Nacional

A renovação da arquitectura religiosa em Portugal

Octávio Carmo
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Cinema, garagem, praça de touro, construção protestante ou comunista são alguns dos “mimos” com que têm sido presenteadas ao longo das últimas décadas as novas igrejas de Portugal. As alterações no panorama da arquitectura do nosso país, mais notória a partir de meados dos anos 50 do século passado, chamam a atenção para os elementos da arte, política e teologia que moldavam o ambiente onde viveram todos aqueles que contribuíram para esta renovação. A utilização de materiais tradicionalmente considerados como menos nobres (o betão, o vidro) e o primado da funcionalidade nas edificações são apenas a face visível de um fenómeno de renovação que me Portugal deu os primeiros passos com o trabalho de Pardal Monteiro e a sua Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, edificada entre 1934 e 1938: primeira a desafiar os códigos tradicionais revivalistas, baseando-se nos projectos franceses do género, (onde se destaca a igreja de Notre Dame du Raincy, do Arq. Auguste Perret, 1922, utilizando o betão armado e simplificando as formas). Obras como esta e a sua homónima, no Porto (1935, a cargo do grupo A.R.S. – Cunha Leão, Fortunato Cabral e Morais Soares) e os seus opostos revivalistas e regionalmente estilizados de São João de Deus, Santo Condestável e São João de Brito, em Lisboa, lançam uma viva discussão e originam as tomadas de posição muito antagónicas, entre o conservadorismo e o desejo de renovação. É nesta configuração histórica que surge grupo de jovens arquitectos que rapidamente se transformaria numa associação de referência: o Movimento de Renovação da Arte Religiosa, base de uma pequena revolução na maneira de ver e viver a imagem da igreja no mundo português. No Outono de 1952, um pequeno grupo de arquitectos recém-diplomados e alguns estudantes da Escola de Belas Artes de Lisboa faziam as primeiras reuniões, reagindo contra a utilização de modelos tradicionalistas e ao estilo neomedievalista que vingava nas novas áreas urbanas de Lisboa e Porto. Numa atitude muito de acordo com o que viria a ser a vida e obra da Igreja em estado de Concílio, propõem uma arte religiosa de cariz eclesial e pastoral. Participaram neste movimento alguns dos mais destacados arquitectos e artistas plásticos em Portugal, como Nuno Teotónio Pereira, João de Almeida, Diogo Pimentel, Nuno Portas, Luís Cunha, Erich Corsepius, Madalena Cabral, Formosinho Sanchez, Manuel Costa Cabral, Eduardo Nery, Jorge Vieira, entre outros. O grupo de jovens arquitectos católicos começou a sua acção apoiado numa “Exposição de Arquitectura Religiosa Contemporânea”, em 1953, com o objectivo de mostrar o que se pode fazer “para pôr ao serviço do culto litúrgico uma arte digna dessa nobre função”. A exposição surgida numa galeria anexa à Igreja de São Nicolau, haveria de percorrer todo o país. O catálogo da exposição afirma claramente uma das ideias fundamentais do Movimento, aquela que, nos inícios, parece orientar toda a sua reflexão: “Arte Sacra é fenómeno comunitário em ordem ao culto”. É importante integrar a nova vaga de criação artística, dentro da Igreja, no amplo movimento de renovação litúrgica e pastoral que se iniciou no pós-guerra e culminou na realização do II Concílio do Vaticano. A compreensão plena do fenómeno da arte religiosa, sobretudo da vertente arquitectónica, depende de uma correcta aproximação aos dados do Concílio, em matéria de Eclesiologia, de Liturgia e de diálogo com a humanidade, com a nova atitude perante a sociedade moderna que daí resultou. As primeiras obras de referência destes tempos são a Igreja de Santo António, (Arq. João de Almeida e António Freitas Leal, Moscavide, 1953), onde é visível uma austera simplicidade como primeiro ensaio de funcionalismo litúrgico e das linhas modernas da arquitectura; a Igreja paroquial de Águas, (Arq. Nuno Teotónio Pereira, Diocese da Guarda, 1950-57), marco da modernização da arquitectura religiosa pela opção declarada de “aproximação ao contexto e às formas vernáculas” e a Capela do Picote, junto à barragem hidroeléctrica com o mesmo nome, (Arq. Manuel Nunes de Almeida, Trás-os-Montes, 1958). Aquilo que se pretendia de um edifício religioso, por esta altura, é que respondesse às necessidades do culto, organizando o espaço em torno do altar. Este espaço era comunitário e traduzia, de modo plástico, a Assembleia dos fiéis, reunida para celebrar. A igreja do Sagrado Coração de Jesus, (Arq. Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, Lisboa, 1961-70) constituiu-se posteriormente como uma referência para as gerações futuras, marcando definitivamente uma nova imagem no equipamento religioso, aberto e participado. Esta igreja era definida como “o lugar onde a Igreja se reúne para celebrar: escutar a Palavra, celebrar a Eucaristia, reconhecer a Assembleia que celebra o mistério pascal de Cristo como Povo de Deus”. A linguagem passou, então, da ideia de “igreja-templo” para a de “centro paroquial”, enquanto conjunto de espaços em redor da igreja, entendida como domus ecclesiae (casa da igreja).


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