Aos 50 anos de idade, a Além-Mar apresenta-se uma revista adulta, madura: 60 páginas, a cores, uma vasta gama de argumentos e assuntos tratados com profissionalismo e rigor, cobrindo os cinco continentes, o mundo que fica além das nossas fronteiras geográficas, históricas, culturais e religiosas. Um ponto de chegada alto no longo caminho de uma revista cujos inícios foram simples, como o são todos os inícios tocados pelo fermento do Evangelho.
A geração dos primeiros missionários combonianos que veio para Portugal apostou na palavra e, em particular, na palavra escrita. Depois de estabelecidas as primeiras comunidades combonianas, a ideia de uma revista «missionária» apareceu como a iniciativa que se impunha, na linha do pensamento do fundador, São Daniel Comboni, que escrevia: «Temos língua para falar e pena para escrever.»
Viseu foi a cidade escolhida para o lançamento da revista. O ano, 1956. O nome Além-Mar, que foi sugerido por um dos seminaristas estudantes de Teologia do Seminário Diocesano, um pormenor a evidenciar o ambiente jovem em que a revista nasceu e primeiro se divulgou. O objectivo da publicação era informar e formar numa linha cristã e missionária, apoiar a paixão missionária que norteava a vida dos missionários combonianos. Assim, em Janeiro de 1956 a Além-Mar saía do prelo numa tipografia de Gouveia, com tiragem de dois mil exemplares.
Produzir e lançar uma revista no Portugal dos anos 50 não era empresa fácil. A difusão, por assinatura anual, afigurava-se particularmente difícil. Mas pouco a pouco o desafio foi-se vencendo. Com o andar dos anos a revista cresceu em número de assinantes (hoje tem 22.221 e imprime 23.500 exemplares), em formato e em importância. De formato pequeno (13 centímetros por 17,6) passou ao formato grande que mantém. De bimestral passou ao ritmo mensal e de Viseu transferiu-se para Paço de Arcos, em 1963, e depois para Lisboa, em 1966, para as instalações que ainda hoje ocupa.
Uma voz aberta
Graças à entrega dos seus directores e ao espírito de dedicação da equipa de redacção e dos colaboradores, a Além-Mar impôs-se na Igreja e na sociedade portuguesa como revista de referência missionária. Cada mês, a revista traz aos seus leitores uma lufada de espírito missionário, constituída por testemunhos, informação e algumas provocações que decorrem de uma visão missionária comprometida e aberta. A revista não traiu quem a fazia e abria-se aos temas da missão universal, às questões sociais e aos temas candentes da renovação eclesial, temas que polarizaram as atenções e opiniões durante os anos 60 e 70.
Com os seus leitores, a revista conseguiu criar e manter relações de simpatia e cordialidade, criando condições para a fidelidade manifestada por muitos deles durante décadas. Em relação à Igreja, a revista representava uma voz aberta, apreciada com o passar dos anos, apesar de nem sempre apoiada e algumas vezes criticada. Mas foi em relação ao poder político que a Além-Mar mais dificuldades haveria de experimentar no seu percurso. O seu espírito aberto, universal, informativo para além das nossas fronteiras, acabaria por trazer dissabores, num tempo em que a censura do regime de então controlava à tesoura a liberdade de imprensa e se mostrava particularmente sensível com os questionamentos relativos à questão colonial.
A revista confiscada
Em Novembro de 1964, por causa de um artigo sobre o Congresso Eucarístico de Bombaim e por uma posição em favor da visita do Papa Paulo VI à Índia, a Além-Mar foi suspensa por ordem do secretário do Gabinete da Presidência do Conselho. Havia indicações dadas pelo director da Censura aos jornais para que se abstivessem de publicar notícias referentes aos dois acontecimentos. A Além-Mar, que como revista mensal não estava sujeita a censura prévia, não recebera nenhum aviso e furou assim o bloqueio noticioso decretado pelo Governo de Salazar, saindo com o artigo «Um Congresso para a Índia».
A proeza ficou cara. No dia 4 de Novembro a revista foi confiscada e o seu director convocado pelo director da Censura que, para além de lhe comunicar a suspensão da publicação lhe notificou também a revogação do reconhecimento jurídico ao Instituto dos Missionários Combonianos. O pesadelo, criado por esta suspensão a quantos faziam a revista e aos Missionários Combonianos, haveria finalmente de acabar quando, em 8 de Maio de 1965, a Além-Mar pôde reaparecer e continuar a sua publicação, desta feita obrigada à censura prévia e aguentando as desconfianças do regime, numa relação com o poder político que não se adivinhava fácil.
As autoridades pressentiam que o nacionalismo fechado – seu e do regime que personificavam – não tinha aliados entre os missionários que estavam por detrás da revista, pessoas de mentalidade aberta, com uma visão missionária que questionava alguns pressupostos da política colonial do Estado Novo. Esta situação de tensão e relacionamento difícil haveria o tempo de a resolver a favor dos Missionários Combonianos e da revista. Livre de apoios do regime, e defendendo uma actuação missionária mais em sintonia com a Igreja universal, a Além-Mar viu a sua linha editorial consagrada nas mudanças que o Concílio Vaticano II trouxe à Igreja e no processo de transformação que a revolução de Abril acabaria por trazer à sociedade portuguesa a meados da década de 70.
As causas do Sul
Nas décadas que se seguiram, a Além-Mar pôde expandir-se, abraçando os temas da missão cristã no mundo de hoje, em plena liberdade. A revista abriu-se assim naturalmente aos problemas da transformação social que caracterizaram as últimas décadas do século XX e abraçou as causas dos países pobres do Sul do mundo. A informação foi-se integrando com a formação e a proposta dos valores da mundividência cristã. As dimensões religiosa e missionária enriqueceram-se com o espaço dado às outras dimensões da vida social: a economia, a política, a cultura. Os desafios a enfrentar naturalmente foram outros: manter a qualidade da revista e acompanhar o progresso da imprensa escrita; aumentar os assinantes para assegurar o futuro da revista como meio de comunicação independente de grupos e pressões e inspirado numa visão cristã da vida e da sociedade; acompanhar com sentido profético o caminho da Igreja em geral e as mudanças na missão universal em particular.
Manuel Augusto Ferreira, Missionário Comboniano