Homilia de D. António Vitalino na Peregrinação de Grupos e Ranchos de Folclore Português a Fátima
«Irmãos Peregrinos,
1. Vindos de perto e de longe, juntamo-nos aqui em Fátima, lugar que Nossa Senhora escolheu para recordar a um mundo dividido e em guerra aquilo que Jesus disse e fez na plenitude dos tempos, há dois mil anos, na cidade santa de Jerusalém. Foi por nós e nossa salvação que Ele se fez um de nós, viveu e entregou a vida, para que todos tenhamos a vida e em abundância. Por isso cantámos no Salmo responsorial: Mostrai-me, Senhor, o caminho da vida.
São os caminhos da vida que nós percorremos e buscamos desde que nascemos. Todos queremos a vida e uma vida feliz. Mas defrontamo-nos com muitos limites, obstáculos, sendo a morte o inimigo radical. Acabámos de fazer essa experiência com a morte do nosso Santo Padre, o Papa João Paulo II, que por várias vezes também foi peregrino deste santuário, precisamente para agradecer o milagre da sua vida ao serviço da Igreja e da humanidade.
Aqui reunidos, sentimos também nós, como os dois discípulos de Emaús, o nosso coração a aquecer e os nossos olhos a abrir-se, para confessarmos e aceitarmos que a morte foi vencida pela vida, o pecado e ódio pelo amor, a separação, a solidão e a divisão pela comunhão, pois Jesus ressuscitou, está vivo, e João Paulo II já está a participar dessa vida plena no coração e na eternidade de Deus
Todos nós sentimos aqui a presença de Jesus ressuscitado e o amor e intercessão de João Paulo II por esta Igreja e este mundo, a quem ele serviu com a dedicação total da sua vida.
2: Irmãos peregrinos, paira na nossa sociedade e no nosso mundo um certo sentimento de desilusão, de pessimismo, de fracasso com a tendência para a desagregação das pessoas e das instituições, a começar pela família e outras formas de associação. Muitos resignam e deixam de lutar pela vida ou então entregam-se a um estilo de vida de consumo desenfreado, tentando aproveitar egoisticamente todas as oportunidades, sem atenção aos seus semelhantes, contemporâneos e futuros. Como os discípulos de Emaús, muitos abandonam os seus grupos e afrouxam compromissos, afastam-se da família natural e da comunidade humana e cristã, deixam o local de encontro e de reunião e caminham por becos e veredas para subúrbios à beira do abismo. Todos constatamos o aumento de divórcios, de crianças abandonadas, de assembleias dominicais reduzidas, envelhecidas, sem juventude.
3: Irmãos peregrinos, temos necessidade de caminhar juntos, acolher no nosso caminho os nossos semelhantes, escutá-los e dialogar com eles sobre as razões dos nossos e dos seus desânimos, mas também da nossa esperança, convidá-los a entrar nas nossas casas, partilhar com eles as nossas vidas, para que o nosso coração aqueça, recobremos ânimo, descubramos o sentido da vida e trilhemos o caminho de retorno a Jerusalém, onde poderemos celebrar a festa da comunhão, na certeza de que o Senhor da vida lá está e chama por nós.
Isto aconteceu com os discípulos de Emaús há cerca de dois mil anos. Isto também pode acontecer connosco hoje, se escutarmos e meditarmos mais a Palavra das Escrituras, a sua proclamação e explicação na assembleia dos cristãos, sobretudo ao domingo, se formos capazes de confrontar os nossos caminhos, experiências e ideias com a luz da Palavra de Deus, dita e explicada na assembleia eclesial, se nos abrirmos aos irmãos e os convidarmos a ficar connosco, muito especialmente Aquele que quis ficar connosco até ao fim dos tempos e que está presente sempre que dois ou três se reúnem em seu nome, realmente presente na celebração da Missa. Por isso, conscientes da necessidade que temos d' Ele, exclamamos: Ficai connosco, Senhor.
4. Estão hoje entre nós numerosos grupos e ranchos folclóricos em peregrinação nacional a este santuário. A sua presença aviva entre nós a matriz cultural do nosso país, a muitos faz recordar momentos festivos e de grande coesão social da sua infância. Estão de parabéns os organizadores desta peregrinação, a Federação nacional dos grupos folclóricos, mas também todos os dirigentes e participantes nos grupos espalhados pelo país. É importante manter vivas as nossas tradições, pois elas fazem-nos compreender melhor aquilo que somos, a nossa cultura, a nossa identidade. Não queremos ser robots da moderna civilização técnica, mas pessoas com um passado comunitário e religioso, que o nosso folclore bem documenta. Muitas músicas, danças, trajes e costumes nasceram no dia a dia da vida do nosso povo, mas sobretudo nas festas religiosas, nas romarias e peregrinações que tanto marcam a nossa história. Somos um povo peregrino, solidário, que partilha as suas alegrias e tristezas e as confia aos santos padroeiros das nossas terras, mas as leva sobretudo aos grandes santuários da devoção popular. Quem canta o seu mal espanta, diz o nosso povo. Já o povo bíblico peregrinava para Jerusalém nas grandes festas, à volta das quais se compuseram e entoaram os mais belos hinos e salmos, acompanhados de danças e com instrumentos musicais. Depois da festa o ânimo pessoal e comunitário ficava mais forte e coeso, a luta pela vida ganhava em dinamismo, cor e esperança. Por isso, amados membros dos grupos folclóricos, continuai a manter vivas as nossas tradições, cantai e dançai, louvai a Deus com arte e com alma, alegrai as vossas e as nossas vidas.
5. Aqui estamos, irmãos peregrinos, neste local bendito, para reavivar a nossa comunhão com o Senhor e uns com os outros, para nos apoiarmos mutuamente nos caminhos da nossa vida, contando sempre com Jesus, que encontrou esta maneira maravilhosa de ficar connosco, na Eucaristia, contando também com a intercessão daquela que Ele nos deu como nossa mãe, precisamente quando na cruz entregava a sua vida por nós, e que aqui em Fátima mostrou verdadeiramente ser mãe atenta aos filhos em crise. Vai começar um Conclave dos Cardeais da Igreja para escolher um novo Papa. Invoquemos o Espírito Santo e Nossa Senhora, para que o legado de Jesus e dos Apóstolos continue a fermentar o nosso mundo, para a união e salvação de todo o género humano.
Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, Senhora de Fátima e de tantos outros títulos com que sois invocada pelo mundo fora, confiamos em Vós, rogai por nós, agora e na hora da nossa morte. Ámen».