Bispo de León, Don Julián López Martín, em entrevista à Voz Portucalense
Voz Portucalense – Está no Porto para orientar umas Jornadas Pastorais para o Clero diocesano, tanto agora como virá em Janeiro, com base em 3 perspectivas da Redemptoris Sacramentum: expressão de fé, experiência do mistério e vida de comunhão. Pode adiantar-nos desde já os conteúdos e ideias-chave que vai abordar?
D. Julián López Martín (D.JLM) – Essas vão ser, efectivamente, as perspectivas das minhas conferências, com o fim de ajudar a viver a liturgia como “um feito de ordem espiritual”, no sentido de que, no começo deste novo milénio, a pastoral litúrgica desenvolveu-se em volta duma profunda espiritualidade, como queria o Papa, quando publicou a Carta Apostólica “Novo Milennio Ineunte”, ao acabar o Grande Jubileu de 2000. As principais ideias que expunha, encontram-se na preciosa encíclica “Ecclesia de Eucaristia” (ano 2003) e na Carta Apostólica “Mane nobiscum Domine” (ano 2004), face ao Ano da Eucaristia. Tinha que ter em conta estas indicações do Magistério pontifício. Portanto, vou tratar de mostrar, primeiro: como a Eucaristia (expressão da fé) se celebra hoje em continuidade com a tradição da Igreja, que arranca do mesmo Senhor; segundo, como a Eucaristia (experiência do mistério da fé) está no centro de toda a vida cristã e, particularmente, no centro da vida e ministério dos presbíteros; e, terceiro, como a Eucaristia (vida de comunhão) edifica a comunidade cristã e exige determinadas atitudes em quem a celebra.
VP – Um dos desejos deste Ano da Eucaristia é o de reavivar e reanimar a Eucaristia Dominical. Propõe algo de novo ou reforça algum gesto e/ou símbolo, posição e/ou atitude, do que já temos instituído?
D.JLM – A celebração do Domingo tem o seu centro na Santa Missa. Sem Eucaristia não há Domingo. E o que faz falta é que os cristãos se convençam de que devem assistir e participar do melhor modo possível, interna e activamente, por necessidade vital, como o comer e o respirar. É um problema de catequese do Domingo e da Eucaristia, e de motivação espiritual e moral. Durante séculos funcionou o recurso ao preceito, baixo pecado grave. Hoje isto foi esquecido, porque não se ensina nem se motiva. Justo quando maiores são as facilidades para celebrar e para compreender a celebração. É preciso iniciar na celebração eucarística e criar hábito de participar em cada 8 dias. Têm-se feito demasiadas concessões à mentalidade moderna e ao fim-de-semana, e haveria que escutar os Santos Padres, como falavam do que se supunha faltar à Eucaristia dominical.
VP – A estrutura da Eucaristia foi sofrendo diversas alterações litúrgico-pastorais ao longo dos tempos. Não acha que haveria mais momentos a serem repensados e corrigidos, tais como, por exemplo, alguns embolismos e o carácter demasiadamente penitencial?
D.JLM – Já se acabaram as experiências litúrgicas e as reformas, e em cada dia ficam menos presbíteros e fiéis que conheceram a situação da liturgia antes do II Concílio do Vaticano. Hoje é preciso celebrar seguindo os livros reformados segundo os decretos conciliares. Recordou-o o Papa há 16 anos, quando se cumpriam 25 da publicação da Constituição “Sacrosanctum Concilium”. O correcto não é inventar nada, senão estudar e meditar os textos litúrgicos e as orientações que precedem aos livros actuais. E ensinar e explicar ainda os ritos e os sinais. Na Santa Missa, a 3ª edição típica do Missal, o mesmo que se fez com o Ritual do Matrimónio e com os Ritos das Ordenações, aproveitou-se a experiência de quase 40 anos para introduzir algumas modificações, ou melhor, para advertir desvios, motivados muitas vezes pela ignorância do espírito e da letra dos livros litúrgicos.
VP – A Paróquia de N.ª Sr.ª de Zulema é o 2º templo espanhol a abrir 24 horas por dia, a fim dos fiéis poderem rezar mais e adorar o SS.mo a qualquer hora. Tem dado o resultado desejado? Prevê que mais Igrejas e Paróquias sigam este exemplo?
D.JLM – Não conheço essa Paróquia. Mas em León, como em Lugo, está exposto o Santíssimo Sacramento de maneira permanente, de dia e de noite, e nunca faltam adoradores. Pela noite estão os turnos da Adoração Nocturna, e a igreja está aberta, salvo pela noite dentro aos fins-de-semana, para evitar que grupos de incontrolados, quem sabe bêbados, perturbem a paz do lugar. Eu creio que em toda a cidade deveria habilitar-se, ao menos, uma igreja para a Adoração Eucarística durante as horas diurnas.
VP – Como se já não bastassem as nefastas medidas anteriormente tomadas pelo governo de Zapatero, surge mais uma, de desrespeito à vida humana, ou seja, trata-se da aprovação da Lei da reprodução assistida no país...
D.JLM – Resulta inconcebível a escalada de anúncios de medidas legislativas, que não vão só e abertamente contra o que a Igreja crê e propõe – como valores morais em favor da vida humana e da dignidade do matrimónio, ou contra o direito dos pais de elegerem o tipo de educação dos seus filhos – mas que ofendem inclusive muitas pessoas e cidadãos que não se confessam crentes. Parece que existe um empenho em serem os primeiros no mais audaz e, por desgraça, no mais contrário à própria cultura espanhola e europeia. E quer fazer-se isto em nome do progresso e em nome da não confessionalidade do Estado, quando, realmente, se ameaça com a imposição duma espécie de nacional-laicismo de carácter totalitário. Depois está o modo como certos meios de comunicação, com afinidade ao Governo, orquestram e interpretam as medidas anunciadas.
VP – Houve há dias um mal entendido duma possível manifestação contra o governo espanhol promovida pela Conf. Episcopal Espanhola, que veio posteriormente desmentir tal afirmação. De que forma(s) é que os Bispos espanhóis demonstram o seu descontentamento e como é que acham que os católicos irão ou poderão actuar?
D.JLM – Não é certo que a Conferência Episcopal tenha promovido manifestações contra o Governo. Desde o princípio da legislatura, a Conferência Episcopal, pela boca do seu Presidente, ofereceu colaboração leal, assegurando que não quer privilégios, mas procurando também respeito e diálogo sobre todos os temas de interesse comum. Mas em Espanha são muitos os leigos católicos que reagiram e criaram, enquanto cidadãos livres, plataformas pela defesa da vida e da família e promoveram listas de assinaturas para evitar que o ensino religioso escolar seja reduzido praticamente a nada.
VP – Teme que a revisão dos acordos entre a Santa Sé e a Igreja Católica espanhola, apesar de não ser prioritária para Zapatero, possa realmente vir a acontecer?
D.JLM – O tema da revisão dos Acordos há-de fazer-se por ambas as partes, e não creio que o Governo o decida por sua conta, porque é uma questão de Direito Internacional. Estes Acordos vão cumprir 25 anos e, ainda que em muitos pontos não tenham sido desenvolvidos suficientemente, sempre são um marco de referência necessário para o entendimento.
VP – No entender do Sr. Bispo como fazer perceber aos homossexuais que as suas uniões não podem ser legalmente equiparáveis ao matrimónio e ao conceito universal de família tradicional? Como analisa o aumento destas uniões, assim como a nova cadeia televisiva francesa destinada a essa tendência sexual?
D.JLM – Gostaria de saber quem são verdadeiramente as pessoas interessadas em que as uniões homossexuais sejam chamadas “matrimónio”. Porque os que mais gritam e se manifestam publicamente, às vezes duma maneira muito agressiva inclusive contra o bom gosto e a decência, não parecem estar muito interessados nos valores duma união estável e duma família normal. O anúncio da possibilidade de considerar matrimónios às uniões homossexuais foi ele que provocou maior repulsa, não já entre os católicos, mas entre quem não vê convenientemente em que se dê alguma forma de regulação das consequências no plano social, fiscal, etc, das uniões de facto.
VP – É certo que os Bispos espanhóis se sentem discriminados por esta “euforia laicista” do governo zapaterista. De que forma vão transmiti-lo na visita ad Limina ao Papa, de Janeiro a Março de 2005?
D.JLM – Os Bispos espanhóis não se sentem pessoalmente discriminados. Somos todos católicos, é a mesma Igreja Católica a que padece daquilo a que chama “euforia laicista”. Esta preocupação não faz falta que a transmitamos na visita ad limina dos próximos meses. É de domínio público, e Roma e a Igreja em Espanha estão em comunicação constante.
TRÍMERO TEMÁTICO:
VP – Não entendimento das Igrejas Cristãs em Jerusalém...
D.JLM – Faz muito tempo que as Igrejas cristãs em Jerusalém buscam ajudar-se mutuamente. Hoje existe um sério perigo de que a presença cristã seja pouco mais que simbólica. Na última semana de Outubro, uma delegação de Bispos espanhóis visitou a Terra Santa para mostrar o amor e a proximidade da Igreja em Espanha às comunidades que estão vivendo uma verdadeira tribulação.
VP – Anti-catolicismo vs. Anti-semitismo na Europa...
D.JLM – Não tenho elementos de juízo para responder a esta pergunta.
VP – Evangelização, Esperança e Inculturação...
D.JLM – O anúncio do Evangelho gera esperança, e a inculturação é um facto de há muitos séculos atrás, praticamente desde as origens do Cristianismo, nos países como Portugal e Espanha. Por isso é um contra-senso tratar de ignorar as raízes cristãs dos nossos povos. E, por outro lado, a inculturação na “cultura” de hoje, exigiria que estivéssemos diante duma verdadeira cultura. Neste aspecto, parece-me que a evangelização ajudaria a que saísse em alta uma cultura digna deste nome.
Entrevista e Tradução de
ANDRÉ RUBIM RANGEL
rangel@aeiou.pt