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Cinema: Balaou

Margarida Ataíde
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“Faz agora sete meses que a Blé, minha mãe, morreu. Estou em frente ao mar de S. Miguel, Açores, a terra da família distante.

Encontro a tia-avó Maria do Rosário, 91 anos, à procura do seu momento para partir.

Fala-me de Deus. À sua volta, os bebés nascem.

Todos passam pelo mar da ilha, negro, vulcânico.

É aqui que encontro a Florence e o Beru, um casal francês que todos os anos cruza o Atlântico no Balaou, um barco à vela. Convidam-me a continuar a viagem com eles.

Mando fora o bilhete de avião e faço-me ao mar alto.”

É assim que Gonçalo Tocha enceta o convite a embarcarmos consigo a bordo de “Balaou”, no DVD agora disponível ao público, desta sua primeira longa metragem. Convite ante o qual quaisquer palavras ou considerações antecipadamente tecidas arriscarão a redundância e é, por isso, simplesmente aqui deixado ao leitor na promessa de espetador, ou melhor, participante, que valerá bem a pena tornar-se.

Gonçalo Tocha, encetou a sua relação com o cinema nos tempos de faculdade, quando o curso de Letras lhe abria menos portas aos caminhos que ansiava percorrer do que a programação dos cineclubes e da cinemateca de então.

Funda ele próprio um cineclube e é neste que encontra a formação que procura. No entanto, não despreza a possibilidade de tecer relações com o meio académico, construindo aos poucos uma comunidade, a partir do encontro entre gente da faculdade e gente do cinema.

Em 2007 surpreende a terceira edição do Indielisboa com “Balaou”, um quase ensaio poético que busca e exprime o sentido da existência, morte e vida, filmado sobre as águas do Atlântico ao largo dos Açores. Atracou no final dessa edição empunhando o prémio de melhor longa metragem nacional.

Pouco depois dessa viagem, revisitação da sua Mãe e descoberta de si próprio, parte de novo para os Açores à descoberta da ilha do Corvo e é dessa outra viagem que resulta o já muito aclamado, nacional e internacionalmente, “É na Terra não É na Lua”.

Se alguns cineastas têm sido capazes de fazer pleno uso da poesia cinematográfica, de uma forma plenamente acessível a qualquer espetador, dispensando rebuscadas chaves de interpretação, Gonçalo Tocha é certamente um deles.

E “Balaou”, ainda neste início de caminho, a sua melhor prova.

Margarida Ataíde

 

 



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