Entrevistas

Sofrimentos da humanidade e da Igreja integram mensagem de Fátima

Agência Ecclesia
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O Reitor do Santuário de Fátima faz um balanço sobre a visita do Papa ao santuário mariano. Refere a oportunidade e o futuro da mensagem de Fátima, sem esconder o desejo de ver novamente Bento XVI em 2017.

Agência Ecclesia - Foram quatro dias para reforçar a caridade, a esperança e a missão?

Pe. Virgílio Antunes - Sem dúvida. São quatro dias que todos vamos recordar como quatro dos mais bonitos da historia dos últimos tempos. Em particular os católicos, mas acredito ser o sentimento de toda a sociedade.

Saímos todos reforçados nas convicções, no desejo de aproximação, no desejo de continuar a missão de Jesus, de reforçar a esperança e alegria de viver.

O Papa é sinal de tudo isso para crentes e não crentes, para todos os homens de boa vontade. Acorreram a ouvir o Papa as pessoas de todas as condições, até com ideologias diferentes porque vêem o Papa como um sinal importante para a sociedade, em especial nos dias de hoje, tendo em conta a grande crise de valores e falta de autenticidade.

O Papa mostra que é possível viver nos valores, na autenticidade, nos valores aos outros.

AE - Que discursos proferidos reteve?

PVA - Os discursos que fez em Fátima marcaram-me mais. Estava mais predisposto a ouvi-los.

O facto de o Papa se apresentar como peregrino tem um grande valor pois significou, por gestos e palavras, uma aproximação, de forma muito importante, a milhares de pessoas que estavam e aqui passam.

Criou uma grande sintonia com todos os peregrinos de Fátima

Os seus discursos foram variados. Concretamente aos sacerdotes e religiosos onde indicou o sentido da fidelidade e santidade, do amor a Cristo e acolher a mensagem Evangélica, mas também o discurso proferido no encontro com os agentes da pastoral social, onde deixou apelos fortes à sociedade e instituições da Igreja.

O Papa disse que a Igreja tem de estar aberta e atenta aos pobres, tem de estar atenta ao pensar e sentir da sociedade, sem excluir ninguém.

São mensagens fortes que servem para todos não só para a Igreja. Um apelo à verdade que o Papa tem feito, que é o seu lema. Num mundo de relativização de valores, onde não há valores e certezas, o Papa contraria essa ideia. Para isso, indica, basta estarmos abertos à verdade e, cada um a seu modo, for mensageiro e uma pessoa aberta à verdade.

AE - Havia alguma expectativa sobre a presença de Bento XVI no Santuário, tendo em conta a relação que João Paulo II tinha com Fátima. A sua apresentação como um filho na Capelinha das Aparições foi determinante?

PVA - Foi muito emocionante para a multidão e também para o Papa. A Capelinha das Aparições tem um significado especial. O Santuário cheio e a multidão que acompanha e reza com o Papa cria uma forte emoção interior.

Bento XVI veio como peregrino e como um filho à casa da mãe. Os momentos do Papa na Capelinha vão ser inesquecíveis, tal como os momentos de silêncio de João Paulo II.

Gostei muito de ver o Papa a rezar a primeira parte do rosário com os peregrinos. Alguns duvidavam que fosse um Papa mariano, devoto de Nossa Senhora, agora não há dúvida.

AE - Que lugar vai merecer a imagem do Papa a rezar de joelhos o rosário na Capelinha?

PVA - É uma imagem muito forte que vai ao encontro de algumas atitudes que decorrem do próprio acontecimento das aparições. Não adoramos Nossa Senhora, mas o anjo da paz na aparição convidou a adoração a Deus, a oração prostrados, ou, segundo a tradição Ocidental, de joelhos.

Este gesto vem confirmar a atitude de muitos cristãos que ajoelham, que adoram a Deus, e que fazem o caminho de joelhos dentro do próprio Santuário. Vem de alguma forma confirmar todas as peregrinações que se fazem a fé, com sacrifício.

É uma imagem muito forte, que fica na memória de todos.

AE - Essa imagem ajudou a mudar a concepção que os portugueses tinham de Bento XVI?

PVA - Penso que mudou muitíssimo a imagem que os portugueses tinham do Papa. Era uma imagem falseada. Todos criamos imagens dos outros. Por vezes a comunicação social e a sociedade criam imagens reais ou imagens deturpadas das pessoas, situações ou instituições.

O Papa foi um pouco vítima de tudo isso.

Aqui em Fátima, eu imaginei o que o Papa trazia no coração – muito sofrimento, os últimos tempos foram conturbados, muita dor, confiança grande em Deus e em Nossa Senhora.

A atitude do Papa que chega como peregrino e se põe de joelhos, manifesta essa confiança. É a atitude de um homem de fé e crente, que não desiste porque confia na força de Deus.

AE - No avião, durante a viagem para Portugal, o Papa falou sobre o sofrimento da Igreja. Já em Fátima focou a oportunidade e futuro da mensagem de Fátima. Existe uma relação entre o momento de sofrimento da Igreja e a mensagem de Fátima?

PVA - O Papa já chamou a mensagem de Fátima a mais profética dos últimos tempos. Ao mesmo tempo refere o sofrimento da Igreja e diz que a mensagem de Fátima não está completa.

Isto não significa que exista uma parte por revelar, mas sim que a profecia de Fátima tem de ser vista de forma aberta, não pode fechar-se na relação com um ou outro acontecimento da história.

Algumas pessoas pensaram que tinha ficado encerrado com o Papa João Paulo II, o bispo vestido de branco que contou com a protecção de Nossa Senhora na Praça de São Pedro, com a queda do Muro de Berlim, a mudança dos regimes totalitaristas do Leste da Europa, o sofrimento da Igreja no Séc. XX.

O que eu leio nas palavras do Papa é que tudo isso integra a profecia de Fátima e todos os sofrimentos, quer da humanidade como da Igreja, fazem parte do conteúdo da mensagem.

Todas a profecias, as bíblicas inclusivamente, vão nesse sentido. Podem referir-se a algum acontecimento em concreto, mas são uma chave de leitura para os acontecimentos da história.

Tudo indica que a profecia de Fátima seja uma profecia que nos ajuda a ler os acontecimentos da história e o seu sentido, que vai culminar com o triunfo do coração imaculado de Maria, que é apenas a alegria de Maria, a alegria de Deus pela salvação da humanidade.

AE - Bento XVI falou, por duas ocasiões, o centenário das Aparições, que se assinalam em 2017. Espera em Fátima este Papa ou o seu sucessor?

PVA - Esperamos sim. O Papa falou de facto no centenário das Aparições e conjugou o verbo na segunda pessoa do plural - «vós estareis aqui de novo em Fátima para o centenário das Aparições».

Isto significa que está tudo em aberto. Da parte do episcopado, do Bispo de Leiria – Fátima e também do Santuário não há dúvida que todos gostaríamos que o Papa estivesse pressente no centenário das Aparições.

AE - Foi motivo de conversa?

PVA - Falou-se, mas à mesa de forma informal. O Papa sabiamente, não adianta nem atrasa 

Nós gostaríamos e da parte do Papa existe essa abertura. Há que conjugar a oportunidade e as possibilidades. Está tudo em aberto.

Mas a programação para o centenário está já em marcha. A comissão organizadora já reuniu e definiu os temas doutrinais e teológicos relacionados com a mensagem de Fátima que vão orientar os próximos sete anos. Existe um esboço temático.

Desenvolvemos agora um esboço programático que, esperamos entre em acção no próximo Advento, no início do ano pastoral do Santuário de Fátima. Estamos a preparar alguns subsídios para ajudar as paróquias, as dioceses e os peregrinos, a viver estes sete anos inspirados na mensagem de Fátima.



Fátima Bento XVI - Portugal