D. Francisco Da Mata Mourisca, uma das personalidades mais respeitadas em Angola pela sua acção em favor da paz e da democracia, fala dos desafios que se colocam à sociedade e à Igreja
Agência ECCLESIA – A situação de tensão que se vive em Cabinda, em torno da nomeação do novo Bispo (D. Filomeno Vieira Dias, nomeado Bispo de Cabinda em Fevereiro, mas que ainda não tomou posse, ndr), afecta a credibilidade da Igreja em Angola?
D. Francisco da Mata Mourisca - Eu deploro profundamente os acontecimentos que envolveram a contestação ao novo Bispo, que têm motivações políticas e não religiosas. Esta é uma atitude lamentável, porque não há nenhuma razão para exigirem um Bispo natural de Cabinda, isso é colocar condições ao Papa.
De resto, aliás, é normal que o Bispo de uma Diocese seja oriundo de uma outra: em Angola temos 17 Dioceses e 15 Bispos são de Dioceses diferentes. Se é possível o Arcebispo de Luanda ser natural de Cabinda, porque não há-de ser possível que o Bispo de Cabinda seja natural de Luanda?
Está é uma situação que nos tem causado grande desgosto e uma grande tristeza. Por detrás dela há um acicate político, mas espero que seja superada em breve.
AE – O II Congresso Pro Pace, em Março passado, foi um momento marcante para a preparação de eleições “livres e justas”. Quais foram as consequências dessa iniciativa?
FMM - Este foi um acontecimento que nos encheu de esperança e que teve uma cobertura maravilhosa da Comunicação Social. Penso que, agora, já começamos a ver alguns frutos e outros organismos estão a tomar iniciativas semelhantes.
Era necessário fazer este trabalho, deixar um alerta para que as pessoas tomem consciência do que é a democracia e se preparem para as eleições, de forma que elas decorram num clima de liberdade.
No início do próximo ano pretendemos renovar essa iniciativa nas próprias Dioceses. Assim queremos criar uma capilaridade de pensamento e de acção para chegarmos a umas eleições justas, livres e esclarecidas.
AE – Num clima de paz?
FMM - Graças a Deus, paz temos. Neste momento, o que mais me preocupa é a falta de facilidade na comunicação: as estradas estão péssimas, não sei como será possível que os partidos tenham acesso às aldeias para apresentarem os seus projectos e o seu ideário. Se daqui até lá o Estado não fizer um esforço, vai ser difícil.
AE – A herança da guerra ainda é muito pesada?
FMM - Só na minha Diocese temos, por exemplo, 12 casas missionárias a reabilitar, 23 igrejas e capelas a reconstruir e 115 escolas danificadas – sem portas, nem janelas, nem carteiras, nada de nada. As outras Dioceses estão numa situação semelhante.
A herança da guerra é, de facto, muito pesada.
AE – A recente crise do vírus de Marburg também afectou muito o país. Como está a situação?
FMM - Esse problema está praticamente resolvido, quando eu vim já estávamos há 15 dias sem casos mortais – passando-se 21 a epidemia poderá ser declarada como terminada, mas desta vez irão esperar o dobro do tempo, por motivos de segurança. Existiu alguma precipitação na reacção e penso que a situação foi muito empolada, sabendo-se a maneira como o vírus se transmite as pessoas poderiam ter continuado no país.
Houve, apesar disso, uma grande solidariedade internacional que me deixou admirado.
AE – Mas missionários e voluntários portugueses fugiram de Angola este ano por causa da febre hemorrágica.?
FMM - Os missionários não saíram do Uíge, apenas saíram os seis leigos que lá estavam. Penso que não há nenhuma razão para temer e espero que eles regressem e continuem o seu trabalho.
Estive já na sede dos “Leigos para o Desenvolvimento” e uma nova equipa partirá para lá em Setembro.
AE – Como se motiva alguém a ajudar um país tão rico em recursos naturais como Angola, mas com uma população tão pobre?
FMM - A Conferência Episcopal já lamentou, em Carta Pastoral, que Angola seja dos países com o nível mais baixo de desenvolvimento, apesar da sua riqueza petrolífera. Num país onde há facilidade de obter fundos para o Orçamento de Estado, por vezes negligenciam-se as medidas necessárias para desenvolver a economia, para promover a riqueza para todos.
Todos nós deploramos isso e esperamos que as eleições sejam a ocasião para arrancar Angola da situação em que se encontra, que é lamentável.