Só há sociedade com esperança quando baseada em princípios, regras e valores
À conversa com... António Bagão Félix, ex-ministro das Finanças e da Segurança Social e do Trabalho
António José de Castro Bagão Félix tem 57 anos e é casado, tem duas filhas e uma neta. É licenciado em Finanças, pelo ISCEF – Univ. Técnica de Lisboa. Entre 1970 e 73 cumpriu o serviço militar na Marinha. Foi Vice-Governador do Banco de Portugal, Director financeiro e Administrador de várias Companhias de Seguro, Administrador do BCI e Director-geral do BCP. Na actividade docente foi Assistente no ISCEF e no ISCTE e Professor Auxiliar Convidado na Univ. Internacional. Quanto à actividade política, antes de ser Ministro nos 15º e 16º Governos, foi Secretário de Estado da Segurança Social (6º,7º e 8º Governos), Deputado à Assembleia da República por Aveiro e Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde e Segurança Social, Deputado à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (11º Governo).
Para além destas actividades, foi Membro da Ass. de Fundadores da Fundação Cidade de Lisboa, Presidente da Ass. Geral da União das Misericórdias, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, Presidente do Cons. Fiscal do Banco Alimentar contra a Fome (Lisboa), Presidente do Cons. Fiscal da Caritas Portuguesa, Consultor da Conferência Episcopal Portuguesa (aspectos sociais e éticos) e Membro da Direcção da SEDES. Tem ainda vários livros publicados (o último: “Do lado de cá, ao deus-dará”. Ed. 2002) e artigos editados.
VP – Dado que vem ao Porto a 17 de Setembro participar numa Conferência, sobre o tema “O sentido genuíno da Caridade: perspectivas sociais”, pode já abrir-nos um horizonte em que consistirá essencialmente a sua abordagem?
Dr. António Bagão Félix (ABF) – Procurarei expressar a ideia de que a caridade, como a mais verdadeira expressão de amor social, é também a mais consistente com uma sociedade livre, responsável e baseada em valores.
VP – Como é que vê e vive a crise que tanto se fala que Portugal está atravessar?
ABF – Há dois tipos de crise: a quantitativa e económica que espero possa ser superada pelo trabalho, e a qualitativa e de valores que, para mim, é a mais profunda e precisa de combate frontal. Só há sociedade com esperança quando baseada em princípios, regras e valores de trabalho, responsabilidade, respeito pela vida, primado da família e não dissolvida numa apologia do relativismo e minimalismo éticos.
VP – Entende-a como uma forma de consciencializar a população para uma contenção de despesas? Será que ainda se vai a tempo de remediar esses excessos?
ABF – A economia existe porque as necessidades e ambições sempre serão superiores aos meios e recursos. A contenção de despesas não é uma necessidade cíclica, mas permanente. Só se pode consumir na medida em que se produz. As gerações mais novas não podem ser amadurecidas na ideia de que não há limites.
VP – Qual seria a forma concreta de se “salvar” a nação e a União Europeia sem ser por políticas e politiquices ideológicas que se tomam e que depois, muitas vezes, recuam, estagnam ou estragam?
ABF – As ideologias, do ponto de vista das soluções económicas e sociais, não divergem substancialmente nos dias de hoje. Vemos governos de direita e de esquerda a aplicar o mesmo receituário e posologia. O problema da EU, na minha opinião, é o da “obesidade do ter”, secundarizando as instituições básicas de uma sociedade equilibrada. As ideias do trabalho, do sacrifício até, a tradição, a solidariedade entre gerações estão a ser esbatidas. A natalidade continuamente decrescente vai ser o grande problema da Europa no futuro.
VP – A situação do desemprego que neste momento se apresenta é sem dúvida dramática. O que tem a dizer aos jovens recém-licenciados que durante 4 ou 5 anos deram tudo por tudo para serem agora os quase médicos, os quase advogados, os quase professores, os quase trabalhadores…?
ABF – É sem dúvida angustiante ver jovens a desperdiçar a sua esperança após um enorme esforço que fizeram. Infelizmente, o mercado de emprego em Portugal é muito rígido e isso prejudica quem nele quer entrar. Mas os jovens têm que saber conviver com esta dificuldade que é permanente, lutando, tomando consciência de que a escada da vida se faz por pequenos passos, arriscando as suas próprias iniciativas num país ainda muito habituado ao trabalho por conta de outrem.
VP – Quanto à Segurança Social acha que há serviços e informações subjacentes que ainda são do desconhecimento parcial ou total das pessoas, como: as Doenças profissionais, o CESD, os Grupos de risco, o Seguro social voluntário, a Maternidade, …?
ABF – Tem razão. Apesar dos enormes progressos ao nível da informação prestada aos cidadãos quanto aos seus direitos sociais (e também deveres), ainda há um caminho a percorrer. Hoje com os meios electrónicos e expeditos de divulgação e de comunicação essa sintonia pode acelerar-se bastante.
VP – Com as fronteiras abertas dá-se o aumento da fixação de estrangeiros no nosso território, muitos dos quais de forma ilegal. Já há um grande nº de imigrantes chineses e dos países do Leste. Considera que com este alastrar da globalização teremos que, num futuro próximo, ter que aprender e ensinar nas Escolas o chinês, ou o russo, ou o romeno, …?
ABF – Sou totalmente a favor de um acolhimento humanamente profundo dos que procuram legalmente o nosso País para melhorar a sua vida. Nada tenho contra a preservação de traços culturais e de vivência das diferentes comunidades que aqui chegam. Mas quanto à língua, a prioridade deve ser alargar a nossa língua e não o contrário.
VP – Fruto deste acordo fronteiriço livre dá-se azo a um efeito boomerang, ou seja, passa-se da liberdade à libertinagem. Isto é, sabe-se por Estatísticas que cerca de 70% da criminalidade actual, forçada e à mão armada, dá-se por estrangeiros… Que opinião tece a este respeito?
ABF – Não gosto do simplismo estatístico que geralmente conduz a visões maniqueístas na sociedade. Por isso, sou cauteloso nessa abordagem. O aumento da criminalidade infelizmente é generalizado no Mundo e, aliás, objecto de condescendente “propaganda” nos meios audiovisuais. Por outro lado, é necessária uma Justiça célere e credibilizada que puna o criminoso e dissuada o pequeno e o grande crime.
VP – Como analisa as candidaturas autárquicas e camarárias de pessoas que têm processos jurídico-penais e que estão ou aparentam estar em desacordo e discordância com os partidos onde estão filiados? O facto de avançarem como independentes soluciona ou iliba-os da justiça?
ABF – Espero que os eleitores dêem a resposta adequada.
TRÍMERO TEMÁTICO:
VP – Furacões, tufões, ciclones e maremotos: simples fenómenos da natureza?...
ABF – Sim, mas de uma Natureza cada vez mais agredida pelo Homem no seu equilíbrio.
VP – Que reformas, quais reformas e quando essas reformas?...
ABF – Educação como base de tudo. O resto vem por acréscimo.
VP – Saída dos colonatos de Gaza vs. Muro separador da Cisjordânia...
ABF – Contradições talvez necessárias face a uma violência (muitas vezes sem rosto) que parece não ter fim.
Aspectos de eleição:
VP – Uma finança...
ABF – As finanças domésticas.
VP – Uma segurança...
ABF – A Social, como património de uma civilização com esperança.
VP – Um trabalho...
ABF – O respectivo Código…
VP – Um dirigente político...
ABF – Tony Blair.
(In Voz Portucalense)