Na aproximação do Natal, são muitos os que não podem celebrá-lo com a família, no aconchego da sua casa – os imigrantes. A revista “Irmã Maria” foi ao encontro da Maria Eduarda Viterbo, do Secretariado Diocesano das Migrações do Porto, para uma troca de ideias sobre este “celebrar o Natal”.
IM- Nesta caminhada para o Natal, como é que “sentes” o coração de tantos imigrantes que se vão cruzando contigo e que estão tão longe da sua casa e, na maioria dos casos, da sua família?
MEV- Bem, para eles (para a maioria) o Natal está um bocadinho mais longe do que o nosso. Seguem o calendário Juliano, portanto o seu Natal será no dia 7 de Janeiro.
Quanto ao “sentir” o coração de alguém... Penso que nunca sentimos realmente o que não vivemos – eu efectivamente nunca estive separada daqueles que amo nem impedida de celebrar segundo os meus hábitos, a minha sensibilidade, etc....Eles estão.
No entanto, a vivência de vários anos com as chamadas comunidades de leste, ajuda-me já a perceber melhor a forma como sentem a vida e, consequentemente, as enormes dificuldades que vão tendo e que, logicamente, doem mais nesta época.
IM- Que dificuldades? A falta de trabalho? A falta de dinheiro?
MEV- Essas também. Mas, nesta altura, gostaria de falar daquelas que quase “ninguém vê”. E que doem!
Por exemplo, sabemos que celebram o Natal em data diferente da nossa, mas, ninguém (ou quase ninguém) se preocupa a dar folga aos empregados nesse dia ou a oferecer-lhes a possibilidade de telefonar para casa, já que muitos não têm dinheiro para isso.
Anteriormente nós (o Secretariado Diocesano das Migrações) organizávamos uma noite de Natal para os imigrantes no dia 7 de Janeiro. Primeiro tínhamos a Celebração Litúrgica que era seguida de um convívio informal à volta de algumas coisas típicas de Natal (Bolo-Rei, rabanadas, vinho do Porto...). Ultimamente já entre eles alguém cozinhava as coisas tradicionais da sua terra para trazer e juntar ao que conseguíamos preparar. Era interessante. Era um convívio salutar, mas que, obviamente, não anulava as saudades de casa. Começávamos às 19H00 ou 19H30, mas tínhamos que ser nós a telefonar aos patrões (a muitos) a pedir para os deixarem sair um bocadinho mais cedo... É claro que era impossível conseguir telefonar às várias centenas de entidades patronais... A situação das empregadas domésticas era a pior – as Senhoras, insensíveis, preocupavam-se com o seu próprio jantar que deveria ser servido às tantas horas... Portanto, a empregada não podia sair para celebrar o seu Natal!
IM- Agora já não organizam essa festa?
MEV- No último ano já não. Pensamos bem e a própria capelania da Igreja Ortodoxa (cujo responsável pertence à equipa do Secretariado) achou que não seria necessário, uma vez que já todos (ou a grande maioria) conhecem a Igreja, sabem onde fica e podem participar nas Celebrações próprias no horário combinado. Assim, a Capelania está mais viva e não há a necessidade de se deslocar. E eles desenvolvem o sentido de comunidade, que esta época tanto sugere. Há, graças a Deus, cada vez mais famílias reunidas e muitos grupos de amigos e conhecidos, que se juntam para celebrar segundo as suas tradições. Mas é difícil, porque os que trabalham normalmente não são dispensados. Alguns optam por faltar ao trabalho...
IM- E não há gente isolada?
MEV- Há! Há muita gente isolada. Há sobretudo muitos homens sozinhos. E há muita gente na rua. A “Amizade-Associação de Imigrantes de Leste”, com quem trabalhamos, organiza também o seu Jantar de Natal. Aí todos podem sentir-se um pouco “em casa” e abafar um pouco a saudade com os seus petiscos tradicionais... Pelo menos sentem-se mais família e isso é muito bom. Também organiza a festa do “Natal das crianças”, que é a festa de S. Nicolau em que participamos também activamente. É muito bonito.
IM- Falaste de gente na rua? Celebram na rua? Que queres dizer?
MEV- Quero dizer na rua mesmo! Há muitos imigrantes que não têm onde viver. Dormem na rua - ou em casas abandonadas, onde lado a lado, convivem ratos e toda a espécie de bicharada, entulho, águas estagnadas e...pessoas.
Estes, a quem o patrão não pagou, a quem o patrão roubou o dinheiro da Segurança Social ou os que tropeçaram numa empresa “fantasma” que simplesmente “desapareceu” sem deixar rasto, deixando os empregados na rua... Há tantos casos destes!
Normalmente estas pessoas integram-se nas Ceias de Natal dos “sem-abrigo” organizadas pelas várias Instituições (por exemplo: Emmaus, Coração da Cidade...). Vão-se acompanhando uns aos outros... E são também visitados e acompanhados por mim.
IM- Que fazes por estas pessoas? Agora que pensamos no Natal, de que forma te tornas próxima?
MEV-Eu tento ser próxima todos os dias – não só no Natal. Ser próxima significa estar verdadeiramente com eles. É o que tento fazer. Estou incondicionalmente e eles sabem disso. Procuro com a maior intensidade possível evitar ou pelo menos remediar as situações mais dolorosas – as injustiças tremendas de que diariamente são vítimas.
Celebrar o Natal é, mais do que fazer festas e doces, fazer com que sejam respeitados, fazer com que a sua auto-estima não desça mais. É, na impossibilidade de fazer melhor, sentar-me na pedra com eles e ouvir os desabafos doridos, as lamúrias e aspirações (às vezes já embrulhadas num bocado de álcool) de quem não se sente respeitado como pessoa...de alguém que sonhou uma vida melhor para si e para os seus e, de repente, viu os seus sonhos barbaramente destruídos... É rir e chorar com eles, em momentos profundos de partilha, onde nem a diferença da língua faz barreira.
É, enfim, curvar-me diante deste Cristo partido, presente em cada um deles!