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Cinema: Blue jasmine

Margarida Ataíde
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Com o seu sentido de humor bem próprio, aliando sarcasmo e inteligência, Woody Allen há muito que nos habituou também a olhar de forma crítica, por vezes pouco caridosa, para uma sociedade nos alicerces da relação entre o real e o imaginado: os conceitos de felicidade que a sustentam ou destróem, o peso da aparência,  a legitimidade do sonho ou da ambição.

Desde ‘Match Point’, estendeu essa crítica social além fronteiras dos Estados Unidos, tocando, de forma nada condescendente e quase sempre no seu limite, características essenciais de modos de ser europeus, com incursões a Londres, Barcelona, Paris, Roma... Na maioria das vezes,

Estamos agora de regresso à América, e Jasmine, orfã, é uma mulher de origem simples que fabricou cuidadosamente o seu nome, a sua imagem e o seu elevado estatuto social com sucesso. Até ao dia em que o marido, um homem nada escrupuloso de negócios maioritariamente ilícitos, é preso por delitos financeiros vários.

Despojada de tudo o que tinha e psicologicamente debilitada, não resta a Jasmine senão partir para São Francisco e recorrer ao apoio da irmã, Ginger. A diferença entre ambas é abismal, com Ginger satisfeita com o modo simples como sempre encarou a vida e por momentos a relação entre ambas parece augurar uma benéfica influência mútua. No limite, é a opção de vida de cada uma que determina se esse vislumbre de transformação se torna ou não realidade...

Dois significativos retratos psicológicos de uma sociedade contemporânea real, não limitada ao contexto americano em que formalmente se inscreve, dolorosamente real no caso de Jasmine e magnificamente interpretado por Cate Blanchett, põem a crú diferentes modos e perspetivas de vida.

Mas sobretudo a condição humana no limite da sua força e debilidade. Com uma particular e inteligente interrogação sobre o grau de consciência com que é gerida a capacidade de escolha, implicando fatores genéticos, psicológicos, afetivos, culturais e sociais: a capacidade de resiliência, de superação da adversidade e  nestas a influência do amor/desamor precoce, o impacto no amor próprio, na relação com os outros e com as coisas; as opções pela vida real ou efabulada, com modos de fuga provavelmente mais imprescindíveis a quem é/está psicologicamente mais debilitado, ou espiritualmente menos capacitado; o modo como se perdem e agarram as oportunidades de transformação que surgem ao longo da vida, pelos próximos e pelas circunstâncias; ... entre tantos outros.

Um filme bem realizado, sólido e nada leve, com uma história do nosso tempo que mesmo ‘mascarada’ por um aparente simples caso de debilidade psicológica vs saúde mental, encarnado na oposição entre as duas irmãs,  nos dá algo de substancial a pensar sobre o livre arbítrio...

Margarida Ataíde