Não é todos os dias que se celebra a sobriedade. Imagine o leitor mais de 250 pessoas entre homens, mulheres, jovens e criaças em fim de semana a celebrar a sobriedade a confraternizar e a multiplicar a força de pertencerem a uma comunidade de mais de dois milhões espalhados por mais de centena e meia de países.
No mundo real a regra é cada um proclamar que é o maior, e se é concorrente e rival de outros grupos. Neste que aqui, afirma-se logo que apesar de se ajudar a manter a saúde e o bem-estar familiar dos membros, não se quer substituir os médicos, os serviços de enfermagem, o serviço social, os hospitais. Nem ser a favor desta ou daquela causa, contra este ou aquela calamidade e problema. Só dizem que ajudam os membros a estar sóbrios mas não assumem a responsabilidade deles, nem se corre atrás deles para serem membros. A responsabilidade continua a ser dos próprios. E mais, dizem que cada um só vai aos grupos se quiser. Nem são obrigados a pagar quota. E se vão ao grupo, cada um continua a ser reponsável por si mesmo, pela sua pessoa e pela sua vida. Estes AA são incríveis. Não funcionam como esponja para absorver os que se tornam membros mas funcionam como um espelho em que o membro recebe o que lá põe. Mas se o doente alcoólico vai ouvindo, ouvindo sempre os companheiros do grupo, os que já saíram do buraco, então começa a ver-se no espelho do grupo já algo diferente, e pode mesmo mudar muito na maneira de ser alcoólico, de ser infeliz, de sofrer física, mental e espiritualmente. Pode começar mesmo a ressuscitar… Isso mesmo aqueles duzentos e tal eram “ressuscitados”. Mas o leitor não vai acreditar. Paciência!
O que mais impressiona os recém-chegados aos grupos é assistir ao tirar da máscara dos que já estão sóbrios há anos e têm a ousadia de se reconhecer alcoólicos e fazê-lo com a maior naturalidade. O companheiro alcoólico que andou anos a negar que tivesse qualquer problema com o álcool, agora, passado algum tempo diz também nesta Convençâo de 250 pessoas, como antes começou a dizer num grupo mais reduzido: “eu sou um alcoólico”. Será que eu ouvi bem? E logo outro: “sou o António, sou um alcoólico”, “sou a Joana, sou uma alcoólica”. E depois dizem que estão contentes e gratos de terem sido ajudados.
Então cada um daqueles alcoólicos desiste de competir com os familiares, os amigos, os colegas de trabalho? Desiste de negar que têm problemas de bebida, problemas com o álcool? Então agora já não é o maior, um herói, quando bebe? Agora é que ele é o que é; antes era uma máscara de si mesmo.
O leitor já entendeu que estou a falar da V Convenção de Alcoólicos Anónimos de Portugal realizada estes dias num hotel de S. Pedro do Sul.Com a participação de muitos familiares de Al-Anon, comunidade irmã de AA para os familiares, e com visitantes vindos da Espanha, do Brasil, da Itália e do México.
AA não é uma panaceia ou mezinha de banha da cobra, é um dos melhores métodos de ajudar os sofredores da doença alcoólica , sem querer fazer tudo em vez deles. Quem o diz agora sou eu que há mais de trinta anos me tenho dedicado à terapia desta doença. Mas comigo são muitos eminentes profissionais a afirmá-lo. AA não faze concorrência a ninguém e só deseja dos profissionais que os reconheçam pelo que são: um dos movimentos de auto-ajuda de mais baixo custo versus eficiência que existe no campo da alcooldependência.
Ver a alegria e o contentamento, o convívio, o teatro amador e o baile desta gente mostra mesmo que a pertença a AA é uma maravilha no campo da saúde e do crescimento espiritual.
S. Pedro do Sul, 30 de Novembro de 2008
Aires Gameiro