Entrevistas

Opinião pública foi enganada sobre a clonagem

Octávio Carmo
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Walter Osswald, Director do Instituto de Bioética da UCP e antigo responsável pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, comenta para a Agência ECCLESIA os desafios levantados pelos últimos avanços da genética e da bioética

Agência ECCLESIA – As preocupações éticas são um obstáculo para o progresso científico? Walter Osswald – Eu penso que elas não são um travão, mas um estímulo para esse mesmo progresso. Quando se fala de preocupações éticas não se fala de preconceitos éticos ou de pressões que nada têm a ver com a ética: o que na realidade acontece é a tentativa de avaliar as coisas à luz daquilo que é bom para a dignidade humana. A ciência não é amoral, não encontra a sua justificação unicamente no avanço do conhecimento, mas no avanço do conhecimento que ajude a humanidade. Quando ela for nesse sentido, é evidente que a ética não será nenhum travão. A ética só fará travão à ciência má, como por exemplo a que se destine a estudar venenos mais activos ou que se dedique à sua difusão, estudando maneiras de os utilizar em processos de guerra. Eu diria que é exactamente a ética que faz com que não haja estes avanços. AE – Há, contudo, muita discordância no que diz respeito a definir o que é a boa ou a má ciência? WO – Isso é normal num debate que se quer vivo, respeitoso e verdadeiro numa sociedade democrática. Não há mal nenhum que haja muita gente que discorde, o que é preciso é encontrar argumentos para demonstrar a inanidade de algumas posições. Por exemplo, quando na Inglaterra se autorizou a produção de embriões para os utilizar como objectos de investigação, e sublinho como objectos, isso naturalmente criou uma censura de muitos outros países. A verdade, porém, é que foram muito poucos os casos em que realmente se recorreu a essa licença – porque uma coisa é a lei, outra é a regulação e a autorização para a produção dos embriões. Aquilo que se avançou e se publicou é praticamente nada, pelo que é possível dizer que esta foi uma medida reclamada por razões de natureza política e ideológica, não por razões científicas. O pouco que foi feito não conduziu a lado nenhum: sacrificou-se um princípio sem que a experiência tivesse vindo coroar de êxito esse sacrifício. AE – No ano de 2004 apareceu em Portugal o parecer do CNECV sobre a “Procriação Medicamente Assistida” que foi muito criticado e acusado de ser tributário da visão Católica. Concorda? WO – Antes de mais, é preciso perceber que o parecer do CNECV vem de um órgão independente que não está ligado a nenhuma confissão religiosa ou a uma organização governativa, pelo que me parece despropositado fazer essas críticas. Em relação às conclusões e recomendações, o parecer é equilibrado, entre as várias correntes. Ele não alinha por nenhum dos pontos mais extremos, fica num meio que não será sempre virtuoso, mas que se pode considerar racional e razoável. As derrogações existentes no texto permitem, contudo, temer que a excepção se torne a regra. Essas excepções são contrárias ao corpo do texto, abrindo uma porta que pode pôr em causa o sentido muito positivo da afirmação que as precedem. AE – A investigação em células estaminais embrionárias, a clonagem, a criação de embriões para fins de investigação científica têm ou não potencialidades que estão a ser travadas por questões éticas? WO – O mal é que as coisas não sejam explicadas em pormenor e as pessoas sejam chamadas a tomar atitudes e decisões sem estarem informadas. Veja-se, por exemplo, a questão da clonagem reprodutiva ou terapêutica: dá a ideia de que se está a falar de duas coisas diferentes e que se pode dizer “não” a isto e “sim” àquilo. Na realidade, a clonagem é sempre clonagem e não há nenhumas diferenças na metodologia, quer os fins sejam reprodutivos, quer tenham o objectivo de fazer investigação. O juízo ético deverá ser sobre a clonagem em si e não sobre os objectivos, porque os fins não certificam os meios. A opinião pública foi enganada, porque já há interesses comerciais muito grandes que andam à volta disto e que vieram lançar a ideia de que a dita clonagem terapêutica iria gerar a cura da doença de Parkinson, Alzheimer e por aí fora. AE – Não será possível chegar a essas curas? WO - Criaram-se expectativas nesse sentido, o que é deplorável, que são desmentidas constantemente. Mesmo os mais extremos defensores apontam para 2015/2020 e andam-se a enganar as pessoas com histórias de clonagem terapêutica que eventualmente curarão - o eventualmente diz-se sempre em letra muito pequenina – uma série de doenças impressionantes da humanidade. É evidente que eu percebo que as pessoas digam: ‘não será muito correcto clonar embriões, mas do outro lado estão coisas tão boas...’. Isto tem sido o que eu chamo de “hiperbolização das células estaminais”, porque na realidade o que se pode dizer, do ponto de vista científico, é que as descobertas são muito interessantes e é preciso apurar potencialidades das células estaminais adultas. Nada está provado. AE – Nada confirma a necessidade de recorrer a estes métodos? WO – Do ponto de vista ético, posso dizer que não vejo qualquer necessidade de recorrer à clonagem. É absurdo estarmos empenhados em dizer que precisamos de permitir a experimentação em células estaminais, porque muitas delas estão patenteadas por empresas farmacêuticas e de biotecnologia que querem fazer negócio. Cientificamente não se justifica e eticamente seria muito incorrecto proceder à clonagem de seres vivos capazes de desenvolver e reproduzir uma pessoa da espécie humana. Mesmo no caso dos embriões exce-dentários, para fazer linhas de células estaminais, se estas tiverem a capacidade de se “imortalizar” em cultura, como se diz, os que existem se calhar já chegam...


Clonagem