Entrevistas

Mais do que um porta-voz do Papa

Octávio Carmo
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Pe. Lombardi fala da sua experiência no Vaticano e da necessidade de responder à nova comunicação global

O padre Federico Lombardi, jesuíta, nasceu a 29 de Agosto de 1942, em Saluzzo, província italiana de Cuneo. Depois dos estudos no Instituto “Social” dos padres Jesuítas em Turim, entra no noviciado desta província da Companhia de Jesus, em Avigliana, no ano de 1960.

Em 1965 licencia-se em Filosofia, na faculdade filosófica Aloisianum, dos jesuítas, em Gallarate. De 65 a 1969 é assistente dos estudantes do Colégio universitário dirigido pelos jesuítas, em Turim. Laureado em Matemática, na Universidade desta cidade.

Em 1972 é ordenado padre. No ano seguinte licencia-se em teologia na faculdade dos Jesuítas em Frankfurt, Alemanha. No mesmo ano entra no colégio dos redactores da prestigiada revista “Civiltà Cattolica”, da Companhia de Jesus, chegando a vice-director da publicação em 1977.

De 1984 a 1990 foi Superior provincial da Companhia de Jesus na Itália e, em 1991, foi nomeado director de programas da Rádio Vaticano. Em 2001 foi nomeado como director geral do Centro Televisivo Vaticano e, em 2005, como director geral da Rádio Vaticano.

No dia 11 de Julho de 2006 foi nomeado director da Sala de imprensa da Santa Sé, substituindo o “histórico” Joaquín Navarro-Valls. O primeiro gesto do Pe. Lombardi foi escrever aos jornalistas acreditados junto da sala de imprensa para lhes assegurar que “há muito tempo trabalho, como vós, para que a actividade do Santo Padre e a realidade da Igreja possam ser conhecidas e compreendidas de forma objectiva e adequada”.

 

Agência ECCLESIA (AE) – Como nasceu esta sua vocação de comunicador?

Pe. Federico Lombradi (FL) – Pessoalmente, a vocação de comunicador é para mim uma continuação da vocação religiosa e sacerdotal. Se não fosse padre, não seria comunicador, faria outras coisas.

Esta vocação de falar, de anunciar o Evangelho é, naturalmente, uma vocação de comunicação, também. O facto de os meus superiores me tenham chamado a um compromisso no campo dos media não o senti como uma mudança de direcção, no serviço espiritual e sacerdotal, mas como um aprofundamento: Vai nesta direcção e leva a mesma mensagem.

Naturalmente, há depois um aprofundamento técnico e profissional. Mas lembro sempre que o motivo que me levou a começar o trabalho na «Civiltà Cattolica» foi ter escrito alguns artigos sobre os trabalhadores italianos emigrados na Alemanha. Não o fiz para ser jornalista, mas para servir esses trabalhadores. Nesse sentido, procuro sempre que comunicar se torne um serviço, nas questões importantes na vida das pessoas.

Claro que não me desagrada que isto se tenha tornado o centro da minha vida, especificamente ao serviço do Santo Padre e das instituições do Vaticano. Vejo-o como um contributo, para o serviço das pessoas.

 

AE – Tem tempo para acompanhar todas as dimensões do seu trabalho diário no Vaticano (director-geral da Rádio Vaticano e do Centro Televisivo do Vaticano, director da sala de imprensa da Santa Sé, ndr)?

FL – Haverá, naturalmente, quem pense que seria melhor ter directores diferentes, argumentando que se fossem mais pessoas, poderiam dedicar mais tempo a cada um destes campos específicos.

Eu fui solicitado para dar estas respostas e enquanto mo pedirem, continuarei a fazer o melhor que posso. Pessoalmente, procuro valorizar esta oportunidade e rodear-me de bons colaboradores, porque não se consegue fazer tudo isto sozinho, é preciso delegar tarefas.

Por outro lado, considero que esta multiplicidade de missões pode ajudar o serviço das diversas instituições. Para a Rádio e a Televisão é muito fácil ver que há sinergias, colaboração, tanto técnica e de terminologia, com redactores disponibilizados para fazer documentários ou nas celebrações litúrgicas. Estas possibilidades de parcerias são mais fáceis de realizar com uma direcção comum.

No que diz respeito à sala de imprensa de Santa Sé, com uma actividade algo diferente, posso aproveitar muitos dos contactos realizados na rádio e na televisão, colocando à disposição jornalistas, materiais, documentação. A partir do momento em que me foi pedido que leve por diante esta actividade, procuro tirar o maior proveito possível dos meus conhecimentos, admitindo, embora, que possa haver outras soluções.

 

AE – Esta missão implica uma relação especial com o Papa?

FL – Não se pense que esta é uma relação de contactos frequentíssimos, no sentido em que os Papas e também Bento XVI trabalham muito através dos seus colaboradores mais próximos, que são sobretudo a Secretaria de Estado, o seu Secretário e o substituto (Cardeal Tarcisio Bertone e D. Fernando Filoni, respectivamente, ndr).

Eles são, também para mim, os principais interlocutores. Eu não sou um porta-voz pessoal do Papa, ele não me chama para enviar mensagens específicas através de mim. Eu sou director da sala de imprensa da Santa Sé, que tem a missão de difundir a informação oficial, digamos assim – comunicados, textos do Papa -, que me chegam através da Secretaria de Estado e de outras instituições do Vaticano.

Por certo, tenho ocasiões pessoais para ver o Papa e falar com ele, por exemplo, depois de audiências importantes com chefes de Estado e outras grandes personalidades. Falo com ele sobre o conteúdo dos encontros, para redigir o comunicado, e confronto aquilo que me diz com a Secretaria de Estado, que pode ter outras informações.

Também depois de cada viagem ao estrangeiro, há um almoço de trabalho, com as pessoas mais ligadas ao trabalho da informação, para falar em conjunto, com muita liberdade, da avaliação da viagem, de um ponto de vista de comunicação.

Portanto, tenho momentos de contacto directo e pessoal com o Santo Padre, mas não são tão frequentes como as pessoas pensam, não é que ele me chame todas as manhãs: “Olha, Lombardi, cá está o que quero dizer ao mundo” (risos). Ele fala em público, eu comunico este material, apresento-o, organizo a sua difusão.

 

AE – Mas fica sempre a ideia de ser o seu porta-voz…

FL – Bem, de facto, quando há uma declaração a fazer, oficialmente, com um comunicado escrito ou oral, é comum falarmos em porta-voz. Eu não tenho, porém, nenhum documento em que tenha sido nomeado como porta-voz.

 

Vaticano atento à mudança na informação

A história da sala de imprensa da Santa Sé começa quando, a 20 de Fevereiro de 1939 foi instituído o “Serviço de Informação” de “L'Osservatore Romano”, com a missão de transmitir informações aos jornalistas acreditados. Em 1966, a sala de imprensa, já instituída como órgão informativo do II Concílio do Vaticano, englobou o serviço precedente e começou a funcionar, efectivamente, como sala de imprensa da Santa Sé.

Segundo as novas directivas aprovadas por João Paulo II, em 1986, a sala de imprensa da Santa Sé é “o serviço da Santa Sé encarregado de difundir as notícias que dizem respeito aos actos do Sumo Pontífice e à actividade da Santa Sé”, gozando de uma “autonomia operativa própria”. O “Vatican Information Service” foi instituído em 1990 como um novo sistema informativo, que fornece, todos os dias, notícias sobre a actividade do Papa e da Santa Sé em inglês, francês, espanhol e italiano, via email, via fax e na Internet.

 

Agência ECCLESIA – Num mundo mediático que muda tão rapidamente, que evolução tem de fazer a sala de imprensa da Santa Sé?

Padre Federico Lombardi – É verdade que a estrutura tradicional da sala de imprensa, com os boletins que saem todos os dias ao meio-dia, é pensada para o sistema dos jornais e dos noticiários televisivos a horas determinadas, não para o sistema da Internet, que hoje funciona 24 horas por dia. Já temos há muito tempo um sistema electrónico que permite mandar mensagens às principais agências de notícias, a qualquer hora.

Temos a preocupação de diferenciar o nível da comunicação, das declarações. Há comunicados que são expressão da Secretaria de Estado, nalguns casos por vontade do Papa, e são publicados assim. Depois há outros, importantes, mas mais ordinários, que são da sala de imprensa, e outros que são resposta sobre temas mais particulares, em que eu respondo apenas ao jornalista ou à agência em causa.

Estes vários níveis de importância, de oficialidade, também passam pelos comunicados escritos e pelas respostas orais. Temos de aprender a utilizar os diversos níveis de comunicação e os vários instrumentos de difusão.

Quando o Papa caiu, este Verão, em Vale de Aosta, por exemplo, fiz todos os dias um comunicado para os jornalistas mais interessados. A informação era enviada pelo sistema electrónico, sem ser sequer qualificada como comunicado da sala de imprensa, dizia “O Padre Lombardi informa que…”

É verdade que na actual situação temos de desenvolver novos modos de monitorização da Web e da informação. Fazemos muito bem a resenha da imprensa publicada, mas temos de ter um sistema que abranja os vários sites do mundo, em várias línguas e de forma mais frequente, para perceber se há novidades a que tenhamos de responder.

 

AE – É ainda uma fase de aprendizagem?

FL – A sala de imprensa aprende a responder, procura seguir a evolução. Esta é tão rápida e tão ampla que é muito difícil conseguir responder ao mesmo nível da evolução mundial, mas fazemos o nosso serviço.

Algo muito importante, neste sentido, é desenvolver a ligação entre as diversas agências e salas de imprensa da Igreja, para poder lançar rapidamente uma mensagem de Roma, se houver alguma urgência, dando um sentido de participação e segurança. Penso que é possível dar passos em frente muito importantes.

 

AE – Como é estar debaixo desta exposição mediática constante?

FL – Há muitas considerações que se podem fazer: eu digo sempre que, para mim, o principal é ter a consciência tranquila, dizer a verdade sobre as coisas que são pedidas, aquilo que, honestamente, se sabe ou não, procurando prestar um serviço que ajude aqueles que se nos dirigem.

Se tivesse a ideia de ser sempre capaz de responder a tudo ou de inventar respostas que não tenho, esta vida seria muito difícil. Eu parto sempre do princípio da verdade e de serenidade no dizer e no responder. Há tempos mais difíceis e outros mais normais para quem faz um serviço deste tipo.

Em particular, há dias de emergência, de tensão, por existirem muitas perguntas, posições divergentes, e estes são dias difíceis, em que se deve procurar uma linha coerente, que possa oferecer uma luz, clareza. Por sorte, há depois os dias normais, em que se pode descansar um pouco e retomar o fôlego.

 

AE – A formação em Matemática não deixava adivinhar um comunicador…

FL – (Risos) Isso fazia parte de uma alternativa, ou seja, quando estava a formar-me pensava-se que pudesse vir a trabalhar nesse campo, como professor. Depois, de facto, as circunstâncias levaram-me a começar a escrever, sendo chamado a trabalhar na revista.

Da «Civiltà Cattolica» passei para a Rádio Vaticano, para o Centro Televisivo e para a Sala de imprensa da Santa Sé, uma experiência que se foi alargando nos âmbitos, mas que nasceu a partir da escrita de artigos.

 

Fátima e o mundo

AE – Veio a Fátima participar nas Jornadas Nacionais de Comunicação Social. Esta viagem tem algum significado especial para si?

FL – Certamente, Fátima é um lugar onde se vai sempre de boa vontade e com grande emoção, pelo seu significado espiritual para a Europa e todos nós. Sabemos que mesmo os Papas aqui quiseram vir em peregrinação, porque é um sítio histórico e precioso para a Igreja. Para além disso, é um lugar de onde se lançam mensagens, Nossa Senhora deixou cá a sua mensagem e por isso, daqui devem partir mensagens de Esperança para os povos dos nossos dias.

Falar de comunicação, em Fátima, insere-se nesta perspectiva. Falar de comunicação eclesial, de mensagens religiosas que pretendem servir o bem do povo, num plano de salvação durável, num tempo em que há mensagens breves, mas que confundem. Fátima fala de coisas simples, que indicam uma perspectiva segura. Sei bem, ainda, que é um ponto de referência central de toda a vida Igreja em Portugal e, assim, vir a Fátima é também encontrar quem se empenha no serviço eclesial, num momento de oração e amizade com quem trabalha no tempo da comunicação.



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