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Cinema: O passado

Margarida Ataíde
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Ahmad, de origem iraniana, regressa a Paris após anos de ausência no Irão. À sua espera no aeroporto está Marie, sua mulher e motivo do seu regresso. De vida amorosa refeita, Marie requereu o divórcio.

Na casa que foi sua, onde ambos vivem os últimos dias de casados juntamente com as duas filhas da mulher, o novo namorado desta, Samir, e o seu filho, Ahmad e Marie confrontam-se com o tempo, a distância e as palavras nunca ditas que os separaram.

Entre um passado carregado de interrogações e um presente atribulado que urge definir, Ahmad tenta ajustar-se, redescobrindo o seu lugar naquela família que lhe é simultaneamente tão estranha e tão próxima…

Passam dois anos desde que crítica e cinéfilos foram surpreendidos por ‘Uma Separação’, o filme de Asghar Farhadi que arrebatou o júri do festival de Berlim, dali saindo com o Urso de Ouro e os prémios para melhor ator e atriz, e arrecadou o Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para melhor filme estrangeiro, entre muitos outros prémios e nomeações por vários pontos do mundo cinematográfico.

Ali, Farhadi mostrou uma capacidade invulgar para lidar com a verdade, ao mergulhar no sentido e significado profundos de uma cadeia de acontecimentos que, comumente possíveis, evidenciam fragilidades sociais, afetivas e éticas do nosso tempo.

Mais uma vez, em ‘O Passado’ a separação de um casal é a fenda através da qual transpomos a trivialidade e o anonimato das ruas de uma cidade, o desmazelo de uma vizinhança com que não temos grande afinidade, os estrangeiros que somos uns para os outros, os desconhecidos com que casualmente nos cruzamos, para atribuir nome, sentido e alma a um conjunto de personagens, agora pessoas, nos seus conflitos e desafios.

Ahmad que sofreu uma depressão calada a que escapou extemporaneamente deixando para trás a família. Marie que procura resposta à dureza dos dias no afeto de homens vários e nos filhos gerados, Samir que deambula entre a vida possível com Marie e a morte anunciada da mulher, em coma. E finalmente Lucie, a filha perdida numa adolescência povoada de medos e segredos.

Uma trama feita de uma memória acumulada de culpas e silêncios geradores de ruturas e de enganos que o divórcio, expondo por catarse verdades escondidas, vem resgatar, reunindo em vez de separar e abrindo espaço para a reconciliação.

Gerida com delicadeza, na progressiva intimidade dos espaços e das personagens, a narrativa fílmica de Asghar Farhadi faz-nos olhar por dentro e por fora o que há de único e comum nas relações, ao mesmo tempo que levanta questões pertinentes sobre a complexidade das famílias, do papel do homem e da mulher, das relações de trabalho e de imigração que não se reduzem nem ao contexto francês nem ao iraniano.

Prémio do júri ecuménico na última edição de Cannes, o filme foi elogiado como ilustração do versículo ‘…e a verdade vos libertará’ (Jo 8, 32).

Margarida Ataíde  



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