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Comissão Nacional Justiça e Paz defende maior utilização das alternativas à pena de prisão

Octávio Carmo
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Situação dos reclusos e das prisões exige profunda reforma do Sistema Prisional

A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) acaba de publicar o documento “Estive na prisão e foste ter comigo”, sobre a Reforma do Sistema Prisional, onde defende uma mudança da mentalidade que “associa necessariamente a função do sistema penal à pena de prisão” e a aplicação de penas alternativas a esta. “Hoje é clara na legislação penal a natureza da pena de prisão como último recurso e a preferência pela aplicação de penas alternativas a ela”, escreve a CNJP. O texto, divulgado pela Agência ECCLESIA, considera que é maléfica a sobrelotação das nossas prisões e que esta não se justifica em razão dos índices de criminalidade do nosso país. Uma das razões avançadas para o elevado número de presos é o facto de a opinião pública em geral, “ainda associar as funções próprias dos sistema penal, exclusiva ou predominantemente, à pena de prisão”. Assumindo, não obstante, uma “visão realista”, a CNJP reconhece a necessidade da pena de prisão para os crimes mais graves, mas ressalta que “a pena de prisão consiste apenas na privação da liberdade (e esta é, por si só, suficientemente gravosa), não em qualquer tipo de sofrimentos ou incómodos que dela não derivam necessariamente”. Dando voz às frequentes queixas da parte de reclusos de violações dos seus direitos fundamentais, provocadas por outros reclusos ou até por quem deveria proteger esses direitos, os próprios guardas prisionais, o documento lança a proposta de institucionalização de uma entidade independente como um “provedor do recluso”. Este documento será apresentado por Pedro Vaz Patto, em nome da CNJP, no próximo dia 19 de Outubro, numa audição que contará com a presença de Germano Marques da Silva como comentador e de Diogo Freitas do Amaral como moderador. O evento terá lugar no auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, entre as 10h00 e as 13h00. A prisão preventiva O texto aborda outra questão que vem sendo repetidamente levantada a respeito da situação das nossas prisões e que tem a ver com a proporção excessiva dos presos preventivos (ronda os trinta por cento) no conjunto global da população prisional. Segundo a CNJP, “também quanto a este aspecto, uma prática arreigada parece afastar-se dos princípios constitucionais e legais, neste caso os da presunção de inocência do arguido e da excepcionalidade da prisão preventiva”. O documento lembra que “o recluso em prisão preventiva sob vários aspectos está numa situação pior do que os condenados, não beneficiando, como estes, de saídas precárias ou todo o tipo de medidas tendentes à sua reinserção social”. “Também quanto a este aspecto, há uma mentalidade corrente na opinião pública que não se coaduna com os princípios constitucionais e legais. É corrente, por exemplo, a indignação no caso de libertação judicial (por não aplicação da prisão preventiva) de arguidos indiciados pela prática de crimes graves, como se isso representasse uma frustração da acção policial ou um sinal de impunidade (que não é, pois o arguido poderá obviamente vir a ser condenado, na altura própria, em pena de prisão)”, refere a CNJP. Como proposta de futuro, o texto pede um esforço pedagógico junto da opinião pública que leve à compreensão da função da prisão preventiva e do relevo do princípio da presunção de inocência do arguido, assim como das garantias de defesa deste antes da sua condenação definitiva. A CNJP lembra ainda os casos em que a prisão preventiva se impõe como medida necessária para evitar o perigo de continuação da actividade criminosa decorrente da toxicodependência do arguido para frisar que “nestas situações, importa ter presente que é o tratamento (não a prisão por si só) que afasta de forma definitiva e duradoura o perigo de continuação da actividade criminosa”. “Importa ter presente que o combate à criminalidade não pode ser desligado do combate à toxicodependência”, assegura o documento. Alternativas O organismo católico destaca na sua exposição que é nítido o propósito da Comissão de Estudo e Debate sobre a Reforma do Sistema Prisional (CEDERSP), que viu acolhidas no essencial as sua sugestões na proposta governamental de alteração do Código Penal, de favorecer uma aplicação muito mais frequente das penas alternativas às penas de prisão e em particular a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Nesse sentido, após exporem as dificuldades que ainda se colocam à aplicação desta pena, os membros da CNJP assinalam que “importa sensibilizar os magistrados para as virtualidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade”, vincando que esta um alcance sancionatório efectivo, facilita “a reconciliação entre o agente do crime e a comunidade afectada com a prática desse crime”, reconhece que a dignidade do condenado enquanto pessoa não é destruída com a prática do crime e, por último, porque “como o exige a ética cristã, ao mal do crime não se responde com outro mal, mas com o bem”. Outra das penas que a CEDERSP pretende favorecer, como alternativa à pena de prisão, é a suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta. A CNJP lamenta que essa suspensão não seja condicionada pelo cumprimento de deveres ou observância de regras de conduta e critica o facto de se ficar por “uma simples advertência e ameaça de cumprimento da pena de prisão em caso de cometimento de novos crimes”. Saudando a nova possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão até cinco anos, o texto sublinha que “ficam, assim, mais abertas as possibilidades de recurso a esta pena”. Uma outra proposta passa pela generalização da vigilância electrónica para controlo da obrigação de permanência na habitação, “como medida alternativa à prisão preventiva”. Visão Cristã Para a CNJP, nem sempre a sociedade em geral tem dado o relevo devido à situação das nossas prisões e dos reclusos que nelas passam parte apreciável das suas vidas “Este é um problema que é hoje, como tem sido ao longo da história, muitas vezes ignorado, “como quem pretende esconder o lado mais triste e sombrio da sociedade, mas que nem por isso torna este menos triste e sombrio”, acusam os membros da Comissão. Numa abordagem do problema à luz da ética cristã, o documento defende que “por mais grave que seja o crime, não é destruída a dignidade da pessoa como imagem de Deus e a esta é dada sempre a possibilidade de recomeçar”. Lembrando a intervenção de João Paulo II no Jubileu das Prisões, de 9 de Julho de 2000, a CNJP defende que “a pena e a prisão têm sentido se, enquanto afirmam as exigências da justiça e desencorajam o crime, servirem para a renovação do homem”. Mais adiante, o texto critica quem considera os conceitos de justiça e perdão como “contraditórios”, afirmando que “o perdão ultrapassa e completa as exigências da justiça, sem anular essas exigências e fá-lo em função de uma mais sólida e consistente harmonia social”. O documento na íntegra • «Estive na prisão e foste ter comigo»


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