousada, que é deste estar presente como fermento na massa. Esta frase não é um julgar desses movimentos. É um fenómeno global. AE – Podem ser alienantes? DJP – Não, eu não diria isso. O que é preciso é termos em conta que a Igreja é uma realidade de tal maneira plural que uma só dimensão da sua vivência nunca é completa. Se há períodos da sua história em que nós pomos toda a gente a rezar, mas nos esquecemos do testemunho do mundo ou do testemunho da caridade, não está certo. Se pomos toda a gente a tratar dos pobres, mas ninguém reza, não está certo. Se pomos toda a gente atenta às realidades terrestres, mas não reza nem trata dos pobres, não está certo. A análise que eu faço é em que medida a presença às realidades terrestres não ficou, e eu estou convencido que sim, apagada. Porque desapareceram grandes movimentos vocacionados para isso, como era a Acção Católica. E a leitura dos sinais dos tempos faz-se com o todo da Igreja, mas nunca se fará se não há esta consciência de incarnação presente nas realidades terrestres. REITOR APESAR DE SER BISPO AE – Evoquemos o tempo que passou na Universidade Católica. Escreveu o actual reitor da UCP que a sua função de reitor da UCP (de 1988 a 1996) foi valorizada pelo seu múnus episcopal e que a sua missão de pastor se reforçou com as tarefas universitárias da Reitoria. Concorda e de que forma se processou esse duplo benefício? DJP – Eu disse muitas vezes nessa altura que não era Reitor por ser Bispo, mas apesar de ser Bispo. Eu inseri-me na Universidade Católica numa fase constitutiva da própria instituição (não sou dos fundadores, mas quase: entrei no segundo ano da implantação da UC aqui em Lisboa). Nessa altura todos éramos poucos para solidificar uma instituição universitária, que aliás teve o desafio de um crescimento muito rápido devido aos acontecimentos políticos do 25 de Abril. Nessa ocasião, o meu Bispo, o Cardeal Ribeiro, achou por bem pedir-me esse serviço, apesar de eu ser Bispo. Há até uma história curiosa que, quando me pediu para ser Bispo, disse-me: isto tem um inconveniente… a sua carreira universitária acabou!. E eu disse-lhe: Senhor Patriarca a minha carreira universitária só tem um sentido que é servir a Igreja… E, portanto, não acabou. Depois ele disse: mas no entanto – eu era director da Faculdade de Teologia – peço-lhe que leve o mandato até ao fim. A seguir, quando se tratou de fazer as sondagens para re-eleição do director, eu, nesta lógica, retirei-me. Ele ficou muito zangado de eu não me ter candidatado! Assim, nunca abandonei a Universidade. AE - Como conciliou o trabalho na Reitoria com outros compromissos episcopais? DJP - Fiz coincidir a grande abrangência de um cargo de Reitor com as tarefas episcopais. Eu tinha outra juventude, outra resistência, mas foi um período muito intenso da minha vida, porque eu tinha a preocupação de não falhar em nenhum sítio. AE - O ser Bispo marcou o ser Reitor? DJP - O Ser Bispo marcou o sentido de missão de ser Reitor. Porque eu sempre considerei a Universidade Católica como uma expressão da missão da Igreja. Agora não creio – pelo menos tentei não o fazer - que o eu ser Bispo tirasse seja o que for ao rigor da função académica, que é muito específica. E eu, como Reitor, estava presente no Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, fui Vice-Presidente da Associação Internacional das Universidades Católica, integrei grupos de trabalho, em plano europeu, não apenas de Universidades Católicas, mas também de outras Universidades e não lhe escondo que, numa vez ou outra, nas primeiras reuniões desses grupos de trabalho senti uma certa reticência dos meus colegas Reitores, leigos a maior parte deles e alguns até nem crentes. Aparecia ali um bispo no meio daquilo tudo… e essa impressão desfazia-se com a qualidade académica da minha forma de estar. AE – Eram critérios exclusivamente académicos aqueles por que se pautava? DJP – Eram critérios académicos para uma Universidade Católica. Ainda hoje considero que uma Universidade Católica, seja dirigida por um eclesiástico ou por um leigo, ela é uma expressão da Igreja. E esta dimensão da expressão da Igreja faz parte da qualidade académica de quem aceita trabalhar na Universidade Católica. RAZÕES PARA O INSUCESSO DA TVI AE – A que se deve o insucesso do projecto de televisão de inspiração cristã? DJP – Nunca fizemos uma análise exaustiva para poder responder a essa pergunta. Penso que houve alguns erros de análise. Antes tudo, o que queríamos, ao contrário do género de lei da televisão que saiu, era uma coisa muito mais pequenina que fosse crescendo; fomos obrigados a concorrer a um canal nacional, com 70% de cobertura do território no início e com 40% de produção portuguesa. Um segundo erro de análise foi pensar que o público da Rádio Renascença se transporia para o público de uma televisão da Igreja: enganamo-nos redondamente! São dois dinamismos completamente diferentes e isso não aconteceu. Depois, o contexto sócio-económico e político em que surgiu não foi fácil. E porventura também alguns erros internos que, se fosse hoje, algumas pessoas que estiveram à frente não os teriam cometido. Nós avaliámos mal! Avaliámos mal o custo de um produto que eu considero inflacionado (não se justifica que o produto televisivo custe o que custa, mas é um facto em todo o mundo). Acabou por não ter sucesso. Eu costumo dizer a quem me pergunta… AE – Há muita gente que pergunta, que pede contas pelo insucesso? DJP – Há sobretudo um conjunto de pessoas, sobretudo os pequenos accionistas, que entusiasmados pelos párocos, não deram um contributo com o critério de accionista, mas de contribuinte, de quem ajuda. Foram pessoas até que puseram as suas economias generosamente ao serviço. Não foram os grandes investidores que se queixaram. É o pequeno participante (quem investiu 100, 500 contos), que nunca jogou com critério de ter títulos e que de repente percebeu que tudo tinha falhado que às vezes ainda me escrevem a pedir o dinheiro!!! AE – O que é que responde? DJP – Respondo sempre, se as cartas têm a delicadeza que faz parte de um processo destes, a explicar o que aconteceu. Às vezes apetecia-me, e num caso ou outro já tenho feito isso: pessoas que estão hoje em dificuldades, a quem esse dinheiro fazia falta, tenho dado do meu bolso esse dinheiro. Mas isso não é solução. Há pessoas que perguntam “porque é que isto falhou?” E eu costumo responder: falhou porque há coisas na vida que falham, mas que tendo em conta o contexto em que estávamos naquela altura, eu teria continuado a correr a mesma aventura que corremos naquela altura. A história é assim: nós não ganhamos sempre; quem não arrisca, esse nunca ganha. AE – Não será necessária uma explicação pública por esse insucesso? DJP – Não vejo porquê. As coisas são suficientemente claras e foram suficientemente publicitadas. O que aconteceu na TVI foi que, num determinado momento, os credores eram muitos. Durante um certo tempo, isso aguentou-se com o equilíbrio normal de uma empresa em crise. Acabou tudo no dia em que os credores se associaram e fizeram uma Assembleia de Credores. Nessa altura os trâmites foram os normais. Não creio que haja nenhuma razão de explicação: a TVI está no ar com outros gestores. Penso que, apesar de tudo, guarda alguns traços da sua origem, quanto mais não seja por uma programação religiosa de qualidade, e pronto… a história é assim... Eu não sinto necessidade de dar nenhuma espécie de explicação até porque a coisa ao mesmo tempo fez-nos sofrer mas foi tão simples no seu acontecer que tudo o que a gente tente explicar pode confundir mais do que esclarecer: no fundo, num determinado momento, não conseguimos pagar os custos de uma televisão e os credores não tiveram a paciência de acreditar que isso ia ser possível e resolveram reivindicar os seus direitos, o que eu compreendo.


D. José Policarpo