VP – Quando foi sozinho para Taizé, com 25 anos de idade, imaginava que Taizé viria a ser o que é hoje?
Irmão Roger (IR) – Passados cinquenta anos, com os meus irmãos, estamos surpreendidos : porque razão vêm tantos jovens a Taizé e o que fará com que esse número cresça? A partir dos anos 50, quando os jovens começaram a acorrer a Taizé em grande número, nunca imaginámos que isso continuaria. Para os alojar, preparámos um local a 3km. Daí, vinham 3 vezes por dia para a oração comunitária. Rapidamente nos apercebemos de que alojá-los tão longe, não era a hospitalidade segundo o Evangelho. E assim, passámos a acolhê-los em Taizé, em tendas, barracas, tendas de circo, com grande simplicidade.
VP – Taizé esteve desde o início orientada para os jovens ou escolheu à partida o caminho do ecumenismo?
IR – Na minha juventude, eu interrogava-me: os cristãos rezam todos a um mesmo Deus de amor; como é possível que, por vezes, gastem tantas energias para se oporem? E pouco a pouco dei comigo a dizer a mim mesmo : tenta o impossível para criares uma comunidade de homens na qual se procurará viver em comunhão, na bondade do coração e no perdão. Foi assim que a comunidade de Taizé começou.
VP – Sentiu receio, durante a guerra mundial, quando escondia refugiados judeus? Teve problemas por causas disso?
IR – Não posso esquecer uma noite no verão de 1942, quando ainda me encontrava sozinho em Taizé. Estava sentado a uma mesa sobre a qual escrevia. Era a guerra. Sabia-me em perigo por abrigar refugiados em casa. Entre eles havia Judeus. O risco de ser detido e levado preso era efectivo. Um polícia à civil vinha interrogar-me frequentemente. Nessa noite, face ao medo profundo que me invadia, fui habitado por uma oração de confiança na qual disse a Deus: «Mesmo que a vida me seja tirada, eu sei que tu, o Deus vivo, darás continuidade ao que aqui foi começado, a criação de uma comunidade». A mais nova das minhas sete irmãs vinha, por temporadas, ajudar-me a acolher. Sabendo-nos expostos, os nossos pais pediram a um amigo, oficial francês na reforma, que olhasse por nós, coisa que ele fez conscienciosamente. Em Outubro de 1942, avisou-nos de que tínhamos sido descobertos, e que não só seria necessário deixar de acolher refugiados, mas também deixar Taizé por algum tempo. Um pouco menos de dois anos mais tarde, no Outono de 1944, pude regressar. Desta vez já não estava só, éramos quatro irmãos.
VP – Qual é a maior e mais importante mensagem do espírito de Taizé e da comunidade de Taizé?
IR – Um dos homens que mais me marcou, nasceu no seio de uma família humilde de agricultores do norte de Itália. Com idade avançada, veio a ser papa com o nome de João XXIII. Em 1959, anunciando um concílio, pronunciou algumas palavras das mais transparentes que há. Até hoje, refiro-me constantemente a estas palavras luminosas: «Nós não faremos um processo histórico, não procuraremos saber quem teve ou não razão; as responsabilidades são partilhadas; diremos apenas: reconciliemo-nos!»
VP – Como e porque surgiram os encontros internacionais entre o Natal e o Ano Novo ?
IR – Nos começos, não imaginava que seríamos levados a acolher jovens fora de Taizé. Mas, ao fim de longos anos, com os meus irmãos, preocupámo-nos ao ver que, em vastas regiões do mundo, os jovens pouco rezam nas paróquias. Então dissemo-nos: seria bom não só acolher jovens em Taizé, mas também ir aí, aos locais onde eles vivem, às cidades, e se possível, procurar torná-los atentos a esta comunhão única que é a Igreja. Foi o que nos levou a preparar encontros nas grandes cidades da Europa, ou também noutros continentes. Nós não organizamos nenhum movimento de jovens centrado na nossa comunidade mas preparamos estes encontros com as paróquias.
VP – Penso que o encontro deste ano terá lugar pela primeira vez em Lisboa. Foi à partida uma decisão vossa ou receberam algum tipo de convite?
IR – Foi o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa quem nos convidou e ficámos felizes por responder positivamente.
VP – “Peregrinação de confiança na terra”, esta é a denominação deste encontro ou o fio condutor que relaciona todos os encontros internacionais?
IR – Há já longos anos que iniciámos esta «peregrinação de confiança na terra» com os jovens de todos os continentes. A construção da Europa não nos interessaria se tivesse como único propósito criar um continente mais forte, mais rico, e se a Europa cedesse à tentação de se fechar no interior das suas fronteiras. A Europa torna-se plenamente ela mesma quando se abre aos outros continentes, solidária com as nações pobres. A sua construção encontra sentido quando é entendida como uma etapa ao serviço da paz de toda a família humana. Eis a razão pela qual, embora o nosso encontro no fim de cada ano seja denominado «encontro europeu», gostaríamos mais de o ver como uma «peregrinação de confiança na terra».
VP – Qual é o seu desejo particular para este encontro e para aqueles que nele participarão trabalhando, rezando, cantando, ajudando, acolhendo, abrindo as suas casas?
IR – Hoje, mais do que nunca, a família humana tem necessidade de entrar num tempo de paz, de confiança e de compreensão. E os cristãos não podem ser "mestres da inquietação" mas antes "servidores da confiança". Não são apenas aqueles que estão na primeira linha quem determina as mudanças do mundo. Em todos os países, tantos humildes da terra preparam caminhos de confiança para a humanidade. Nos períodos mais difíceis há homens, mulheres e jovens que sabem acender uma luz mesmo na noite dos povos. Através do silêncio e de uma contemplação muito humilde, eles podem alterar o curso de certas evoluções sombrias da história humana. Cabe-nos descobri-los, cabe-nos ser desses.