O políptico “ A Ceia de Emaús”(J. J. Sousa Araújo, 2005, óleo sobre tela, 450x222cm) do altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, do Seminário de São Paulo, é um exemplo da integração da arte religiosa contemporânea, num espaço artístico anterior, no caso do século XVIII.
As cores da composição, baseiam-se nos brancos, castanhos e amarelos, uma opção artística com o intuito de se harmonizar com as cores do altar-mor, no qual esta integrado.
Na composição o autor, une plasticamente três momentos distintos, em que o Verbo feito carne, é o elemento principal: Encarnação; Eucaristia em Emaús; e Adoração Eucarística pelos pastorinhos de Fátima.
O painel central é o principal de toda a composição. Nele vemos a representação da Ceia de Emaús, na qual os discípulos reconhecem Jesus ao partir do pão (Lc 24,30-31).
Cristo surge como o consagrante, Ele é o Sumo-Sacerdote (Heb 3,1-5,10), que Se apresenta de novo ao Pai em Sacrifício Eucarístico. Com suas mãos, onde se vislumbram os sinais dos cravos, segura o pão partido que permite aos discípulos reconhecerem-no (Lc 22,17-20).
O rosto de Jesus dirige-se ao alto, onde o seu olhar encontra a figura da Virgem, tornando deste modo evidente como a Encarnação e a Eucaristia, estão ligadas por este mesmo Jesus que se torna presente no seio de Maria e na Hóstia Consagrada.
O corpo de Cristo domina completamente esta tela, surgindo como uma figura triangular, assemelhando-se a uma montanha que se ergue ao céu. Recordamos o texto de Êxodo 19,3-6, em que Moisés sobe ao Monte para receber a aliança de Deus. Agora, Jesus apresenta-se como este novo monte de Deus, o caminho que se ergue para o ao Pai, como Ele mesmo disse no discurso do Pão do Céu (Jo 6,35-38).
As suas vestes resplandecentes, com uma larga gola, revelam o forte pescoço de varão, acentuando o gesto de vitalidade da cabeça de Cristo. Esta abertura da túnica, põe a descoberto o peito de Jesus, pintado com cores de sangue, que nos remete para esse peito perfurado pela lança (Jo 19,34), de onde manou sangue e água, prefiguração deste mesmo Mistério Eucarístico.
Os dois discípulos surgem no canto superior esquerdo, olhando e apontando para o rosto do Mestre. Envolvidos na agitação do momento, os discípulos que parecem emergir da neblina do desconhecimento iluminados pela luz que é Jesus, descobrem neste mesmo instante, que aquele estranho é Jesus (Lc 24,31).
A tela superior em forma de meia-lua, desenvolve-se o tema da anunciação: Maria é apresentada como Mulher Eucarística: “Caro Cristi; Caro Mariae”. Deus faz-se presente no meio dos homens, encarnando no ventre de uma mulher e nascendo dela.
Na composição, a figura do anjo adapta-se á forma da tela, aparecendo curvado sobre Maria fixando nela o olhar. Uma das suas mãos abre-se em atitude oblativa, e à volta dela as cores aclaram-se, como se a presença do Espírito Santo, nesta forte luz lhe escapasse das mãos, e inundasse o rosto e o corpo da Virgem.
Maria de olhos baixos, coloca uma das mãos sobre o peito e a outra esticada na direcção do anjo, são elas expressão da sua perturbação. Contudo acolhe nas palavras do Anjo, num sim livre e pleno. A sua postura de submissão é sinal dessa entrega total aos desígnios divinos, que se realizarão constantemente no silêncio do seu coração. Esta tela chama a atenção para o papel de Maria no seio do Mistério Eucarístico. Estes dons que se transformam em Jesus, também são como que parte de Maria, pois o Verbo encarnou no seu seio e fez-se carne da sua carne. Assim, o Corpo e Sangue Eucarísticos de Jesus fazem também memória do momento da Encarnação, do qual Maria faz parte integrante.
A tela inferior, que funciona como “toalha” da mesa da ceia de Emaús, tem a representação da adoração dos Pastorinhos em Fátima. Esta representação reporta-se á terceira aparição do Anjo da Paz, quando ele trouxe nas mãos a Eucaristia sob as duas espécies aos pastorinhos: na mão esquerda segura um Cálix, sobre o qual está suspensa uma Hóstia, da qual caem algumas gotas de Sangue dentro do Cálix.
O anjo da paz e os pastorinhos prostram-se em adoração à Sagrada Eucaristia, que sob a forma de Pão e Vinho permanece suspensa diante deles. Francisco destaca-se do grupo, quase tocando com a cabeça as espécies sagradas. Era este o espírito de Francisco, muitas vezes ocultou-se e separou-se de sua irmã e de sua prima, para ir rezar e consolar Nosso Senhor.
Casimiro Henriques