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Água, o ouro líquido

Além-Mar
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Assegurar o acesso universal à água potável custaria menos do que os Europeus gastam todos os anos em gelados

Portugal vive em condições de seca extrema, uma experiência que nos remete para o quotidiano de um sexto da humanidade. Segundo a ONU, mais de mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável e cerca de 500 mil – crianças na maioria – morrem todos os anos de doenças causadas por água imprópria para consumo. De 14 a 16 deste mês, os líderes mundiais vão fazer o balanço dos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, aprovados há cinco anos. Em 2000, e até 2015, propuseram-se erradicar a pobreza extrema e a fome, alcançar o ensino primário universal, promover a igualdade entre os sexos e a autonomização da mulher, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/sida, a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e criar uma parceria global para o desenvolvimento. Uma das promessas é precisamente «reduzir para metade a percentagem da população sem acesso permanente a água potável». Um objectivo importante, não só por causa das doenças que a água inquinada causa, mas também porque a água doce é um bem cada vez mais escasso. Factores como a urbanização, desflorestação, desvio de cursos de água, agricultura industrial e desertificação estão a extenuar as reservas. A água disponível para consumo representa só meio por cento de toda a água disponível no planeta: o resto encontra-se nos oceanos e nas calotas geladas dos pólos. Em termos abstractos, seria fácil cumprir o objectivo do acesso universal à água potável: bastariam nove mil milhões de dólares. Parece muito dinheiro, mas os Europeus gastam todos os anos cerca de 11 mil milhões de dólares em gelados! A Organização Mundial do Comércio tem uma «solução» diferente: mais uma vez, a privatização. De facto, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional estão a exigir que os países pobres privatizem o sector das águas como condição prévia para receberem os financiamentos de que as suas economias dependem. Para a alta finança, a água – considerada mera mercadoria – representa um negócio de milhões e é já «o petróleo do século XXI». Mas a privatização dos serviços públicos tem-se revelado catastrófica. Na França, os consumidores viram o preço da água encarecer cerca de 150 por cento desde a privatização. Na Guiné-Conakri, o metro cúbico passou de 12 cêntimos para 83. Na África do Sul, a água foi cortada a dez milhões de clientes, porque não podiam pagar a conta. Com a água mais cara, quem não tem dinheiro tem de se abastecer de água imprópria, com as óbvias consequências que isso acarreta. Por outro lado, os privados – sobretudo as multinacionais europeias – preocupam-se mais com os lucros do que com a qualidade do produto, e sobretudo com o controlo das reservas hídricas. Tratando-se de um bem escasso e indispensável à vida, esse controlo representa um poder enorme, que já é aliás uma peça importante no tabuleiro da geoestratégia. A água é, como o ar, um bem essencial, a que todos têm portanto direito. Cabe aos Estados e, de uma maneira geral, ao conjunto da comunidade internacional, evitar que se torne uma mercadoria como outra qualquer. De forma a assegurar que os pobres também possam saciar a sua sede. José Vieira, “Além-Mar”


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