Entrevistas

Um Deus que fala aos homens

Paulo Rocha
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40º aniversário da «Dei Verbum»

No dia 18 de Novembro de 1965, o Concílio Vaticano II aprovava a Constituição Dogmática "Dei Verbum", sobre a Revelação Divina. 40 anos depois, o Pe. Nuno Brás, professor de Teologia na UCP, explica ao programa ECCLESIA as implicações e as consequências deste documento central ECCLESIA – De que trata esta Constituição Dogmática? Pe. Nuno Brás – A “Dei Verbum†(DV) trata da Palavra de Deus, que é Cristo. Não é um documento exclusivamente sobre a Sagrada Escritura, mas essencialmente sobre a maneira como Deus vem ao encontro do homem e lhe fala. E – Deus revela-se por um conjunto de doutrinas? NB - Deus revela-se ao homem não apenas transmitindo informação acerca de si próprio, mas vivendo com os homens, fazendo história com eles. A DV apresenta a Revelação de Deus como a História da Salvação, desde a criação ao fim dos tempos, centrada em Jesus Cristo. E – Pode-se dizer que este é um dos documentos mais importantes do Concílio? NB - A DV é muitas vezes esquecida, em comparação com a “Gaudium et Spesâ€, da “Lumen Gentiumâ€. Em 1963, o Concílio Vaticano II assumiu um plano, que era a Igreja – o que diz acerca de si própria e ao mundo. A Constituição DV é basilar para estas duas outras Constituições: a Igreja, para ter consciência do que é, precisa de saber o que Jesus Cristo diz que ela é, precisa de saber o que Deus quer dela e isso é a Revelação E – Que novidades trouxe esta Constituição? NB - Em primeiro lugar, a novidade de proclamar Jesus Cristo como Palavra de Deus e centrar tudo nele. Havia uma tendência na teologia de então, que era a das “duas fontesâ€, a qual esteve na redacção do próprio documento. Dizia-se que sabíamos coisas de Deus através de duas fontes: uma era a Sagrada Escritura e a outra era a Sagrada Tradição. O Concílio vem dizer que nós sabemos quem Deus é através de uma única fonte, que é Jesus Cristo. Esta é uma realidade revolucionária, porque se diz que Jesus Cristo é não apenas o revelador, mas também a própria Revelação. Aquilo que Deus tem para dizer ao mundo não são ideias, um conjunto de doutrinas – ou pelo menos não é só isso -, mas aquilo que Deus tem para dizer ao mundo é Jesus Cristo. E – Essa afirmação levaria a relativizar a Tradição? NB - Não, pelo contrário. Percebemos que a Sagrada Escritura se refere essencialmente a Jesus Cristo, que tudo na Bíblia a ele diz respeito; por outro lado, a Tradição, entendida como realidade teológica, mais não é do que a presença, ao longo da história do próprio Jesus Cristo. E – Qual é o lugar do Magistério perante esse núcleo central da Revelação? NB - Essa é outra das novidades do Concílio: a Igreja está numa posição de quem escuta a Palavra de Deus. A primeira coisa que o Magistério faz é, também ele, pôr-se à escuta da Palavra. O Magistério não está acima da Palavra de Deus, está para o seu serviço. Esta realidade de Jesus Cristo estar presente em todos os momentos da história, também a futura, pode conduzir a visões subjectivistas: não sendo uma realidade de carne e osso, facilmente podemos dizer que Jesus Cristo é aquilo que eu acho que ele é. O Magistério existe para impedir isso, garantindo que o Jesus em quem nós acreditamos hoje é verdadeiramente Jesus Cristo tal como viveu há dois mil anos. E – Esta primazia dada à Palavra de Deus tem um alcance ecuménico? NB - O documento teve, desde logo, uma preocupação essencialmente ecuménica. O mundo católico de há 40 anos era um mundo que dava relativamente pouca importância à Sagrada Escritura, ao contrário do mundo protestante, que sempre esteve muito centrado na própria Bíblia. Neste sentido, a DV veio recordar ao mundo católica a centralidade da Bíblia na vida da Igreja: na reflexão teológica, na vida pastoral, na pregação e na vida espiritual. Muitas vezes temos a tentação de achar que a Escritura é para os peritos e não tem nada a ver com a oração quotidiana. E – Deste documento fica uma sugestão para que todos leiam a Bíblia? NB - Claramente. O último capítulo, que fala da importância da Sagrada Escritura na vida da Igreja, faz-nos perceber que a Escritura não é para se colocar na prateleira porque, como Palavra de Deus, não é um livro que nos fale do passado, mas é um livro que nos fala do presente.


Sagrada Escritura