Cinema: E Viveram Felizes Para Sempre...?
Aos vinte e quatro anos de idade, Laura espera vir a encontrar o seu príncipe encantado. A inquietude dos seus sonhos premonitórios ameniza-se quando conhece Sandro, um jovem e bondoso músico cujo amor augura um futuro semelhante aos dos contos de fadas. No entanto, à medida que a relação progride e outras personagens entram nesta história as inquietações aumentam: será Maxime, sedutor empresário e ‘bon vivant’ , o anjo que Laura anteviu nos seus sonhos? Será o pai de Sandro capaz de iludir a data da morte que uma vidente lhe anunciou? Poderá a tia de Laura vencer os seus medos e levar a bom porto o ensaio da peça que tem em mãos? Serão Laura e Maxime verdadeiramente donos das suas vidas e destinos?...
Desde que ‘O Gosto dos Outros’ chegou a Portugal, em 2001, ficámos a conhecer a extraordinária capacidade simultaneamente realista e encantatória do cinema de Agnès Jaoui. Ali, através de uma história simples e comum, próxima de qualquer espetador, Jaoui confeccionava um belíssimo conto de amor, envolvendo um introvertido empresário e tocando numa das ‘feridas’ do nosso tempo: a solidão e o ceticismo.
Os seus filmes seguintes, ‘Olhem para Mim’ e ‘Deixa Chover’ tornam a pegar em temas tão comuns e marcantes do nosso tempo como o da importância da imagem e a sua relação com a identidade, no primeiro caso, ou de classe, de género e imigração no segundo.
Aqui, em ‘E Viveram Felizes para Sempre...?’ e a partir de mais uma parceria na escrita do argumento com o seu marido Jean-Pierre Bacri (ambos atores neste filme), Jaoui tece uma deliciosa trama entre o romântico, o dramático e o onírico para representar os tempos de inquietude e interrogação que vivemos. Fá-lo distribuindo por várias gerações as grandes interrogações que cabem às respetivas fases de vida e a cada personagem no desenho social que lhe compete: o papel do sonho e do desejo, a busca do amor; a fidelidade, a entrega ao outro, a gestão do acaso e do poder de escolha sobre o destino; a proximidade da morte e a reflexão de vida; o desejo de eternidade e a cedência ao efémero, entre outras...
Um filme ‘sui generis’ servido por um bom elenco que combina, entre consonâncias e dissonâncias, a narrativa tradicional dos contos de fadas com uma outra bem atual, dando-nos uma perspetiva curiosa da nossa própria humanidade.
Margarida Ataíde