Recurso às energias naturais num Carmelo que tem a primeira igreja dedicada aos pastorinhos, em Fátima
Um convento para o Séc. XXI foi inaugurado em Fátima.
No dia em que a Carmelitas dedicaram a Capela do Carmelo aos pastorinhos Jacinta e Francisco Marto, foi apresentado, numa iniciativa excepcional, o interior de um convento de clausura.
O novo convento das Carmelitas Descalças é uma aposta nas soluções amigas do ambiente.
Painéis termodinâmicos permitem captar energia, o que equivale a “anular praticamente os gastos em gás”, explica à Agência ECCLESIA a Irmã Cristina Maria, Superiora do Carmelo em Fátima.
As águas sanitárias e o aquecimento de água são conseguidos a partir dos painéis. O projecto do convento inclui algumas cisternas para guardar água da chuva de forma a reutilizar nos autoclismos das casa de banho. A casa foi toda revestida de forma a aproveitar a energia e até as lâmpadas são economizadoras.
As soluções ecológicas foram sempre privilegiadas pelas religiosas, habituadas a fazer reciclagem.
Alexandra Cantante, arquitecta que concebeu o projecto explica que este foi um trabalho conjunto entre as religiosas do Carmelo e as propostas que apresentou. O resultado é um conjunto arquitectónico moderno, de linhas sóbrias, sem muros altos à volta do convento, com uma arquitectura moderna. Este é um convento de clausura aberto ao mundo.
As irmãs fazem a sua vida dentro das paredes do convento. “As janelas viradas para a rua são pequenas e situadas a um metro e setenta de altura”, descreve a arquitecta.
A vivência das religiosas no espaço foi a base para a concepção do projecto a que se somou depois a parte estética.
As irmãs vivem para dentro do seu espaço, daí a opção de privilegiar a luz e o jardim. “O contacto com a natureza é importante para quem vive a sua vida inteira dentro de um edifício”, explica a arquitecta.
Alexandra Cantante afirma que as pessoas que actualmente vivem num convento não são as mesmas que o habitaram há 100 anos atrás. “Temos que adequar o espaço ao tempo actual sem perder de vista a sua função”.
O processo do projecto foi “fascinante”, explica a arquitecta. “Reunir semanalmente com pessoas assim é um privilégio muito grande”. Não houve restrições, foi “um projecto em grupo”.
Financiamento do projecto...A falta de condições de uma habitação construída no início do Séc. XX, em estado de grande deterioração, ditou a necessidade de construir um convento de raiz.
Numa casa onde a congregação estava presente há cerca de 70 anos, “fomo-nos habituando à ideia de mudar para uma nova”, explica a Madre Superiora.
A casa antiga, fundada por irmãs belgas, tinha na porta de cada cela o nome de um santo e também de um benfeitor. A Ir. Cristina Maria explica que decidiram, como forma de financiamento, continuar com essa modalidade.
A campanha de financiamento, via Internet que as religiosas desenvolveram, tinha como objectivo informar as pessoas para onde ia o contributo.
Assim, as contribuições destinaram-se às celas ou aos puxadores das portas, por exemplo. Neste novo Carmelo, à semelhança do que acontecia na antiga casa, as celas vão ter nas portas o nome do benfeitor inscrito, “como forma de quem a ocupa, saber quem foi e rezar por ele”.
...na primeira pessoa
Gonçalo Correia de Oliveira, benfeitor, recusa falar em valores. Prefere dizer que a sua doação correspondeu “àquilo que considerei poder dar, tendo em conta as responsabilidade familiares”.
Servita de Nossa Senhora de Fátima há 29 anos, Gonçalo Oliveira manifesta uma grande proximidade com o Carmelo de Fátima.
“Tenho dentro do convento boas e grandes amigas”, explica. Razão suficiente para se disponibilizar e manifestar interesse em contribuir.
O benfeitor explica que “não é fácil no mundo de hoje compreender o que é um mosteiro de monjas contemplativas”. O mundo exige um retorno “óbvio e imediato para o que se faz ou dá”.
Num mosteiro de contemplação “é mais difícil perceber esse retorno directo”, mas, garante Gonçalo Oliveira, “ele é enorme em oração”.
O benfeitor assume que a sua relação com o Carmelo cresce todos os dias. “A amizade permanece e o meu contributo a esta casa enaltece a minha ligação”.
Juntamente com a sua família, Gonçalo Oliveira visitou as instalações do Carmelo, pouco depois de pronto. “Sempre que permanecemos no luctório, marca-me a alegria tremenda destas mulheres que entregaram a sua vida a Deus”. A obra é importante, mas Gonçalo Oliveira prefere enaltecer o que se vive dentro dela.
Dedicação da CapelaA Igreja do novo Carmelo é dedicada a Jacinta e Francisco Marto. É por isso a primeira Igreja em Fátima dedicada aos pastorinhos. A Superiora explica que o Carmelo é de São José e assim vai continuar a ser.
A primeira pedra da capela veio do muro do Ano Santo de 1975, da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma e o pergaminho da Bênção foi assinado por João Paulo II, a 16 de Outubro de 2003. Ambas as peças estão expostas no espaço da nova Capela.
A dedicação aos pastorinhos foi uma sugestão do Pe. Kondor, que as Carmelitas acederam.
“Fazemos parte da mensagem de Fátima”, explica a Superiora. Mais tarde ou mais cedo “a Ir. Lúcia ficará ao pé dos pastorinhos e ficará a capela dos três pastorinhos”.
A Irmã Cristina Maria explica que as Carmelitas se sentem “no coração do Santuário”. A sua forma de vida baseia-se na mensagem de Nossa Senhora em Fátima, por isso “esta relação entre o Carmelo e os pastorinhos faz todo o sentido”.
Esta opinião é também partilhada por D. António Marto, Bispo de Leiria Fátima, que presidiu à Eucaristia de dedicação da nova Igreja do Carmelo.
“O Carmelo faz parte não só do perímetro do Santuário, mas está no coração do santuário”, assume o Bispo.
O carisma das religiosas de clausura dá, segundo D. António Marto, visibilidade a duas grandes dimensão do Santuário. Enquanto monjas contemplativas “exprime a resposta ao apelo feito por Nossa Senhora de reconduzir a adoração para a vida da Igreja e do mundo”.
No entanto, o Carmelo significa também “misericórdia, oração e contemplação, que são dons para o mundo”, uma vez que as irmãs acolhem as intenções de todas as pessoas que acorrem ao Carmelo, mas também do mundo inteiro.
A vida contemplativa, presente no Carmelo de Fátima é “uma fonte de misericórdia para o mundo de hoje no meio de tantas angústias”, aponta o Bispo de Leiria Fátima, pois “o mosteiro é um convite a repousar”. D. António Marto só lamenta que os peregrinos não acorram mais ao Carmelo, “mesmo através da Igreja”, uma vez que o convento é de clausura.
Fátima tornou-se num “centro internacional”. A ordem do Carmelo é “iminentemente mariana”, traduz o Bispo de Leiria – Fátima. O Carmelo assume um “lugar único para irradiar a espiritualidade própria da congregação e enriquecer o Santuário”.
De Fátima para o mundoO Pe. Pedro Ferreira, Provincial dos Carmelitas, assume que a Ordem está apostada em reavivar o carisma em Fátima. A ordem do Carmelo está a investir em Fátima “possivelmente também pela Irmã Lúcia, pois sentimos como responsabilidade moral manter viva a resposta à mensagem de Fátima”, numa perspectiva de oração, através das Irmãs mas dinamizando também da pastoral de oração, através do padres.
O Pe. Luigi Gaetani, Definidor Geral da Ordem, presente na dedicação da Igreja explica que a Ordem viu a necessidade de neste momento ter uma forte presença em Fátima, com respostas espirituais, como é o caso da Domus Carmeli e o Carmelo das Irmãs.
A aposta deve-se à necessidade de partilhar a beleza do carisma carmelita hoje, através da criação de lugares de fronteira, “fronteira entre o céu e a terra”, que se traduzem em lugares de cultura, “onde é possível encontrar crentes e não crentes que se encontram a partir das experiências de Deus, não tanto a partir das palavras”, explica o Definidor Geral da Ordem.
O Carmelo deseja uma solidão, mas não de uma forma triste, antes “plena”, explica. Mas também possibilita a vivência de experiências em comum.
“Neste tempo globalizado mas onde se vive de forma aguda a solidão, nós queremos propor um sistema de vida, onde a companhia e a alegria de viver em comum são experiências profundas”.
A proposta é radical, mas o Definidor Geral da Ordem não acredita que seja difícil. Prova disso é a lotação quase esgotada das celas do Carmelo.
“Queremos mostrar o essencial da vida, das coisas que procuramos verdadeiramente e a felicidade profunda”. Por isso mesmo o Carmelo encontra-se dentro de uma cidade, não fora, “mas no meio das pessoas”.