Entrevistas

Pioneiros do «70x7» abrem o baú das recordações

Agência Ecclesia
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O Pe. António Rego e Manuel Vilas-Boas. realizadores dos primeiros 10 anos do 70x7, foram as primeiras caras de um programa que hoje cumpre 25 anos de vida

Programa ECCLESIA – Tudo começou a 21 de Outubro de 1979, no Dia Mundial das Missões, às 12:30 horas. Foram dias de apuro? Pe. António Rego - Sim, forma momentos de muita aflição, de muita desilusão, mas de muito entusiasmo, porque quando a gente sonha, pensa em muitas coisas, mas no terreno tudo se altera. Isso aconteceu e para quem estava a começar, com a expectativa de um programa, criou um estado de altíssima tensão. Manuel Vilas-Boas- Recordo-me da surpresa de ter entrado às 9 da noite em estúdio, para fazer a montagem, e de sair às 9 da manhã. Foram 12 horas, com uma moviola na frente, com o Nélson – que era o montador – à procura do sincronismo, nós em busca das imagens. Foi uma corrida contra o tempo: o programa tinha de ser gravado, para ser enviado para a Madeira e os Açores, os prazos tinham de ser cumpridos. Foi um parto difícil. E – O facto de ser um programa muito diferente causou alguma apreensão? AR - Isso causou muita luta, mas também muita alegria. Ainda hoje, a história do programa é de tensão e atenção, de qualidade e rigor, para não deixar que a rotina entre. Tudo se faz com um misto de inquietação e cansaço, com entusiasmo, porque a nossa proposta era evangelizadora, levando a Igreja que nós somos ao rosto das pessoas, observando as coisas interessantes que fazem e discutem os cristãos. MVB- Foi tudo muito apaixonante, até porque havia já algum caminho andado pelo Pe. António Rego, nos Açores, e uma experiência de rádio e televisão, com um carisma raro para a comunicação. E – Como é que se chegou ao nome 70x7? MVB - Eu já não me lembro com exactidão, mas sei que um dia o Pe. Rego trouxe esta conta matemática e eu disse “Fantástico, está encontrado!”. AR- Penso que foi tudo decidido de repente. Tivemos conversas com muitas pessoas, os nomes eram atirados, fizemos experiências e de repente ficou o 70x7 e nunca mais houve dúvidas. O nome tem algo de enigma, algo de simbólico, de bíblico. MVB- Eu lembro que saí para a rua, para perguntar às pessoas o que achavam de um programa chamado 70x7. As respostas foram das mais variadas, mas nunca nenhum dos entrevistados foi capaz de fazer a referência ao número bíblico que significava o perdão. E – A linguagem simbólica é quase uma fórmula mágica do programa. Donde vem essa escola? MVB - Era uma escola que vinha de Lyon. Foi a descoberta que Portugal teve nos anos 70/80 do Pe. Pierre Babin, que abriu uma escola internacional de evangelização. Dessa escola do simbólico bem elaborado, bem procurado, bem criado por um grande pedagogo, se haveria de marcar um sinal positivo quando avançámos por uma linha que não é fácil, mas que é profundamente criativa e nos levou mais longe, mesmo dentro da arte da imagem. E – Chegavam, por isso, a outros públicos que não os católicos? AR - Sim, claramente. Hoje proclamar e informar não é dizer como num sistema, numa aula, onde nos dirigimos à razão e se fazem sequências lógicas. O homem é um todo e é emoção. Isso traduzido em Televisão tem uma gramática nova, que é a da imagem, do ritmo, do som, não só da palavra. A nossa tentativa era dizer quase os impossíveis, apresentar a própria doutrina sistemática nesta linguagem televisiva. Foi nesse aspecto que o grupo de Pesquisa Audiovisual fez dezenas de encontros por este país, tentando que se percebesse esta nova maneira de comunicar. Alegro-me por isso ter passado às novas gerações: não é só dizer abstractamente que o simbólico voltou, é a gramática do todo que recebe, da pessoa que recebe a comunicação, que está a ser reelaborada de uma forma muito interessante. MVB- Essa foi a novidade do programa. O 70x7 foi ganhar gente que não estava habituada a ouvir “púlpitos”, de outras ideologias ou sensibilidades religiosas. Elas começaram a escutar, a estar sentados diante do ecrã, porque cada Domingo haveria alguma novidade, com a linguagem da Televisão. AR- Há um aspecto que gostaria de destacar, que é o facto de se tocar o real, o que as pessoas experimentavam: percorremos as barracas de Lisboa, estivemos no Intendente, fomos ter com os sem-abrigo, passámos por situações humanamente dolorosas, retratámos o mundo dos artistas, visitámos os Mosteiros do silêncio. Não se fazia espectáculo com a miséria, era antes extrair toda a densidade humana que tinha essa condição retratada. MVB- A preocupação era a de encher o ecrã com o entrevistado e esconder o entrevistador. Essa era a nossa filosofia. E – A pessoa humana é o ponto central deste programa? AR - Sempre, mas sempre interligada com a visão cristã da pessoa, porque nunca fomos um programa sindicalista nem de uma ONG nem assistencialista. Fomos acusados disso, mas nessa altura não havia a suficiente atenção para determinadas situações. MVB- Se nós íamos a esses lugares é porque entendíamos que era obrigação nossa ir aos lugares malditos, denunciar essas situações, sem a exploração que hoje tantas vez acontece em telejornais miseráveis que mais não fazem do que contar a história, a desgraça pela desgraça. E – Foi possível falar do Evangelho sem o enunciar directamente? AR - A ideia era um bocadinho essa, o Evangelho passar pelo rosto das pessoas, as causas que defendiam. Muitas vezes, contudo, o Evangelho passava expressamente pelo programa, que falava sobre a Bíblia, sobre a contemplação, sobre a oração, havia tempo para tudo. Não era uma espécie de truque para enxertar palavras, havia coordenação entre o que se fazia e as exigências do Evangelho e da Igreja. MVB- Uma das melhores colheitas do 70x7 foi o inquietar, intranquilizar, mexer com gente que não era do nosso rebanho. E – De que forma foi tratado o programa pela crítica televisiva da altura? MVB - Havia alguns jornais que nos escutavam. Há um homem que já se foi embora, um notável crítico de televisão, o Mário Castrim, que toda a gente conhece e que tinha um carinho especial pelo 70x7, ao qual várias vezes se referiu. Também houve uma ou outra crítica de sectores mais conservadores, que não gostavam do tipo de abordagem, mas isso é natural numa sociedade plural, a crescer. AR- Neste sentido, foi profundamente enriquecedor percorrer o país todo, indo mesmo até fora do país. Guardo muito carinhosamente essa experiência em sítios que nunca tinham visto uma câmara de televisão passar por lá. E – Que lugar deverá estar reservado na memória da RTP para este programa? AR - É evidente que estamos muito gratos à RTP, a todos os directores de programas que nos acarinharam muito, mesmo. Também tenho a certeza de que este nunca foi um programa indigno da Televisão ou da Igreja. MVB- É obrigatório que a RTP no seu canal Memória não esqueça estas memórias, que são do povo, que são de Portugal. Será um acto de justiça que a Memória da RTP não apague este programa por ser confessional.


Programa 70x7