Cinema: A grande beleza
Jep, sessenta e cinco anos, escreveu um único livro na sua vida, ‘O Aparelho Humano’, que lhe granjeou o sucesso e reconhecimento de que vive até hoje. Premiado e com estatuto de figura pública, leva desde então uma vida financeiramente confortável, deambulando por uma certa burguesia que gravita à sua volta, perdendo-se e achando-se em discussões de alguma superficialidade intelectual em que participa com o seu ar quase sempre complacente.
Do seu terraço, com a distância que mantém como misantropo que se assume, lança um olhar sobre Roma. Um olhar que varre a cidade abarcando esplendor e superficialidade, artifício e significância. E enquanto é a cidade que a seus olhos nos desvenda, feita de identidades nem sempre harmoniosas, é também Jep que se busca e se nos revela no seu vazio… na procura de um sentido para a existência.
Aos sessenta e cinco anos, um ponto de chegada e uma promessa de partida com o seu quê de encanto e desencanto…
Paolo Sorrentino, realizador italiano oriundo de Nápoles, desde cedo na sua carreira mereceu a atenção particular da crítica, dos profissionais e dos jurados internacionalmente firmados no mundo do cinema. A comprová-lo, as cinco nomeações para a Palma de Ouro de Cannes desde 2004, as quatro nomeações ao Prémio de Cinema Europeu, finalmente arrecadado com ‘Grande Beleza’, ou o Prémio do Júri Ecuménico (em Cannes) em 2011, atribuído a ‘Este é o meu lugar’. Longe de ser consensual, o que se estende ao público, a opinião sobre os seus filmes reflete bem a forma peculiar como os cria e nos quais, goste-se ou não da forma e resultado, explora as potencialidades do cinema com a mesma amplitude e destemor, por vezes quase ‘desaforo’ com que o faz na observação do humano. O mais belo e o mais ‘feio’, o mais vazio e o mais significativo, expondo fragilidades que mesmo quando o aparentam não são gratuitas.
‘A Grande Beleza’ bebe da fonte de Fellini no seu estilo barroco e imersivo, no seu humor particular e no fascínio com que olha o hedonismo, numa sociedade sôfrega de eterna juventude. Cinematograficamente complexo, cuidado na escolha dos planos e laboriosamente montado, o filme é um estudo de personagem bem assumido pelo ator Toni Servillo, na pele de um homem estranho ao mundo que habita, insatisfeito consigo e com os outros, capaz de identificar o que lhe falta mas incapaz de encontrar o sentimento de pertença. A si e aos demais.
Margarida Ataíde
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