Entrevista a D. Laurindo Guizzardi, presidente do Departamento da Pastoral dos Brasileiros no Exterior da CNBB
A globalização inverteu as tendências de mobilidade humana. Portugal continua emigrante mas abre-se à imigração. O Brasil descobre-se emigrante, com o êxodo da classe média baixa. Na 33ª Semana de Migrações, Portugal convida o Brasil a uma análise à luz das aprendizagens históricas; sob o tema ”O Diálogo Intercultural Fecunda uma Sociedade Integrada”.
D. Laurindo Guizzardi, presidente do Departamento da Pastoral dos Brasileiros no Exterior, na Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros e bispo de Foz do Iguaçu, conta como a União Europeia “amarra” um “relacionamento especial” entre irmãos e as “manifestações de intenções” aquando da visita do presidente Lula, continuam por cumprir.
Na luta pelos direitos e pela dignidade anuncia a necessidade de “superar preconceitos” nos países de origem e de acolhimento. Não há “intrusos”, nem “cidadãos mal agradecidos”.
OCPM - Como recebe o convite para presidir à Peregrinação Internacional do Migrante e Refugiado em Fátima?
D. Laurindo Guizzardi - Foi uma grata surpresa. Não obstante os inúmeros trabalhos que ocupam meu tempo, seja na Diocese, como na Conferência Episcopal, recebi o convite com alegria. É uma ótima oportunidade para estreitar o relacionamento do nosso Episcopado com o de Portugal, de pôr-me em contato com os emigrados brasileiros em terras portuguesas e de rever velhos amigos da Congregação dos Missionários de São Carlos.
OCPM - Quais as suas principais preocupações com a emigração brasileira, no mundo?
LG - Em primeiro lugar é o número crescente de brasileiros que tomam o rumo do exterior para conseguir uma vida melhor. Depois preocupo-me em descobrir as comunidades mais consistentes para concentrar nelas os esforços. Mas a preocupação mais importante é marcar uma presença da Igreja no Brasil entre os emigrados. Para isto, mantenho contatos constantes com o Episcopado Brasileiro e com as Dioceses onde o número de brasileiros se apresenta mais consistente no estrangeiro.
OCPM - Quais as maiores dificuldades encontradas pelos brasileiros, ao chegar a Portugal?
LG - São duas: a falta de documentação e a falta de trabalho. O migrante vive num círculo vicioso: não encontra trabalho porque não tem documentação regular e não consegue documentação porque carece de um trabalho estável.
OCPM - Como caracteriza a emigração brasileira, actual? Qual o perfil do emigrante brasileiro?
LG - A emigração do Brasil envolve pessoas da classe média baixa. Não é o povo simples que emigra; são pessoas que tem um certo grau de estudo e um emprego, mas não estão contentes com a remuneração que conseguem em seu país. O maior número de migrantes provém do estado de Minas Gerais. Mas hoje quase todos os estados tem sua quota de cidadãos que buscam vida mais fácil fora do país.
OCPM - Em 2002, findo o 1º Encontro Ibérico dos Brasileiros no Exterior afirmou que havia “algo de novo no oeste”. Que novidades há em 2005? O que mudou desde essa reflexão?
LG - O primeiro facto, que não é novidade, é o contínuo aumento de brasileiros que se dirigem para o exterior. Há, porém, uma certa maior consciência por parte do governo a respeito do fenômeno das migrações. Se de um lado ele se preocupa, de outro manifesta um certo agrado, pois os migrantes atraem divisas para o país. Por parte da Igreja há maior empenho no que concerne o atendimento religioso dos emigrados. No que diz respeito à Pastoral para os Brasileiros no Exterior, pode-se dizer que ganhou foros de cidadania dentro e fora do país, sendo reconhecida como órgão oficial da Conferência Episcopal.
OCPM - Que eco recebe da emigração brasileira em Portugal?
LG - Percebo que é difícil levar adiante aquele estatuto especial que considerava como brasileiros os portugueses residentes no Brasil e vice-versa. Mas há esforços para manter vigente aquele relacionamento especial que une os dois países.
OCPM - O que há a mudar para acolhermos melhor os brasileiros e os imigrantes, em geral?
LG - Antes de mais nada, é preciso superar certos preconceitos seja nos países de emigração, como nos países de imigração. Nos países de onde partem os emigrantes é fácil considerar a estes como cidadãos mal agradecido com a própria pátria. E nos países que recebem os migrantes é mais fácil ainda considerá-los como intrusos que vêm romper a harmonia da sociedade e roubar os lugares de trabalho aos filhos da terra. É bom lembrar que todos têm direito a viver com dignidade, dentro ou fora do próprio país, e que o imigrante não rouba o lugar de ninguém, porque assume as tarefas rejeitadas pelos filhos da terra.
OCPM - Como entende a eficácia do acordo de reciprocidade Portugal-Brasil, quando da visita de Lula?
LG - Creio que se trata de uma manifestação de intenções válida embora nem sempre viável na prática. Rezo a Deus para que confirme os bons propósitos de nossos governantes.
OCPM - E, na integração socio-ecónómica e religiosa – Que queixas e dificuldades sentem os imigrantes brasileiros?
LG - A semelhança de tradições e culturas favorece a integração. Mas o migrante é sempre um homem que vive entre a saudade e a esperança. De um lado conserva os laços culturais que carrega de sua terra, e do outro sonha em ser cidadão igual a todos os demais. Tenho a impressão de que, se uma queixa os brasileiros emigrados carregam consigo, é contra quem os encaminhou para a emigração por motivos de lucro, tornando-se comerciante de carne humana. Quanto à dificuldade, a maior é conseguir a documentação e um posto de trabalho.
OCPM - Porque falham as declarações de boa-vontade e as políticas imigratórias e, entre os estados?
LG - Creio que é o desejo, às vezes infundado, de proteger os próprios interesses e, no caso de Portugal, a amarras assumidas com os outros países da União Européia. Tendo entrado na União Européia o país não está mais livre de adotar uma legislação migratória autônoma.
OCPM - Qual o valor-acrescentado das migrações?
LG - As migrações tendem a abrir a mente e o coração da gente para ideais de fraternidade universal. Esta abertura pode fazer do emigrante um mensageiro de boas novas e também de evangelização.
OCPM - Como podem os migrantes e refugiados mudar o mundo?
LG - Levando os povos a superar suas barreias de culturas e de crenças, abrindo espaço para uma comunicação que, embora respeitosa diante das culturas e das crenças, elimine preconceitos e rivalidades, criando uma sociedade mais justa e fraterna.
OCPM - Como explica a contradição paradigmática da necessidade de mão obra mas as políticas migratórias serem resistentes?
LG - A necessidade de mão de obra nasce do facto que o nível de vida dos países que recebem os migrantes induz os cidadãos a desprezarem os trabalhos mais humildes. As políticas migratórias resistentes inspiram-se no desejo de impedir que a gente vinda de fora ocupe o lugar dos trabalhadores do país.
OCPM - Que recado deixa aos brasileiros em Portugal?
LG - A emigração é um direito, mas é também uma aventura. Uma vez que optaram por fazer a vida em Portugal, procurem não desanimar diante das dificuldades, procurem respeitar o país que os hospeda e tornar-se elementos úteis dentro da nova sociedade.
OCPM - Que mensagem deixa à embaixada/consulado brasileiro?
LG - Creio que a contribuição que a embaixada/consulado podem dar maior é garantir assistência aos emigrados, ajudá-los a conseguir a documentação e pleitear junto aos governos do Brasil e de Portugal medidas que os ajudem a conseguir uma vida digna na pátria que adoptaram.
OCPM - Que mensagem pretende deixar ao Alto Comissário para Imigração e Minorias Étnicas?
LG - A sociedade do futuro vai ser intercultural e composta de pessoas em movimento. Junto com a Igreja, os Governos e as Nações Unidas, o Alto Comissariado pode dar um grande contributo para a formação de uma sociedade solidária, aberta e comprometida com o bem de todas as pessoas.
OCPM - Que mensagem no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras?
LG - Que saiba aplicar a legislação deixando espaço ao coração ao lado do compromisso com a lei.
OCPM - Que lições tem Portugal a aprender com a experiência imigratória brasileira?
LG - Sendo Portugal até há pouco um país de emigração, que enviou grande contingente de
seus filhos para o Brasil, é de se desejar que saiba aplicar aos emigrantes brasileiros aquele cuidado que no passado desejava que o Brasil dispensasse aos seus filhos.
OCPM - E o que pode aprender o Brasil com a experiência emigrante portuguesa?
LG - O Brasil recebeu grande contributo da emigração portuguesa. Pode servir de exemplo a Portugal na acolhida, e afiançar que os brasileiros poderão retribuir, ao menos em parte, o bem que os emigrados portugueses lhe proporcionaram.
OCPM - Se estivesse nas suas mãos, qual a melhor notícia que podia dar aos brasileiros imigrados em Portugal?
LG - Daria a notícia que todos estão legalizados, que todos têm emprego e que o Brasil conseguiu eliminar sua pobreza e prevenir a necessidade de emigrar.
OCPM - Considera Portugal um país tolerante?
LG - Sim, considero Portugal um país tolerante. Entretanto sinto-o amarrado pelos compromissos que tem com a União Europeia, no que tange a imigração.
OCPM - As migrações são também fomentadas pela globalização. A globalização comporta uma forte tendência de uniformização, que significa o oposto à diversidade?
LG - A globalização tende efectivamente a nivelar tudo. Mas a diversidade há que ser respeitada, porque enriquece. O migrante não deve trair suas origens: deve manter sua cultura, com o compromisso, porém, de eliminar as arestas que poderiam dificultar-lhe a inserção no país que o acolhe. Sua diversidade deve servir para enriquecer a sociedade de seu novo país.
A mobilidade humana é milenar. Remete às origens do homem nómada e supera a tendência uniformizadora da recente globalização. O paradigma solve-se no respeito democrático entre culturas, coroado pela comunicação aberta, que descobre o precioso que há no Outro.
Migrantes e refugiados procuram o lucro e o bem estar, mas sobretudo a paz. A paz que estabiliza o mundo.
Cidália Calisto, OCPM