Entrevistas

Vitalidade e solidariedade dos madeirenses na África do Sul

Jornal da Madeira
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Jornal da Madeira entrevista D. António Carrilho sobre a viagem pastoral às comunidades portuguesas

Jornal da Madeira: Esteve na África do Sul em visita aos emigrantes portugueses, muitos deles madeirenses. Como avalia esta sua experiência? D. António Carrilho: Foi a minha primeira visita à África do Sul e o primeiro contacto com os emigrantes portugueses, naquele país. Em termos globais posso dizer que foi uma experiência muito positiva para mim e creio que também para as diversas comunidades e instituições, que tive oportunidade de visitar. São disso testemunho o bom acolhimento, a participação de muita gente nos actos programados, a relação de proximidade conseguida, a abertura e o desejo de comunicar comigo, como bispo do Funchal, que muitos madeirenses desejavam conhecer pessoalmente. Alguns já me conheciam das suas vindas à Madeira, outros apenas por fotografia, nos jornais ou na televisão. A maior parte do meu tempo foi dedicado à comunidade de Benoni, que me convidou para presidir às comemorações dos 60 anos da igreja de Nossa Senhora de Fátima ao serviço da Comunidade Portuguesa. Uma vez que ali os madeirenses são cerca de 80 ou 90%, a festa foi mesmo madeirense, sem que por isso signifique menor acolhimento e abertura aos outros. Como já sabia e pude confirmar, o P. Carlos Gabriel com o seu Conselho Pastoral dinamiza e apoia diversos grupos, uns numa linha mais religiosa e apostólica, outros numa perspectiva mais administrativa e social. São grupos animados e comprometidos, que trabalham com gosto e entusiasmo, tornando a Comunidade muito viva e unida. Foi interessante a partilha que estes grupos fizeram comigo, das suas actividades e projectos. Foi alegre e festiva a participação da comunidade, em grande número de fiéis, na Eucaristia Solene e na Procissão em honra de Nossa Senhora de Fátima. Houve festa, testemunho de fé e comunhão eclesial, alegria e solidariedade, num convívio que me proporcionou o conhecimento e contacto com muita gente. JM: A igreja de Nossa Senhora de Fátima de Benoni ficou a dever-se à iniciativa e ao espírito missionário de madeirenses... DAC: É verdade. Deve-se, em especial, a D. Teodósio Clemente de Gouveia, Cardeal nascido na freguesia de S. Jorge, quando era Arcebispo da Diocese de Lourenço Marques, actual Maputo, e ao P. Carlos Camacho, também madeirense, que foi o grande obreiro da construção daquela igreja, benzida no dia 14 de Novembro de há 60 anos, estando presente a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima. A história da construção da igreja e do valioso complexo imobiliário, que a envolve, é uma história muito interessante e vale a pena conhecer. É, sem dúvida, um belo testemunho da acção missionária da Igreja madeirense, passando por Moçambique e apoiando, depois, a vida cristã dos emigrantes portugueses, que se encontravam, em grande número, na África do Sul. JM: Mas a sua presença não se limitou a Benoni. Manteve muitos outros contactos, num programa bastante denso. Com que ideia ficou dos nossos emigrantes e da sua presença na África do Sul? DAC: Além da Comunidade de Benoni, visitei outras comunidades portuguesas da Diocese de Joanesburgo: Springs e Germiston, com eucaristia dominical também assegurada pelo P. Carlos Gabriel; Mayfair, Comunidade de Santo António, confiada aos Sacerdotes Vicentinos, P. Lemos e P. Raúl; e Krugersdorp, com eucaristia em português assegurada pelo P. Lemos ou P. Carlos Gabriel, ao menos num Domingo por mês. Estive também na Comunidade de Santa Maria dos Portugueses, em Pretória, confiada ao Sacerdote Franciscano Frei Gilberto Teixeira. Em todas essas Comunidades presidi à eucaristia, cumprimentei os presentes e participei nos encontros que organizaram, para convívio e relação de maior proximidade. A actividade pastoral junto dos portugueses é apoiada, nalguns casos, por pequenas Comunidades Religiosas: em Benoni, quatro Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição asseguram a actividade do Lar de Nossa Senhora de Fátima, com 20 utentes, e que em breve será aumentado com uma nova ala; em Mayfair, a trabalhar com os Padres Vicentinos encontram-se quatro Irmãs Vitorianas, três delas madeirenses, que mantêm o serviço da Creche; e em Santa Maria de Pretória, também duas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras dedicam-se a um pequeno Lar de Idosos. Temos assim, nestes casos, uma presença de acção social da Igreja junto das famílias portuguesas, com a dimensão possível. Sem pertencer directamente à Igreja, mas animado por espírito cristão, existe o Lar Rainha Santa Isabel, da Associação Portuguesa de Beneficência, com cerca de 90 utentes. E a Associação tem novos projectos de apoio a idosos portugueses, de modo a colmatar as necessidades sentidas. Integração dos nossos emigrantes nas Comunidades Locais JM: Considerando que há gerações diferentes de emigrantes, como se pode caracterizar a sua integração na Sociedade e na Igreja sul-africana? DAC: É, sem dúvida, uma questão pertinente. Aquilo que se passa em termos de vivência religiosa reflecte bem o que acontece relativamente à integração na sociedade local. Neste momento, penso que existe uma consciência bastante generalizada do sentido de pertença quer à Diocese da área em que vivem quer ao próprio meio. Há portugueses ali que não falam inglês, mas uma grande parte dos emigrantes mais velhos já se relaciona bem nesta língua e os seus filhos e netos, em muitos casos, nem se exprimem bem a não ser em inglês: ali nasceram, ali cresceram, ali estudam e trabalham, ali convivem com os seus colegas e amigos sul-africanos. Acontece, também, que os emigrantes portugueses se dispersaram mais nos últimos tempos, mercê de várias circunstâncias de ordem social e laboral. É uma situação que conduz, naturalmente, à integração no respectivo meio. Há, assim, em termos de vida cristã e assistência religiosa, comunidades de portugueses assistidas por um sacerdote português e apoiadas em estruturas pastorais próprias; há igrejas sul-africanas com celebração da eucaristia dominical em português, todos os Domingos ou nalguns Domingos do mês; e há muitos portugueses a participar nas celebrações e na actividade pastoral das comunidades cristãs sul-africanas (catequistas, equipas de casais, associações, etc.) e até com responsabilidades na pastoral diocesana. É o caso, por exemplo, de um casal português que irá representar a Diocese de Joanesburgo, no VI Encontro Mundial das Famílias, no próximo mês de Janeiro, no México. Foi importante para os madeirenses com quem contactei encontrarem-se com o bispo da Diocese de origem, lembrando tradições e “matando saudades”, mas têm a consciência clara de que a Diocese actual deles é aquela em que residem. Sem esquecerem a Madeira, têm lá a força da sua participação e comunhão eclesial. JM: Perante as notícias que nos chegam da violência e do crime, que têm atingido os nossos emigrantes, interrogamo-nos sobre o modo como eles enfrentam a questão da falta de segurança e dos riscos que correm a toda a hora. Nota-se alguma angústia ou o desejo de regressar? DAC: A experiência de insegurança ali vivida e mais conhecida nos últimos anos não pode deixar de causar preocupação e, nalgumas circunstâncias, até uma certa angústia. Perante tal situação as reacções são diferentes: alguns emigrantes regressaram às terras de origem, outros foram para a Inglaterra ou para a Austrália, mas a grande maioria permanece, procurando, dentro do possível, lugares mais seguros e assumindo os riscos inerentes à realidade de vida local, com ânimo e coragem. É difícil deixar tudo quanto se construiu durante largos anos, como é difícil deixar os filhos e os netos ali radicados. Com alegria pude verificar a força da solidariedade que se manifesta nos momentos de maior sofrimento para a comunidade portuguesa. É esse espírito de solidariedade fraterna e o desejo de recordar a memória de quantos morreram, vítimas da violência e do crime, que está patente num recanto do grande salão da igreja de Benoni, onde se ergue um pequeno monumento com os nomes desses mortos e a imagem de Cristo Crucificado, Senhor da Vida. Neste contexto, a mensagem que procurei transmitir foi de profunda comunhão, encorajamento e esperança. Face à violência e ao crime, disse-lhes eu, o cristão deve continuar a ser uma pessoa de esperança, não se deixando arrastar pela onda do desânimo nem cruzando os braços diante da injustiça, mas enfrentando os problemas com a força que a Fé nos dá. E dirigi-me especialmente aos jovens, convidando-os a não se colocarem de fora das dificuldades e problemas, mas a empenharem-se de alma e coração, para que aquele grande país tenha um futuro melhor, mais justo e mais risonho. Todas estas questões relativas à vida dos portugueses emigrantes estiveram presentes, em reflexão e diálogo, no meu encontro com Carlos Marques, Cônsul Geral em Joanesburgo. Os problemas da vida e o maior bem das pessoas têm de merecer toda a atenção e preocupação de quem possa interessar-se e fazer alguma coisa por elas. Arcebispo de Joanesburgo, um amigo dos portugueses JM: Um dos pontos do programa, de grande significado e importância, terá sido, certamente, o encontro de D. António com o Arcebispo de Joanesburgo, D. Buti Tlhagale. Como vê ele a presença dos portugueses na Arquidiocese? DAC: Foi um encontro muito cordial e fraterno, que demorou cerca de uma hora. Importante para mim, na medida em que permitiu saber o que pensa o Sr. Arcebispo da presença dos portugueses, na sua Arquidiocese, e sobre o modo de lhes prestar assistência religiosa. Surpreendeu-me o conhecimento, o interesse e o apreço que ele manifestou pelos portugueses ali residentes e as perspectivas pastorais referentes à assistência religiosa que lhes é prestada, tanto nas comunidades de língua portuguesa, que considera importantes, como nas paróquias sul-africanas, em que muitos estão integrados. Na sua opinião, os portugueses são bem vistos nestas comunidades locais e constituem um grande apoio para elas, colaborando em diversas áreas e actividades pastorais. Até se mostrou consciente de que muitas destas comunidades paroquiais sobrevivem, hoje, graças à dinâmica e forte presença dos portugueses. Aprecia, também, a grande devoção mariana dos portugueses, especialmente a Nossa Senhora de Fátima, e o sentido da centralidade da Eucaristia nas nossas comunidades. Tendo em atenção as comunidades estrangeiras existentes na Arquidiocese, o Arcebispo esforça-se para que os padres as compreendam e respeitem, nas suas tradições e culturas. Relativamente aos futuros sacerdotes, todos deverão conhecer uma das três línguas mais faladas pelos emigrantes, entre as quais o português. Ele próprio está a aprender português, para poder dirigir algumas palavras na nossa língua, sobretudo nas celebrações dos Crismas e principais festividades. O Arcebispo é realmente um amigo dos portugueses, preocupa-se e conta com eles, madeirenses na sua maior parte. Até por isso, desde já lhe deixei o convite para vir à Madeira, se não for antes, ao menos em 2014, pelos 500 anos da criação da diocese do Funchal. Vera Luza


Diocese do Funchal