Transpor a mensagem bÃblica para o plano pastoral Voz Portucalense 22 de Abril de 2005, às 12:37 ... Entrevista a D. Anacleto Oliveira Anacleto Cordeiro Gonçalves Oliveira, 62 anos, sacerdote da Diocese de Leiria-Fátima (natural da freguesia de Cortes, nos arredores de Leiria), professor de Sagrada Escritura em várias escolas, incluindo o Seminário Diocesano, membro da administração do Santuário de Fátima, foi nomeado Bispo Auxiliar de Lisboa em 4 de Fevereiro de 2005, juntamente com D. Carlos Azevedo. A sua ordenação está marcada para o domingo, dia 24 de Abril, à s 16h30 no Santuário de Fátima, sendo ordenante o Bispo da Diocese, D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, juntamente com D. Albino Cleto, de Leiria e D. Manuel Pelino, de Santarém. Aqui apresentamos algumas das suas reflexões sobre temas da Igreja e do mundo actual. Servir e Igreja 1. Foi recentemente eleito Bispo Auxiliar de Lisboa, com o tÃtulo Aquae Flaviae. Claro que já sabia da nomeação. Mas a pergunta impõe-se: como recebeu a notÃcia, ou melhor, como se situa perante este "acontecimento", que sinais lê nele? A questão da nomeação só me foi posta quatro dias antes da sua publicação. Até então de nada sabia. E as pessoas que sabiam tiveram o cuidado, como era seu dever, de guardar, pelo menos em relação a mim, o "segredo pontifÃcio" exigido nestas circunstâncias. Fui portanto apanhado de surpresa. E, claro, a primeira reacção foi de perplexidade. Acabei por aceitar, levado pelo único objectivo com que, desde há muitos anos, tenho procurado orientar a minha vida: servir a Igreja. De resto, o medo que ainda sinto, consciente das minhas limitações, só me tem ajudado a procurar no Senhor a coragem e a luz que apenas Ele me pode dar para a missão a que me chama. Possa eu manter-me sempre nesse caminho. 2. O seu tÃtulo, ao contrário de outros, é de uma antiga diocese portuguesa. Que sentido tem esse dado? Não sei. Não fui eu que escolhi o tÃtulo. De qualquer modo, o meu caso está longe de ser o único. Basta ver, por exemplo, que três dos quatro bispos auxiliares de Lisboa são titulares de antigas dioceses portuguesas. Mas sem qualquer implicação prática, a não ser a nÃvel sentimental. Talvez, quem sabe, vá um dia até Chaves, para usufruir dos poderes terapêuticos das suas reconhecidas águas termais. 3. A sua formação especializada situa-se na área da Sagrada Escritura: como entende que esse facto pode ser produtivo para a missão episcopal? Espero que me seja muito útil, já que é da Sagrada Escritura, como Palavra de Deus, que vive a Igreja. E não apenas no campo do ensino; também a nÃvel celebrativo e de governo, isto é, em todas as actividades de um bispo, é fundamental o contributo da Palavra inspirada. Tenho por isso a intenção de continuar a dedicar algum do meu tempo ao estudo bÃblico. Talvez com a diferença de me ter de concentrar numa componente da exegese que habitualmente é deixada mais ao cuidado da teologia sistemática e prática: a de transpor a mensagem bÃblica do seu longÃnquo contexto original para os tempos de hoje. O que aliás já tenho procurado fazer sobretudo em acções de carácter mais especificamente pastoral. Uma diocese de grande dimensão 4. Vai exercer a missão de Auxiliar de Lisboa, Bispado certamente, mas também Patriarcado. Que expectativas lhe surgem perante este dado? Até ao momento nenhumas. Tanto quanto eu sei, Lisboa conta com quatro bispos auxiliares, não por ser Patriarcado, mas acima de tudo por causa das suas condições e dimensões territoriais e populacionais. 5. Que sectores eclesiais se lhe afiguram mais prementes e mais consentâneos com as suas próprias caracterÃsticas pessoais? Primeiro, estou ainda muito longe de conhecer a Igreja de Lisboa, para poder dizer quais os seus sectores mais prementes. Depois, serei um simples Bispo Auxiliar do Senhor Patriarca. Isto é, para já terei apenas que me inserir naquilo que já está certamente programado e em vias de realização. E se é verdade que me sinto mais à vontade em sectores que têm a ver com o ensino e a celebração da fé, terei sempre de estar disponÃvel e me preparar para tudo aquilo em que for necessário o meu contributo. Tenho pois muito a aprender, especialmente com os colegas no espiscopado e os sacerdotes, diáconos e leigos com quem irei trabalhar mais de perto. Uma disponibilidade que de resto desejo manter, por me parecer essencial em toda a pastoral. Tão simples como na medicina: não se pode passar uma receita ou ordenar um tratamento, sem antes se diagnosticar a doença. 6. Vai ser ordenado em Fátima. É um facto, mas também pode incluir alguns sentidos. Como interpreta esse "sinal do tempo"? Escolhi Fátima em primeiro lugar por motivos logÃsticos: dificilmente encontraria um espaço religioso tão propÃcio para uma celebração em que todos tenham lugar e possam participar cómoda e activamente como o recinto da Cova da Iria. Se o tempo não permitir, teremos a BasÃlica que continua a ser uma das igrejas maiores da diocese. A isto junta-se o facto de Fátima ser um dos lugares onde, desde há vários anos, tenho exercido mais actividades, nomeadamente de carácter pastoral. Finalmente, desde criança sinto-me preso a Fátima, como espaço particularmente adequado para o encontro com Deus: foi mesmo lá, nas peregrinações a que a minha mãe me levava, que fui sentindo em mim o chamamento para o sacerdócio. Outras razões não tenho. Uma acção para a Igreja em Portugal 7. Que problemas mais prementes e que perspectivas para a Igreja em Portugal? Na minha maneira de ver, a Igreja em Portugal está a passar por uma fase bastante complexa no já secular processo de secularização que se tem feito sentir sobretudo nos paÃses da Europa. Por um lado é notória a sua presença na sociedade ao nÃvel de instituições e estruturas sociais e culturais. Nesse campo, pode dizer-se que vivemos num paÃs cristão, nalguns lugares mesmo muito próximo do regime de cristandade. Por outro lado, e agora a nÃvel pessoal, é inegável o decréscimo acentuado da prática religiosa: não apenas na observância do preceito dominical, que continuo a considerar fundamental na vida de um cristão, mas também e consequentemente nas ideias e hábitos de vida. Nesse campo, ninguém diria que vivemos num paÃs com mais de 80% de católicos. Que fazer? Penso que, entre outras coisas, se tem de apostar muito na qualidade: na formação, a todos os nÃveis, de cristãos que sejam verdadeiros evangelizadores, sobretudo pela prática de vida. O que aliás, me parece, já está a ser feito, e com resultados positivos. João Paulo II: contributo para a unidade e a paz 8. João Paulo II está muito ligado ao Santuário de Fátima, e neste momento encontra-se numa fase difÃcil da sua vida. Como vê a acção do Papa ao longo dos 26 anos de pontificado e que novos horizontes se podem abrir à Igreja na sequência do seu ministério? Só no futuro nos poderemos aperceber da verdadeira dimensão do pontificado de João Paulo II. Como de resto sempre aconteceu com as grandes figuras da história: personalidades que, pelo que fizeram e deixaram, continuaram a agir muito para além do tempo da sua existência terrena. Para nós, o caso mais extremo é o de Jesus Cristo. Isto, é claro, não nos impede de pelo menos tentarmos avaliar a acção deste Papa. Muitos dos seus efeitos estão à vista: ao nÃvel interno, por exemplo, o que tem feito, até através da sua doença, pela conservação da identidade e unidade da Igreja; no campo externo, o seu corajoso e persistente contributo para a paz e o diálogo entre confissões cristãs, religiões e culturas. São, a meu ver, caminhos irreversÃveis para a Igreja. 9. Como interpreta a viragem polÃtica que se verificou nas últimas eleições em Portugal? Que novas linhas de acção aconselharia aos governantes? A viragem, pelas razões de todos conhecidas, era de esperar. É aliás normal em qualquer democracia. Como não sou polÃtico, em vez de linhas de acção, prefiro falar de princÃpios pelos quais se deve orientar toda a governação. Para já ocorrem-me dois: verdade e competência. Que haja pelo menos um esforço nesse sentido. 10. Uma mensagem para a Igreja em Portugal... Que, tanto no seu conjunto como a nÃvel de cada um dos seus membros, tenha consciência da sua missão sacerdotal e a procure realizar. Isto é, que viva, não de si nem para si, mas de Deus e para os outros. O que exige o espÃrito e a prática de um serviço generoso e total... a exemplo e com a graça de Jesus Cristo. Diocese de Lisboa Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...