Entrevistas

Governo atento à visita de Bento XVI

Paulo Rocha
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O ministro da presidência, Pedro Silva Pereira, considera que a visita de Bento XVI ao nosso país será um grande acontecimento na sociedade portuguesa

O ministro da presidência, Pedro Silva Pereira, considera que a visita de Bento XVI ao nosso país será “um grande acontecimento de mobilização e de festa na sociedade portuguesa”.

Em entrevista à ECCLESIA, o membro do Governo precisa que a presença do Papa, de 11 a 14 de Maio, é encarada pelo executivo como a de “visita um Chefe de Estado”, com a consciência de que “ele significa muito para muitos portugueses católicos e também outros que, não sendo católicos, têm no Papa e a Igreja uma referência”.

Ecclesia – O que significa a visita do Papa Bento XVI a Portugal?

Pedro Silva Pereira - Para o Governo, a visita do Papa Bento XVI é a visita de um Chefe de Estado. Temos também a consciência de que ele significa muito para muitos portugueses católicos e também outros que, não sendo católicos, têm no Papa e a Igreja uma referência.

Creio que este vai ser um grande acontecimento de mobilização e de festa na sociedade portuguesa.

 

E – É proposta uma temática de esperança, para esta visita. O governo vê nela uma oportunidade, no contexto actual?

PSP – A mensagem da esperança é uma mensagem corrente na Doutrina da Igreja, que tem, nessa Doutrina, um sentido mais profundo do que significa a palavra, na sua utilização corrente.

A mobilização da esperança é muito importante, neste momento em que não só a sociedade portuguesa mas a generalização dos países enfrentam dificuldades para sair de uma crise que foi muito dolorosa, que tem ainda consequências muito visíveis no plano social e económico. O reforço da confiança, o perceber que somos capazes de vencer as dificuldades é também muito importante.

O Papa Bento XVI escreveu, não há muito tempo, uma Encíclica muito importante sobre questões sociais e creio que isso será uma marca da sua visita. E há aí um apelo à mobilização das energias de todos, da sociedade civil, das instituições particulares de solidariedade social para darem a respostas que o momento exige, em atenção sobretudo aos mais desfavorecidos.

 

E – Quando recebe um líder como o Papa é difícil fazer a gestão do tema da laicidade?

PSP – É claro que a visita do Papa não é uma visita de um Chefe de Estado qualquer. Traz consigo mais do que uma simples visita institucional. No entanto, o que é preciso é ter as ideias claras: qual é o papel do Estado, de que modo é que o Estado se relaciona com a sociedade, com as suas instituições e também com as confissões religiosas. E esse é um problema resolvido na sociedade portuguesa: a separação entre o Estado e as confissões religiosas é um dado adquirido.

Trata-se de assegurar o relacionamento com a Igreja Católica, que o Estado faz questão de honrar no seguimento da Concordata, e depois, na cooperação que tem permanentemente com a Igreja, visível também nesta ocasião da visita do Papa Bento XVI, tendo a atenção e a consciência do que significa para muitos católicos esta visita.

Por isso, o Estado adoptou todas as providências de apoio logístico na organização desta visita. Também com a medida da tolerância de ponto, que significa basicamente isto: o Estado, enquanto empregador, não coloca nenhum obstáculo e compreende que muitos dos seus funcionários e colaboradores desejarão estar próximos do Papa nesta visita.

 

E – Muitos criticaram por isso o Governo...

PSP – Há sempre gente disponível para criticar qualquer Governo. E tenho a certeza de que, se tivéssemos tomado a decisão contrária, não haveria menos gente a criticar o Governo.

A decisão da tolerância de ponto segue, em primeiro lugar, os precedentes de anteriores visitas papais e, por outro lado, é uma solução de bom senso e razoável, que tem em conta o facto de haver muitos portugueses que, neste momento raro, desejam ter a oportunidade de estar perto do Papa, que constitui uma referência para a fé que professam.

 

E – No contexto das relações entre a Igreja e o Estado, permanece por resolver a questão da Comissão Bilateral prevista na Concordata, que tem merecido recorrentes críticas por parte dos líderes católicos. Isso afecta as relações entre a Igreja e o estado?

PSP – Esta visita do Papa Bento XVI acontece num bom momento para as relações entre o Estado e a Igreja Católica na sociedade Portuguesa. Em primeiro lugar porque fomos capazes de dialogar e concretizar uma reforma na assistência religiosa nos hospitais, nas prisões e nas forças armadas, que constitui o essencial da regulamentação da Concordata. Há aspectos que estão a ser objecto de trabalho conjunto da Igreja Católica e do Estado, na Comissão Paritária, que está a funcionar, designadamente em matérias fiscais.

É também muito importante sublinhar que esta visita acontece num momento em que as relações entre o estado e a Igreja são muito fortes na acção social. Há uma enorme convergência entre o estado e as Instituições Particulares de Solidariedade Social ligadas à Igreja. Um recente estudo da Universidade Católica Portuguesa indicava que aproximadamente 60% das receitas da IPSS ligadas à Igreja vêm do Estado.

Há naturalmente sempre coisas que podemos melhorar e aprofundar. É o caso, por exemplo, do dossier relativo aos assuntos culturais, porque está prevista uma Comissão Bilateral para o acompanhamento dos assuntos culturais. Essa Comissão já reuniu e teve um funcionamento descontinuado. Há a pretensão da Igreja e também a vontade do Governo que ela seja mais activa. Não se trata, o entanto, da regulamentação da Concordata, antes da cooperação quotidiana numa área de interesse comum, a preservação do património cultural, muito dele com ligação à Igreja e à sua implementação na sociedade portuguesa.

 

E – Distanciam-se posições por causa de iniciativas legislativas mais recentes relacionadas com o divórcio ou o casamento...

PSP – O facto de termos um bom relacionamento com a Igreja e uma convergência em áreas tão decisivas como a acção social não significa que tenhamos de estar de acordo em tudo. Há, no entanto, uma agenda muito forte do Governo no que diz respeito ao apoio á família, que eu penso que é muito convergente com as preocupações da Igreja. O Governo lançou o abono pré-natal, como forma de estimular a natalidade, reforçou as prestações sociais de apoio á família e fez um investimento sem precedentes nas creches e na acção social escolar.

Não nego que, num ou noutro ponto, possa haver uma divergência nalgumas posições. Também ouvi vozes da parte da Igreja expressando essas divergências, embora também tenha ouvido concordâncias a propósito de iniciativas legislativas do Governo ou da Assembleia da República nessas matérias.

Eu creio que nada disso prejudica o essencial: temos um bom quadro de relacionamento com a Igreja Católica, e também com outras confissões religiosas.

 

E – João Paulo II visitou Portugal 3 vezes. Que expectativa tem, agora, para a visita de Bento XVI?

PSP – Certamente não há dois papas iguais!

Eu creio que esta visita tem condições para surpreender. O que pressinto é que haverá uma movimentação popular significativa a propósito desta visita do Papa Bento XVI e, do ponto de vista da mensagem, julgo perceber no programa um sinal de que há temas que dizem muito aos portugueses, nomeadamente os temas sociais.

 

E – Como analisa este pontificado?

PSP – O governo não tem uma avaliação do pontificado do Papa Bento XVI. Posso apenas dar-lhe um sentimento pessoal, a esse propósito.

Com certeza que é um pontificado diferente do anterior, a vários títulos. Mas não é inteiramente justo fazer uma avaliação de um Papa por contraposição ao anterior. Apensar da idade do Papa Bento XVI, os tempos que aí vêm vão ser decisivos ainda para marcar o pontificado. É claro que as controvérsias mediáticas que andam por aí serão muito significativas e a forma como a Igreja Católica e o próprio Papa Bento XVI responde à situação que está criada vai ser decisiva para uma leitura futura do seu pontificado. Por ventura, esta controvérsia mediática corre o risco de muito injustamente apagar alguns contributos do Papa no período recente. E refiro-me particularmente àquela Encíclica social sobre a questão da caridade e da verdade. Ela merece ser lida! Constitui um grande apelo à reflexão sobre as consequências da crise económica internacional, à forma de lhe dar resposta para que esta crise não se repita. E também tem uma reflexão sobre o papel do Estado no sentido de assegurar a protecção social e combater as desigualdades.

 

E – O governo tem procurado inspiração nessa Encíclica do Papa?

PSP – Eu não posso dizer assim... O que acho e que os temas que o Papa tratou aí são um contributo para a reflexão dos nossos dias. E seria lamentável que no meio da agitação mediática sobre outras questões, que são importantes, que colocam desafios à Igreja Católica e ao pontificado de Bento XVI, existem outras linhas de reflexão doutrinária, neste caso relacionadas com a Doutrina Social da Igreja, que têm a maior importância. E não deviam ser esquecidas...

Eu recordo que o Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II já no final do seu pontificado. Portanto, vamos esperar para ver para depois podermos fazer o balanço final do pontificado de Bento XVI.

 



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