Entrevistas

Emigrar para fugir à casa dos pais

Luís Filipe Santos
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O jornalista João Carita vai partir, rumo à Suíça, em busca de soluções que o país não lhe oferece, apesar da experiência profissional. Uma opção que não implica «rejeitar» a terra onde nasceu.

Agência ECCLESIA (AE) – Que razões o levaram a tomar a decisão de emigrar?

João Carita (JC) – É quase uma certeza que, até ao final deste mês de janeiro, irei para a Suíça. A decisão da partida foi feita em comum – eu e a minha namorada (enfermeira) – porque não encontramos, de momento, trabalho que nos satisfaça. Ela nem encontra trabalho e eu não encontro nada, a nível profissional, que me satisfaça. Por outro lado, não quero ser daquela geração dos 30 anos que ainda está na casa dos pais.

 

AE – Esgotaram todas as tentativas em Portugal?

JC – Neste momento já nem estou muito atento às hipóteses ou propostas que possam existir no nosso país. Da parte dela é quase impossível porque não há abertura de vagas para os hospitais. Em relação a mim, embora tenha uma vasta experiência, esta acaba por me condicionar. Não me sujeito a tudo aquilo a que recém-licenciados se sujeitam.

 

AE – O chamado trabalho precário?

JC – Também o fiz. Assim que saí da faculdade, a primeira ideia era entrar no mercado do trabalho, no meio do jornalismo, e experimentei estágios não remunerados. Fiz disso para começar a ganhar o meu espaço, mas acabo por não ter nenhum espaço garantido.

 

AE – Conquistou esse espaço no âmbito da fotografia ou no jornalismo?

JC – No jornalismo. Defino-me com um jornalista «todo-o-terreno». A fotografia é um hobby, mas também a coloco no meu trabalho. Áreas que são uma mais-valia na minha área. Também já fiz rádio e trabalhei em televisão online.

 

AE – As palavras do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, sobre as hipóteses viáveis da emigração tiveram peso na tomada de decisão?

JC – Para mim não tiveram grande eco. Ele, simplesmente, expressou aquilo que muita gente comenta. A maioria dos meus amigos tem esta ideia: «Se em Portugal não dá temos de procurar o nosso lugar noutro sítio do mundo». Isto não é rejeitar o nosso país e aquilo que temos de bom, mas é tentar encontrar o nosso espaço e depois, eventualmente, voltar.

 

AE – Essa é vertente saudosista…

JC – A palavra portuguesa «saudade» é muito expressiva e diz-nos muito. Embora ainda não tenha ido e já estou a pensar naquilo que deixo para trás. Esse talvez seja um dos maiores obstáculos à partida. Nas experiências que já tive fora de Portugal – não por muito tempo – acabaram por condicionar a integração plena no novo sítio.

 

AE – Esta partida tem uma ida, mas também um regresso?

JC – Espero que sim.

 

AE – Só irá por melhores condições económicas e não por uma radicação definitiva?

JC – Irei não só pelas condições monetárias, mas também para poder constituir uma família. Apesar de ter 23 anos – não sou nenhum «velho» -, os meus pais referem que aos 14 anos já estavam longe dos meus avós e a trabalhar. Atualmente, vejo muita gente que tem 30 anos e ainda vive à custa dos pais porque ainda estão em estágio ou num trabalho pouco remunerado. Não quero isso para mim…

 

AE – Tem consciência de que a partida para um novo país é um nascer de novo…

JC – Sem dúvida. Até porque vou um bocadinho «às cegas». Não tenho propriamente família na Suíça nem um grupo que me possa integrar. Tenho de criar relações de amizade novas e também de algum tipo de parentesco. Não vai ser fácil. Será sempre uma coisa com mais incógnitas.

 

AE – Para tomar esta decisão ausentou-se ou foi um simples raio de luz que apareceu?

JC - Isto acaba por ser a consequência da situação em que nos encontramos. Se por acaso um de nós tivesse trabalho fixo e estável, talvez não decidíssemos por esta via. Sempre tive a ideia de ver crescer um projeto laboral. Em todos os trabalhos que já fiz – nomeadamente na Igreja – tive sempre esse objetivo: lançar as sementes, ver o projeto crescer e ganhar as suas asas para voar. Se calhar é uma visão ingénua…, mas acredito muito nisto. No entanto, vejo que, atualmente, a precariedade é a palavra de ordem e não podemos criar raízes.

 

AE – Há razões específicas para escolher a Suíça?

JC – Na vertente profissional da saúde, a Suíça é um país mais fácil para a minha namorada encontrar um trabalho. Por outro lado, a Suíça não está na zona Euro e nos dias que correm… As notícias dizem que o Euro mais dia ou menos dia poderá acabar. Agora, com o Euro não podemos fazer os «jogos de cintura» como se fazia antes com o Escudo. Agora estamos sujeitos à realidade europeia. Temos de ser competitivos com aquilo que fazemos e não através das «ginásticas» com a moeda. Os portugueses têm grandes valências e estamos em todos os cantos do mundo.

 

AE – O emigrante português tem sucesso. Acredita que o terá?

JC – Espero bem que sim. Vou com esse sonho.

 

AE – Não pensou na ida para os países lusófonos? Nas economias emergentes?

JC – Pensei, mas depois sabia a pouco. Não sei, até que ponto, o estar em Angola, Moçambique ou Brasil poderia ser benéfico para mim. A Suíça tem uma cultura de competitividade de excelência.

 

AE – E a comunidade onde professa a sua fé?

JC – Nesta altura que estou desempregado a única coisa que me «agarra» é a comunidade e a família. Aquilo que faço no movimento Shalom e também na paróquia deixar-me-á muitas saudades. Embora tenha algumas coisas preparadas para que a despedida não seja muito dolorosa.

 

AE – A opção de emigrar está tomada. Como vê o futuro de Portugal?

JC – Os portugueses já se capacitaram que é preciso arregaçar as mangas.

LFS



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