Nacional

Estatuto do embrião preocupa juristas católicos

Octávio Carmo
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Debate em volta da legislação sobre a Procriação Medicamente Assistida

O estatuto do embrião humano é a principal preocupação dos juristas católicos no âmbito do debate que se vive na sociedade portuguesa, em volta dos projectos de lei que pretendem regulamentar a Procriação Medicamente Assistida (PMA). A Associação dos Juristas Católicos (AJC) organizou ontem, na Universidade Católica Portuguesa, um colóquio subordinado ao tema “Procriação Medicamente Assistida. Que questões?”, que reuniu especialistas da área do direito, da ética, da filosofia, da teologia e da genética. Para os promotores da iniciativa, era fundamental abordar o que denominam como “buraco negro” do sistema jurídico português, procurando esclarecer a sociedade antes de implementar qualquer regulamentação – que é considerada, aliás, como “indispensável”. Isilda Pegado, membro da AJC e presidente da Federação Portuguesa pela Vida, começou por abordar as principais problemáticas que a questão suscita, determinando “quais os limites ao direito de procriar”. A PMA pratica-se em Portugal há mais de 20 anos e são já muitas as vozes que reclamam uma lei, apesar da “barreira de silêncio” que se coloca sobre estas temáticas. Para esta responsável, que é ainda uma das porta-vozes do Movimento Cívico que lançou a campanha por um referendo sobre a PMA, é “necessária uma lei” que tenha em conta que estas técnicas de procriação artificial geram vidas humanas”, pelo que esta não é uma questão confessional. Particularmente sensível, nesta matéria, é a questão dos chamados “embriões excedentários”. Os projectos apresentados na Assembleia da República prevêem que, ao fim de 3 anos, os embriões sejam declarados “inviáveis” por falta de um projecto parental e nenhum dos diplomas cria limites à criação de embriões, apenas à sua implantação. Isilda Pegado lembra que a União Europeia “nunca financiou investigações em embriões”. Esta responsável manifestou-se contra a reprodução heteróloga (com recurso a dadores) por considerar que coloca em risco “a identidade do próprio filho” e levanta “problemas sérios dentro do casal”. Relativamente aos projectos apresentados na Assembleia da República, estes não definem um limite ao número de fecundações a partir de um determinado dador, o que poderia levantar questões ligadas à consanguinidade e aos princípios da “biodiversidade humana”. Entre as outras questões levantadas estiveram a maternidade de substituição (“barrigas de aluguer”), a utilização da PMA para mulheres sós ou casais homossexuais, bem como a fecundação “post mortem”. “O absoluto não é a ciência, mas o homem”, concluiu Isilda Pegado, apelando a uma “ética da responsabilidade”. Discussão ética O Bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, defendeu que este problema “não é essencialmente jurídico”, exigindo uma discussão “ética e axiológica”. “Antes de produzir legislação, é necessária uma profunda sensibilização sobre as questões fundamentais”, alertou. Admitindo que a hesitação em volta destas matérias é “compreensível”, dado não estar estabelecido nenhum consenso, o Bastonário frisou, contudo, que “não nos devemos deixar manietar pelo jurídico, nem pelo fortíssimo poder da moda”. Nesse sentido, criticou as tendências da sociedade actual, que catalogam certas posições como “progressistas” ou como “retrógradas”. “Não são os católicos, curiosamente, que têm o céu por limite”, observou. Lembrando que “nem sempre se pode ir ao encontro da vontade das pessoas” em matéria legislativa, Rogério Alves disse que o estatuto do embrião merece uma discussão séria e que a sociedade “deve aprender com as lições da História” no que diz respeito à manipulação genética, mesmo para fins eugénicos. “Quem é que controla as possibilidades da ciência?”, questionou. Nesse sentido, este responsável afirmou ser fundamental “pugnar para que a vida humana continue a ser desenvolvida no quadro de um projecto familiar”, alertando relativamente a aberturas da lei “manifestamente perigosas”. Lóbis financeiros Michel Renaud, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, chamou a atenção dos presentes para “o lóbi financeiro que envolve a problemática da vida”. Falando da sua experiência no CNECV, este especialista em ética assegurou que os problemas relacionados com o princípio e o fim da vida são os que suscitam “maiores divisões”. Conscientes da ausência de consenso, os legisladores não podem, contudo, ignorar que “há opiniões melhores e opiniões piores”, evitando cair numa “ética do mínimo denominador comum”. Relativamente ao estatuto do embrião, “o grande problema”, Michel Renaud defende que a pessoa humana não se entende “às fatias” e que o conceito de pessoa “escapa a uma abordagem meramente biológica”. “A pessoa é um devir contínuo e o embrião deve ser visto à luz da totalidade do desenvolvimento da pessoa”, assinala. O próprio embrião em estado de congelação deve ser olhado nesta perspectiva, “embora ainda não tenha tido tempo nem condições para manifestar as suas potencialidades”. Assim, os problemas que actualmente se levantam na sociedade portuguesa não podem ser resolvido “sem evocar os direitos futuros da criança que vai nascer”, conclui o conselheiro do CNECV.


Eutanásia/Bioética