D. Francisco Silota, Bispo da diocese moçambicana de Chimoio e vice-presidente das Conferências Episcopais de África e Madagáscar, fala dos desafios que se colocam à Igreja Católica 12 anos após o Acordo Geral da Paz
D. Francisco Silota, Bispo da diocese moçambicana de Chimoio e vice-presidente das Conferências Episcopais de África e Madagáscar, encontra-se de passagem por Portugal a convite da Fundação Ajuda à Igreja que sofre, no âmbito das comemorações do 10.º aniversário da presença desta fundação em Portugal. Em entrevista à Agência ECCLESIA fala das dificuldades e desafios que a Igreja Católica em Moçambique enfrenta, 12 anos após o Acordo Geral da Paz, e confessa a necessidade de ajuda num país que foi devastado por duas guerras e que sofre com as calamidades naturais.
Agência ECCLESIA – A Igreja Católica em Moçambique tem-se destacado pelo seu papel na promoção da paz. Como foi possível superar anos de divisão e de guerra?
D. Francisco Silota - Depois do Acordo Geral da Paz, assinado em 1992, os Bispos deram-se conta de que a paz não seria apenas o calar das armas ou o equilíbrio de forças entre a oposição e o partido no poder. A paz significava algo mais.
A guerra, de facto, tinha deixado grandes e profundas feridas: muitos viram os seus familiares serem mortos, outros tiveram as suas casas queimadas e os seus bens saqueados, muitos foram vítimas de torturas. Estas feridas eram alimentadas pelo ódio e a Igreja preocupou-se com isso.
Mesmo quando as armas se calaram, sabíamos que enquanto houvesse ódio nos corações, a paz seria frágil. Por isso, pensou-se forma Integradores Sociais, homens e mulheres que foram às comunidades cristãs e com elas tentaram convencer o maior número possível de pessoas – de diferentes correntes sociais, políticas e militares – a perceber que, se quiséssemos uma paz verdadeira e duradoura, teríamos de nos perdoar uns aos outros. Era preciso acabar com essa coisa de nos injuriarmos como inimigos para passar a tratar-nos como irmãos.
AE – O esforço continua...
FS - Foi um trabalho duro, que levou quatro anos – o que não quer dizer que tudo esteja resolvido – e criou os seus frutos, uma certa cultura de paz.
Agora, a Igreja sabe que para que a paz seja sólida, ela tem de ser fruto do próprio povo: o povo tinha de participar de um forma ou de outra, daí percebermos quão importante é formar academicamente as pessoas.
AE – Essa missão foi mais complicada?
FS - A criação da nossa Universidade Católica foi fundamental para formar pessoas e equilibrar a oferta existente, porque nessa altura havia apenas uma Universidade, em Maputo, no extremo sul do país. Isso fazia com que muitas pessoas tivessem dificuldade em aceder ao ensino superior.
Assim, quisemos fundar a Universidade Católica, colocá-la num lugar diferente e disseminar as faculdades (a Universidade Católica de Moçambique conta hoje com oito faculdades, a funcionar em cinco províncias diferentes).
Pareceu-nos que esta decisão poderia ajudar na reconstrução do país e é por aí que estamos a avançar, mesmo sabendo que não está tudo feito, que a reabilitação não foi perfeita. Podemos dizer, contudo, que as armas realmente se calaram.
AE – A Igreja Católica enfrenta agora o desafio da Evangelização num contexto em que é minoritária. Há meios suficientes?
FS - Antes de mais, convém explicar que, segundo os últimos dados, havia 24% de católicos em Moçambique, para além de 21% de fiéis de outras confissões cristãs. Os muçulmanos correspondiam a 19%. A maior presença é a dos que seguem a religião tradicional.
Tudo isto é um desafio, porque a Igreja Católica tem o dever de fazer conhecer Jesus Cristo a todos. Nós somos poucos, não há muito pessoal evangelizador e há poucos meios para atingir toda esta gente – porque precisamos de deslocações e a estradas não são como as daqui... Faltam ainda meios de comunicação, casas para o pessoal evangelizador, seminários e casas de formação.
É nisto que precisamos da ajuda externa e é aqui que organizações como a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre e outras nos auxiliam de uma forma notável. Nós não deixamos, contudo, de pedir que as comunidades contribuam, na sua pobreza.