Críticas ao Blue Card e à «fuga de cérebros» no debate de eurodeputados sobre migrações e o futuro da Europa
Utilizar os países de origem das migrações para recrutar a mão-de-obra qualificada e os melhores quadros não é compatível com o discurso europeu. Três eurodeputados de diferentes partidos políticos criticaram essa proposta, em estudo nas estruturas da União Europeia, durante os trabalhos do VIII Encontro de Apoio Sócio Pastoral das Migrações, que termina Domingo, em Fátima.
Ana Gomes (PS), Ilda Figueiredo (PCP) e Ribeiro e Castro (CDS), participavam num debate sobre “Os Migrantes e o Futuro da Europa”, que ficou marcado pelas opiniões acerca do “blue card” e o Tradado de Lisboa.
Dotar alguns cidadãos dos países de origem das migrações desse cartão azul, que lhes daria especiais condições de permanência nos países da União Europeia “não é compatível com um discurso de abertura e tolerância” que marca a Europa. Para Ana Gomes, o “blue card” “coloca imensas contradições”. A eurodeputada do PS sublinhou que é desses, dos mais qualificados, que os países mais pobres precisam.
Frontalmente contra esta proposta, que visaria recrutar 20 milhões de trabalhadores qualificados até 2030, Ilda Figueiredo denunciou o que condenaria os países pobres a continuarem “condenados ao atraso”. “Uma política de solidariedade não é esta”, referiu a eurodeputada do PCP, desafiando as estruturas europeias a fazer o contrário: “que a Europa dê o que de melhor tem para ajudar a África a desenvolver-se, sem o espírito neocolonial para lá ir buscar as suas riquezas”.
Ribeiro e Castro considerou essa proposta uma “tentativa de desnatação da imigração”. O eurodeputado do CDS referiu que “a Europa não pode ter uma política de sugar esses recursos humanos qualificados”. Tratar-se-ia de uma “imigração imoral” que “não pode ser aceite. Para Ribeiro e Castro, é tão negativo colocar um selo que desqualifique a pessoa humana como para considerá-la superior em relação aos seus concidadãos.
Cimeira EU-África
Céptica em relação às conclusões da cimeira EU-África, Ana Gomes disse que “preferia que a Europa empenhasse o dinheiro que gastou na cimeira na resolução de conflitos como o do Darfur”. Mesmo admitindo que desse encontro saíram perspectivas de trabalho tendo em vista a cooperação de estruturas europeias que trabalhem pelo desenvolvimento dos países africanos, nomeadamente no que diz respeito à observância dos direitos humanos e à regulação das estruturas governativas locais, a eurodeputada do PS admitiu que a cimeira, nas questões das migrações, “esteve muito dominada por uma perspectiva securitária que não pode ser a que domina a gestão do fenómeno das migrações”. Ana Gomes insurgiu-se mesmo contra quem “explora politicamente o fenómeno das migrações” fomentando um “discurso xenófobo e anti-imigrante”.
Sublinhando a tradição solidária, a eurodeputada sugere que a “Europa pode fazer a diferença pela tolerância, pela convivência pacífica, pela resolução dos grandes desafios que vivemos.” O que redundará em benefício para cada um dos Países.
Ribeiro e Castro inclui na análise ao futuro da Europa questões como o alargamento, a existência de políticas económicas proteccionistas de cada Estado, a coerência com o projecto europeu fundante (que foi uma promessa de paz e hoje os europeus vêm crescer problemas de segurança interna, de criminalidade, de instabilidade laboral).
Tratado de Lisboa
Para Ilda Figueiredo, a Europa de hoje é uma Europa de contradições, com discursos de prosperidade, por um lado, e as estatísticas da pobreza e do desemprego a aumentar, por outro. E com tendência a agravar, porque o Tratado de Lisboa não dá resposta a esses problemas. Para Ilda Figueiredo, o Tratado de Lisboa aprofunda os caminhos do neo-liberalismo, abrindo espaços a um maior centralismo”. “Esta consciência dos líderes é tão grande que não querem ouvir o povo, querem ratificar o tratado sem ouvir o povo”.
Ribeiro e Castro condenou o que chamou “demofobia”, lamentando que os líderes da Europa tenham “partido para este Tratado com medo do povo”. O Eurodepudado do CDS defende a necessidade da consulta popular, ratificando o Tratado de Lisboa através de um referendo. “Fazia falta à Europa ouvir o povo”. O receio de se repetirem baixas participações nas urnas não deveria ser argumento porque, refere, “as eleições europeias são menos participadas” do que os referendos.
A fraca participação no referendo é um dos argumentos avançados por Ana Gomes para a ratificação parlamentar. Depois, a possibilidade de o Tratado “não passar” na consulta popular e o efeito que isso causaria nos restantes países da União. “Se tivesse dois ou três anos para debater o assunto e se tivesse a noção de que o referendo em Portugal não tinha consequências nos outros países, manteria o referendo e o PS respeitaria a promessa”.
Ana Gomes defendeu a necessidade do Tratado “entrar em vigor quanto antes” e acentuou a diferença em relação à Constituição Europeia: “não dá o passo federalizante”.