Religiosidade em Portugal LuÃs Filipe Santos 03 de Junho de 2003, às 16:04 ... Mário Lages é sociólogo e explica, em entrevista à Agência Ecclesia, a centralidade do fenómeno religioso na sociedade portuguesa Agência ECCLESIA – Qual o impacto da religiosidade popular na sociedade portuguesa? Mário Lages – É uma questão muito ampla porque está relacionada com a permanência de aspectos culturais tradicionais, que sobrevivem, numa luta com outros muito mais modernos. Mas, como o povo português tem uma longa ligação à tradição, sobretudo os meios mais populares e aldeãos, nós temos a permanência e a sobrevivência de aspectos da religiosidade popular. Alguns têm vindo até a exprimir-se de uma forma muito particular nos últimos tempos, designadamente as peregrinações a Fátima, que neste último ano tiveram uma expressão muito visÃvel. AE – Como é a convivência entre a Teologia e as Festas Populares? ML – Convivem mal. Convivem relativamente mal. Pelo menos durante algum tempo conviveram mal. Neste momento, por orientações da Igreja, começou-se a dar importância à tradição e piedade popular. Desde os anos 60, tenta-se a conciliação entre o que durante muito tempo foi considerado antagónico. A Teologia tem um pensamento muito mais racional do que a religiosidade popular, optando pela via do simbólico. Embora o essencial da religião cristã esteja no simbólico, a Teologia tentou racionalizar tudo o que é de expressividade religiosa. Por isso houve, durante certos perÃodos, alguma conflitualidade latente, mesmo na actuação por parte dos pastores. Ela está a ser ultrapassada, dando mesmo maior importância à quilo que releva da sensibilidade mais autêntica das pessoas mais simples, que não necessitam, muitas vezes, de racionalizar, mas precisam antes de as simbolizar... AE – O aspecto simbólico é, na religião popular, elemento fulcral? ML – Em toda a religião! A religião popular teve a virtude de ter guardado essa dimensão mais profunda da religião que vai, precisamente, através do simbólico. A religião só existe quando se considera o homem todo como sendo tomado pela ideia de Deus e pela vivência em Deus, transformando a vida humana na relação com a divindade, que nos toma e que nos possui. Isso ultrapassa, um pouco, a reflexão teológica, o que não significa que a reflexão teológica não faça um apelo à dimensão simbólica, que é fulcral na teologia. AE – A religião dos portugueses é mais popular ou racional? ML – Há de tudo! Sobretudo nas camadas menos instruÃdas, temos uma sensibilidade mais ligada ao tradicional e ao sÃmbolo. Por outro lado, os que tentam, para além desta vivência, que é profunda, acrescentar-lhe essa dimensão da racionalidade, que obviamente não é contraditória de tudo o mais. AE – Que valor atribuir, hoje, à s constantes peregrinação dos mais jovens a Santuários? ML – O apelo do mistério é sempre um apelo constante! A vida humana não se pode reduzir à s explicações de natureza cientÃfica, que não resolvem todas as questões da humanidade. Os jovens também estão sensÃveis a isso: há uma dádiva muito profunda por parte dos jovens e, quando se tenta dar radicalmente a vida, também se confrontam com o mistério nas suas diferentes dimensões e na sua totalidade AE – Porque é que grande parte das festas populares se realizam no Verão? ML – Há as do Verão e as do Inverno. As do verão são vividas de forma mais visÃvel, mais plena... As do Inverno têm caracterÃsticas um pouco diferentes. O Verão é um tempo de exaltação da natureza e, por isso, é natural que a expressividade religiosa se faça sobretudo no Verão. As pessoas não estão tanto em casa. Há uma alternância entre a vida doméstica e a vida fora de casa, que se encontra em muitas civilizações. No Gerês, concretamente, havia vivências diferentes no Inverno e no Verão: as pessoas mudavam de lugar (no Verão na serra, no Inverno em zonas mais abrigadas). Esta alternância - que começa na Primavera - é natural, existindo muito mais expressividade no Verão, onde se colocam as festas fundamentais. Por outro lado, e mais recentemente, a emigração condicionou que algumas das festas que eram menos importantes começassem a aparecer como manifestação de uma vivência onde o emigrante mostrava a sua mudança de estado social. AE – Os aspectos profanos não monopolizam, hoje, os religiosos? ML – Os dois aspectos sempre existiram. Hoje, porventura, a dimensão religiosa está mais colocada ao lado, mas é importante que continue: é necessário garantir o aspecto religioso na festividade, que é uma manifestação de júbilo da comunidade. A mistura entre o religioso e profano é um dado da vida. AE – Pela religião popular, podemos dividir o PaÃs entre Norte e Sul ou Litoral Interior? ML – Não o podemos afirmar. O que temos são vivências diferentes em função da modernidade das populações. Não faria uma distinção entre Norte e Sul: nós encontramos no Sul expressões da religiosidade popular tal e qual como no Norte. Agora, as populações são mais pequenas, não têm tanta comunicabilidade, entre outros factores, que nos ajudam a perceber de forma diferente a religiosidade do Norte da do Sul. Basta ver, por exemplo, o cântico popular: o minhoto e o alentejano são completamente diferentes, que exprimem vivências muito antigas. Quando ao interior e ao litoral, temos também que ter algum cuidado. É evidente que as populações mais recolhidas, com menos ligação com o exterior, têm uma vivência diferente. A região do litoral está mais modernizada, provocando uma compreensão mais racional. Mas, para além das expressividade, temos que analisar com profundidade, temos que descobrir a matriz fundamental do simbólico e da religiosidade. Aà encontramos muitas semelhanças. AE – A religião popular está em crescimento ou em vias de extinção? ML – Na cultura nós temos ciclos. Por vezes, certos movimentos parecem levar à destruição da religiosidade popular, depois ela retoma... Nós estamos num ciclo em que a religiosidade popular está a vir ao de cima. Estou convencido que, nos próximos tempos, a dimensão do simbólico vai ser mais agarrada por parte das populações. Numa situação em que tudo parecer ser igual e em que há tendências para uniformizar a cultura, há uma forte necessidade das comunidades se identificarem. E essa identificação faz-se, precisamente, através da revivescência das suas tradições. E como as tradições estão fundamentalmente ligada ao religioso, seja na concordância ou na oposição, é natural que tudo isso venha ao de cima. Religiosidade Popular Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...