Entrevistas

Paz na Terra

Paulo Rocha
...

A iniciativa foi anunciada no dia da tomada de posse da actual Comissão Nacional Justiça e Paz: promover o encontro "por uma cultura da Justiça e da Paz" para celebrar os 40 anos da Encíclica "Pacem in Terris" O Presidente da CNJP enquadra este encontro.

Agência Ecclesia - A Pacem in Terris é um bom programa para este mandato da Comissão Nacional Justiça e Paz? Armando Sales Luís - É indiscutivelmente uma excelente matriz programática para o nosso mandato. AE - 40 anos depois que actualidade adquire a Pacem in Terris? ASL - Foi para todos nós, na Comissão, interpretada como significativa a convergência de três factos, no momento em que fomos nomeados: a eminência próxima duma guerra, em atmosfera que reproduzia de forma talvez ampliada o clima de pavor vivido quarenta anos atrás, quando dois blocos mundiais, aparentemente equipotentes em armas de destruição total, se arreganhavam em ameaças de imediato confronto; o facto de João Paulo II ter escolhido para tema do dia da Paz, deste ano, a evocação da Pacem in Terris, quarenta anos antes proclamada, para prescrever como caminho para a paz hoje, exactamente o que nela era referido como solução, e através dela definir o que eram guerras ilegítimas e defesas legítimas; o sentirmos que, afinal, o comportamento, hoje, dos homens, dos poderes, das sociedades, dos países e seus governos, dos mundos em que se divide o mundo, está cada vez mais afastado de tudo aquilo que pode constituir a verdadeira Paz. AE - Como é possível, hoje, cumprir a proposta da Pacem in Terris: “as relações mútuas entre os Estados devem basear-se na verdadeâ€(nº86)â€, “reger-se pelas normas da justiçaâ€(nº91), “desenvolver em uma solidariedade dinâmica através de mil formas de colaboração†(nº.98) e “reger-se pelo critério da liberdade†(nº120)? ASL - João Paulo II transmite-nos, na última mensagem do Ano Novo, a forma como as bases da Verdade, da Justiça, da Solidariedade e Amor e da Liberdade, constituem o suporte da Paz, através da percepção dos direitos próprios mas também dos deveres para com os outros, no respeito por acatar os direitos alheios e cumprir os deveres para com os demais, na necessidade de sentir como suas as necessidades dos outros e com eles partilhar o que se possui, tanto em valores materiais como culturais ou espirituais. Transmite-nos ainda a mensagem de que a liberdade de cada um implica responsabilidade e é condicionada pela liberdade do “outro†ou dos “outrosâ€. AE - Que fronteira legítima é possível erguer diante do relativismo crescente com que se olham os direitos e os deveres? ASL - É frequente referir que a cada direito corresponde um dever, e que os direitos de cada um são limitados pelos do próximo. O que se vem constatando é a hipertrofia da exigência individual dos direitos pessoais ou de grupo, e a omissão sistemática da consideração dos direitos alheios. A fronteira ideal é definida no Evangelho: “amar o próximo como a si mesmoâ€. Propomos que seja tendencialmente cultivada. AE - “É-nos igualmente doloroso constatar como em Estados económicamente mais desenvolvidos se fabricaram e ainda se fabricam gigantescos armamentos. Gastam-se nisso somas enormes, de recursos materiais e energias espirituais. Impõem-se sacrifícios nada leves aos cidadãos dos respectivos países, enquanto outras nações carecem da ajuda indispensável ao próprio desenvolvimento económico e social†(nº109). Qual o seu comentário, tendo em conta o contexto presente, a esta afirmação da Pacem in Terris? ASL - As observações de há 40 anos são verdadeiras ainda hoje, só que com uma amplificação tremenda, a acarretar consequências monstruosas. O fabrico de armas de destruição maciça porque matam o homem e a natureza, cada vez mais refinadas, sobem ao topo dos negócios, esgotam as capacidades de países onde a população morre de fome e das suas consequências. O desenvolvimento económico, social e educativo dos povos está em chocante desproporção com as enormes capacidades científica, tecnológica e cultural deste início de século. AE - Com que objectivo a CNJP promove o Encontro “Por uma Cultura de Justiça e de Pazâ€? ASL - Considerámos que a Paz, como a Justiça, serão o reflexo do que cada um progressivamente intui, numa atitude mental de pesquisa e adesão volitiva, tendente ao correcto entendimento fraternal com o próximo. Implica, necessariamente, caminhada, inquietação, apoio, estudo, descoberta, progressão. Implica pois Cultura. Vamos à Capital Nacional da Cultura, deste ano, em Portugal, vamos a Coimbra. Vamos, num encontro de Movimentos, Comunidades e Grupos de Cristãos, festejar os 40 anos da Pacem in Terris estudando a sua lição, e estabelecer os nós de uma rede de articulação de cristãos ao serviço da Paz e da Justiça.. AE - Que reflexos terá na sociedade? ASL - Inquietar. Acordar. Particularmente para as pessoas que pensam possível aliar a mensagem de Cristo com a Guerra ou as suas capas. AE - Que projectos da CNJP seguirão a realização deste Encontro? ASL - Continuar a articulação com os Parceiros, e estabelecer as formas de “ir ao encontro das mulheres e dos homens de boa vontadeâ€, para, com todos, realizar em Lisboa um Congresso em Novembro. Com todos, de qualquer credo ou religião, ou agnósticos, de qualquer movimento político ou associativo, que queiram fazer a Cultura da Paz. A lembrar a Doutrina Social da Igreja.


CNJP