Amaro Neves Amaro Neves 19 de Dezembro de 2007, às 10:18 ... Natal, pelas vilas e aldeias do norte da Bairrada e Baixo Vouga, entre as décadas médias do século XX, era vivido no aconchego da famÃlia… Naquele tempo… O Natal, pelas vilas e aldeias do norte da Bairrada e Baixo Vouga, entre as décadas médias do século XX, era vivido no aconchego da famÃlia… com pouco de interacção comunitária. Quando muito, esta manifestava-se nas celebrações litúrgicas da noite de Natal, em tempo restrito. Melhor explicando, globalmente, naquele tempo… era assim, conforme a memória me vai recordando… Começadas as novenas do Advento, mais ou menos monótonas e repetitivas – e, por isso, pouco frequentadas - ia-se fazendo, gradualmente, por párocos e professores do ensino primário, a sensibilização da “pequenada†para a “festa†do Natal. Porém, nada de novo se notava que fizesse supor que ia haver festa, salvo a lembrança deixada pelo senhor prior, alertando para a necessidade de “armar o presépio na igrejaâ€. Nada mais! Mas, como se calcula, esse convite, em zonas onde raramente acontecia algo de diferente, despertava alguma curiosidade. Por isso, marcado o dia e hora, formava-se um pequeno grupo para ir apanhar musgo, plantas secas e outras de tipo ornamental, pedras eventualmente musgosas, etc., de forma que, pelos primeiros dias de Dezembro, tudo estivesse colhido e devidamente guardado, pronto para a “armaçãoâ€. E, já com as manhãs e as noites bem frias, num sábado à tarde, sob coordenação das catequistas, o presépio ficava montado, com montes e vales, rebanhos e pastores, lagos e fontes e noras e patos e outras bicharadas… tudo a preceito e numa alusão à diversidade do mundo rural em que se vivia, tendo ao centro, uma sugestiva gruta de aspecto montanhês, na qual se enquadravam as figuras centrais da Natividade – Maria, José e o Menino - com a vaquinha e o burro, por trás da manjedoura, grupos de pastores, pelas encostas, e de anjos, por cima da gruta, enquanto outros grupos de figurantes, nitidamente com ar campestre, se aproximavam do centro em jeito de cantar e dançar, com os reis magos no horizonte do cenário – que se iam aproximando da gruta… Isto é, estava feito o presépio, inaugurado sem cerimónia, o qual concentrava, por cerca de um mês, a adesão dos fiéis, em particular da crianças. Na noite de Natal, então, sim. Acabados os trabalhos e depois de toda a gente se ter lavado com maior cuidado, juntava-se a famÃlia, em sentido mais lato, para um jantar de ambiente e sabor bem diferente do habitual e confraternizar, aguardando-se para tal a indicação da dona da casa que, para essa noite, mais do que nunca, se via convertida em autêntica chefe-cozinheira. Porém, quem presidia à mesa e ao convÃvio eram os avôs ou, na falta deles, o pai de famÃlia. Quanto ao jantar – invariavelmente, bacalhau cozido, batatas e hortaliça – era abundante no essencial da composição, mas não diversificado em ofertas. Se havia frutos secos como aperitivos (nozes, uvas, ameixas, pinhões, figos…), a doçaria era singela, quase sempre na base de abóbora, predominando os bilharacos com canela… eventualmente acompanhados com outra variedade regional (leite creme, aletria, etc), contando com a presença de vinho do Porto. Porém, relativamente ao vinho do jantar, esse era seleccionado, na tradição dos gostos da região da Bairrada ou, então, do Dão. E o fogo – bem o recordo - crepitava na lareira, nessa noite, com umas brasas mais vivas e irradiando mais calor, pelo que a pouco e pouco, acabado o jantar, todos iam gravitando em torno dela enquanto se queixavam da friagem que, lá fora, cortava os ossos… e aludiam à festividade em curso. Subitamente, a uma palavra dos mais velhos, todos se preparavam, bem agasalhados, tomando o caminho da igreja para a Missa do galo, celebrada à meia-noite, e, então, festejar, com cânticos religiosos o nascimento de Jesus. Acabada a missa e de regresso a casa, percorriam-se as “fogueiras de Natal†que ardiam nos cruzamentos mais importantes das estradas da freguesia, feitas com especial carinho para “aquecer o Menino†– embora aquecessem mas era os fiéis passeantes. Mas, agora, seguiam cantarolando ao divino e ao profano, noite dentro, com jogos e brincadeiras do tipo do “saltar a fogueiraâ€, muitas vezes acabando com pequenos bailaricos de bairro, como que vivendo no real as sugestões do presépio… No dia seguinte, para além da missa de Natal, com o “beijar do Menino†– pois é dia santo - mais nada acontecia identificado com a Natividade propriamente dita e… tinha-se cumprido a “festaâ€. Ah! Prendas? Bem, não era propriamente uma tradição em uso nas freguesias e vilas rurais, mas começou a entrar a pouco e pouco, ao longo da década de 60, quando algumas famÃlias viram a sua situação melhorada por efeito da emigração para paÃses emergentes da América do Sul ou, mais ricos, os do ocidente europeu, aliando algum desafogo económico e conforto à importação da tradição já por aà arreigada. Assim, verdadeiramente assinalável, era aquela “noite santa†vivida em amplo convÃvio familiar e no aconchego de um jantar que, não sendo opÃparo em suas iguarias, pelo cheiro da canela e outros condimentos, se mantinha por tempos infindos na memória dos sabores, enquanto os cânticos religiosos e outras toadas de época perduravam na retina dos sons! E com esta mÃstica simples, como simples tinha sido o espÃrito franciscano que desenvolveu a ideia da festa popular do presépio, se vivia esse Natal feliz, traduzido na música contagiante do “Alegrem-se os céus e a terraâ€â€¦! Amaro Neves, historiador Outras memórias • D. Manuel Madureira Dias • J. Pinharanda Gomes Natal da minha infância Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...