Ano Novo, vida nova! Não pode ser piedoso desejo, nem votos de circunstância. Tem de ser compromisso. Haverá vida nova no novo ano, se houver mudança de vida, que o Evangelho chama conversão. Foi assim que Jesus começou a Sua pregação. “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; convertei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,14).
E o Evangelho, a Boa Notícia, é essa possibilidade de vida nova que Jesus nos dá. Ele veio, não para condenar o mundo, mas para o libertar do mal e da raiz de todos os males, que é o pecado. Apesar da complexidade dos problemas, a nível mundial, europeu e nacional, não estamos num beco sem saída. Porque acreditamos na regeneração do ser humano, redimido por Cristo, olhamos para a vida e para a história com esperança, que não é ingenuidade de quem não vê os problemas, mas realismo de quem acredita que é possível mudar. E por isso mesmo se compromete.
A situação de “crise” que atravessa o país, longe de nos levar ao desalento e à resignação, deve mobilizar-nos, como cidadãos e como cristãos, para sermos parte da solução dos problemas. Toda a “crise é oportunidade inadiável de mudança. Implica a tomada de consciência do desajuste das respostas aos problemas. Alguns vêm de trás e outros, de fora. Seja como for, desafiam-nos à responsabilidade e ao engenho.
Como exortam os nossos Bispos, “não tenhamos medo dos momentos difíceis, pois eles constituem, tantas vezes, alicerce de um futuro melhor. Ele só pode ser fruto da competência e da generosidade”, de que os cristãos devem ser os primeiros a darem exemplo, através de uma “cidadania mais esclarecida, criteriosa, responsável e solidária”.
Nem tudo depende do Estado. Uma sociedade democrática “só progride com a iniciativa e a responsabilidade de todos”. Ou nos salvamos todos, ou não se salva ninguém. “Estamos num momento em que é preciso realçar as exigências do bem comum, isto é, a prevalência do bem de toda a colectividade sobre interesses pessoais ou corporativos. A busca do bem comum supõe lucidez de discernimento e generosidade de comportamentos” (CEP, Um Olhar de Responsabilidade e de Esperança sobre a Crise Financeira do País, Nota Pastoral de 23 de Junho de 2005).
Quem mais do que os cristãos deve estar preparado para essa exigência de austeridade e de sobriedade de vida, em vista do bem comum, que é, por definição, o bem de todos? Mais grave do que retirar os símbolos religiosos dos lugares públicos é não inserir na sociedade, como fermento que leveda a massa, sinais visíveis e credíveis de vida nova, enformada pelo Evangelho de Jesus, que não veio pôr remendos em panos velhos, mas restaurar todas as coisas, de cima a baixo: “vinho novo em odres novos”! Ele é que torna possível mudanças estruturais, radicadas na conversão do coração humano.
Isso é realmente uma prenda que só o Deus-Menino pode dar. É um sinal dos tempos que o Papa Bento XVI, no seu estilo discreto e reservado, comece a surpreender positivamente e a interpretar alguma elite intelectual, com as suas profundas catequeses sobre os valores perenes da civilização humana, assentes na Boa Nova, de que a Igreja é mensageira. Ano Novo, vida nova! Isso é possível! É o nosso compromisso para 2006. Por coerência de vida cristã.
+ António, Bispo de Angra