Entrevistas

Um muçulmano no CD do Papa

Octávio Carmo
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O final do mês de Novembro foi a altura escolhida para o lançamento mundial do álbum «Alma Mater. Music from the Vatican»

O final do mês de Novembro foi a altura escolhida para o lançamento mundial do álbum “Alma Mater. Music from the Vatican”. As palavras recitadas e cantadas por Bento XVI estão na base da obra que mistura a tradição gregoriana e a música clássica contemporânea, com apontamentos do mundo árabe e hindu.

Oito peças inéditas de três compositores combinam-se com as orações e reflexões sobre a Virgem Maria que o Papa apresentou no Vaticano e nas suas peregrinações por todo o mundo, em particular pelos diversos santuários marianos.

O resultado final é uma fusão surpreendente, em que até a voz do Papa surge com uma doçura a que mesmo os seus ouvintes mais fiéis não estão habituados. Somos quase sempre remetidos para um mundo cinematográfico, mais do que estritamente religioso, procurando provocar emoções e surpreender.

Neste conjunto, destaca-se a notável combinação entre a tradição musical católica e a música tradicional árabe, feita por Nour Eddine. Este compositor marroquino, muçulmano, admite que nunca tinha tido nenhum contacto prévio com o universo musical do Gregoriano e diz mesmo que, quando lhe foi dirigido o convite para participar no projecto, pensou tratar-se de uma partida para os famosos “apanhados” da TV.

Agência ECCLESIA – A primeira reacção perante a sua composição é de surpresa. Como é que nasceu esta música?

Nour Eddine – Esta história começou há 4/5 meses, quando o produtor, Vincent Messina, me convidou. Ele sabia muito bem que eu venho da música tradicional, já em 2002 tínhamos feito um trabalho em conjunto, mas nunca tinha tido uma aproximação à música clássica ou ao canto gregoriano, pelo que pensava que ele estava a brincar comigo.

O convite para trabalhar uma composição foi acompanhada com uma gravação de canto gregoriano. Quando a ouvi, senti-me muito, muito longe da aproximação que deveria ter face a este tipo de música.

Durante duas, três horas de trabalho, fiz-me rodear de todos os meus instrumentos tradicionais, peguei no alaúde, e comecei a improvisar, ouvindo o gregoriano. No princípio, não pensei em partituras, pensei no divino.

AE – Isso foi importante para si?

NE – Muito. Propuseram-se fazer uma música dedicada a Maria, pelo que decidi que iria deixar o coração falar, em vez do meu cérebro. Por essa razão, senti-me ajudado, também, pela minha fé para encontrar uma melodia que combinasse, verdadeiramente, com o gregoriano.

Além disso, há a História, que é muito importante, porque a música árabe-andaluz tinha, precisamente, a mistura da orquestra com o canto gregoriano e o canto sefardita. A fusão existiu nestes cantos de origem monoteísta e percebi que este era o caminho mais certo para a composição.

Dada a minha formação musical, tornei-me também aberto a todo o tipo de música e aos instrumentos do mundo. Foi assim que nasceu a obra «Advocata Nostra».

AE – Sente que o resultado final respeita a sua intuição?

NE – Sim, muito. No início estava algo reticente, tinha medo porque não tinha ouvido as peças dos outros compositores e pensava que, no interior do álbum, a minha seria algo de completamente diferente. A Royal Philarmonic Orchestra fez uma espécie de ponte para as outras composições, mas para além disso parece quase como se tivesse existido um truque mágico, porque no álbum não há grandes diferenças, é possível ouvi-lo tranquilamente, é homogéneo apesar das diferenças. É por isso que eu digo que a música é sempre música, quando é boa.

AE – Que papel pode desempenhar a música, como linguagem universal, nestes tempos de crise?

NE – Vejamos, neste álbum, por exemplo, há uma grande mensagem no facto de o Vaticano ter convidado um muçulmano a compor uma peça musical. É uma grande prova de abertura, de aproximação a um futuro baseado no diálogo.

É verdade que a música é algo que chega directamente, não toca o coração ou a mente, toca algo de mais profundo, convida à reflexão.

Neste caso, devo dizer que levo uma mensagem de diálogo e paz aos cristãos, mas também aos muçulmanos. Muitos deles acreditam que o mundo cristão é um mundo fechado e este álbum é uma prova concreta de que não é assim e é uma mensagem para que os muçulmanos se concentrem, também, num futuro de paz e de coexistência.



Bento XVI