Milhares de católicos portugueses e de outros países continuam a chegar a Coimbra para a última homenagem à irmã Lúcia. O sentimento, visível na missa de sufrágio celebrada ao meio-dia, é de que não se reza pela Vidente de Fátima, mas a ela, pedindo a sua intercessão, numa verdadeira "peregrinação".
Esta verdadeira “canonização popular” tem fácil explicação: a Irmã Lúcia viveu a experiência das aparições de Fátima com Jacinta e Francisco, que já foram beatificados por João Paulo II, e morre com fama de santidade.
D. Albino Cleto, Bispo de Coimbra, vê as expressões de homenagem à Irmã Lúcia como “uma manifestação de fé simples e popular, misturada com um sentimento característico de todos nós, portugueses”.
“Respeitando a diferença entre dois pastorinhos que foram beatificados e outra que teve uma vida edificante, penso que o Santuário de Fátima e os cristãos em geral vão rezar a Deus pedindo a intervenção da Irmã Lúcia e vão continuar a conhecer a sua vida, recolhendo o seu exemplo”, acrescentou.
Muitos responsáveis católicos têm explicado que o processo da canonização da última Vidente de Fátima será iniciado oportunamente por quem de direito, seguindo os trâmites normais, pelo que deverá iniciar-se um mínimo de cinco anos após a morte.
O prelado disse em declarações recolhidas pela ECCLESIA que este processo não deverá ser comparado ao de Madre Teresa de Calcutá - que decorreu mais rapidamente do que o estabelecido- , explicando que “o cuidado da Igreja vai levar a que se estudem todos os seus escritos, ao longo de uma vida de quase 98 anos, havendo muita coisa para recolher e examinar”.
Além das suas seis memórias, a Irmã Lúcia escreveu milhares de cartas e mensagens. A publicação do epistolado da Vidente de Fátima não deverá trazer, de acordo com D. Albino, nenhuma novidade relativamente aos acontecimentos da Cova da Iria. “A Irmã Lúcia era muito discreta, nunca lhe fiz especiais perguntas sobre Fátima nem ela se adiantava a contar novidades. Falávamos mais sobre a Igreja, a oração e a actualidade do mundo”, referiu.
A tramitação do processo de santidade de um católico morto com fama de santidade passa por etapas bem distintas. Cinco anos após a sua morte, qualquer católico ou grupo de fiéis pode iniciar o processo, através de um postulador, constituído mediante mandato de procuração e aprovado pelo bispo local.
D. Albino Cleto adiantou que a Diocese de Coimbra não se irá “intrometer” neste processo, pelo que será o Santuário de Fátima e a Ordem do Carmelo quem primeiramente tomará diligências neste sentido. A fama de santidade deverá, assim ser averiguada com testemunhos e uma investigação séria e aprofundada.
O procedimento que se tem de seguir está na Constituição Apostólica “Divinus Perfectionis Magister”, de 25 Janeiro 1983, e nas “Normae da Congregação para as Causas dos Santos”, de 7 Fevereiro 1983.
A legislação compreende três fases importantes, sobre as quais se apoia a investigação da verdade sobre o objecto de uma causa de canonização.
No processo diocesano, o primeiro, recolhem-se todas as provas sobre a vida, o culto antigo (se for o caso), e também as provas de eventuais milagres.
Quando o processo chega a Roma, à Congregação para as Causas dos Santos, toda a documentação é submetida a um estudo crítico e prepara-se a declaração sobre a vida, virtudes e milagres, a cargo de pessoas especializadas (Relatores). Cada Relator tem a seu cargo um certo número de causas, possivelmente de uma determinada língua ou área cultural, deve ser uma pessoa idónea a nível histórico-teológico. Somente após a promulgação do decreto sobre a heroicidade das virtudes do servo de Deus é que se pode examinar os presumíveis milagres.
A última etapa, da análise teológica, compete aos consultores, sob a direcção do Promotor da Fé, e depois os Bispos e Cardeais, membros da Congregação, intervêm nesta etapa bastante importante e delicada. Analisam todos os aspectos teológicos concernentes à vida dos servos de Deus e dos Beatos, em ordem à etapa seguinte. Compete ao Papa a decisão última.
Para a beatificação e canonização exige-se um milagre para cada uma dessas etapas.
A Igreja sempre reconheceu os Santos, mas nem sempre o modo de proceder nas causas de Canonização foi igual. Num rápido olhar sobre a história, percebe-se que nos primeiros séculos, o reconhecimento da santidade acontecia em âmbito local, a partir da fama popular do santo e com a aprovação dos bispos. Ao longo do tempo e sobretudo no Ocidente, começou a ser solicitada a intervenção do Papa a fim de conferir um maior grau de autoridade às canonizações dos santos. A primeira intervenção papal deste tipo foi de João XV em 993, que declarou santo o bispo Udalrico de Augusta, que tinha morrido vinte anos antes.
As canonizações tornaram-se exclusividade do Romano Pontífice por decisão de Gregório IX em 1234. No decorrer do século XVI começou-se a distinguir entre “beatificação”, isto é, o reconhecimento da santidade de uma pessoa com culto em âmbito local e “canonização”, o reconhecimento da santidade com a prática do culto universal, para toda a Igreja. Também a beatificação se tornou uma prerrogativa da Santa Sé, e o primeiro acto deste tipo refere-se ao Papa Alexandre VII em 1662 na beatificação de Francisco de Sales.
Neste momento estão no Vaticano 32 causas portuguesas, das quais se destaca o processo de Canonização dos outros Pastorinhos de Fátima, Jacinta e Francisco.
A 24 de Abril deste ano será beatificada a religiosa portuguesa Ir. Rita Amada de Jesus (1848-1913), natural da Diocese de Viseu, fundadora do Instituto Religiosa das Irmãs Jesus Maria José.