Nacional

Exposição sobre S. Sebastião

D. Carlos A. Moreira Azevedo
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Dossier de Imprensa deste evento que está patente ao público, em Santa Maria da Feira, de 19 de Fevereiro a 13 de Março.

Para assinalar a comemoração dos 500 anos da festa das Fogaceiras, em honra de São Sebastião, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira promoveu a exposição de arte e piedade, intitulada “O Mártir, corpo ferido na árvore”, patente na Igreja da Misericórdia da referida cidade até ao dia 13 de Março. O evento assume nível nacional, dada a qualidade do projecto e por incluir as obras do Alto Minho ao Algarve, que melhor desenvolvam a temática definida. A concepção do itinerário expositivo e a selecção das obras deve-se ao Comissário do evento, Carlos Moreira Azevedo, professor de arte cristã da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e Presidente da Associação Portuguesa dos Museus da Igreja Católica, já com experiência demonstrada em iniciativas semelhantes, bastando lembrar a maior exposição de arte religiosa até hoje realizada em Portugal, na Alfandega do Porto, no ano 2000, da qual também foi Comissário Geral. Acresce o facto de ser natural das Terras de Santa Maria da Feira. Dirigiu uma equipa que teve na execução o Museu Convento dos Lóios, chefiada pela sua Directora pela Dr.a Ana José Oliveira. O projecto de arquitectura, ousado e criativo para o espaço de uma Igreja, deve-se à experiência das arquitectas Alexandra Borges e Sandra Correia da Silva, sendo a primeira habitual colaboradora nas exposições dirigidas por Carlos Azevedo. Procedeu-se a um levantamento do culto, através de um inquérito lançado a todas as paróquias do país e que obteve 1385 respostas, equivalente a 31,7 % do total existente. Destas, apenas 309 deram resposta negativa acerca de algum testemunho de culto a São Sebastião, o que confirma o enorme impacto do Mártir na devoção portuguesa. Calcula-se que existirão perto de 2000 imagens do santo. Apesar da quantidade, o carácter repetitivo das figurações de São Sebastião – braço para cima, braço para baixo, flechas e sangue q.b., em corpo mais ou menos elegante – exigia imaginação e muita procura para conseguir obter uma recolha diversificada, de qualidade, pedagógica, identificando variantes e estabelecendo um programa com leitura interessante e coerente para o visitante ou para o leitor do catálogo. Colaboraram para o empréstimo de obras 47 entidades: 4 Museus Nacionais, 4 Museus Regionais, 2 instituições dependentes do IPPAR, 4 Bibliotecas, 2 Câmaras Municipais, 1 Arquivo, Paço Episcopal de Faro, Cabido da Catedral do Porto, 18 paróquias distribuídas por 10 dioceses e finalmente 10 coleccionadores particulares. É constituída por 67 elementos, que correspondem a 82 espécies, uma vez que há duas séries constituídas por vasto conjunto. Integra o acervo exposto uma grande variedade de tipologias artísticas e documentais: 17 esculturas (do século XV ao XXI), 23 pinturas (do século XVI ao século XIX), 5 marfins, 5 obras de ourivesaria (do século XV ao XVIII) e 2 metais, 5 têxteis, 4 gravuras, 6 manuscritos e 11 livros. O percurso da exposição articula-se em três núcleos: raízes do culto, árvore da vida e florilégio de devoção. No átrio, ao lado de um mapa de Portugal com pontos a assinalar os locais com culto de São Sebastião, está um computador disponível para consulta com registo de todas as imagens que os párocos enviaram, em resposta ao inquérito realizado. 1. Raízes do culto Neste primeiro breve núcleo evocam-se as raízes de um culto tão alargado ao Mártir. Momentos de particular aflição humana foram as horríveis pestes, desde a Alta Idade Média. Impedidos de encontrar remédio imediato para as flechas da epidemia a cravar-se nos corpos, apesar dos esforços da medicina medieval (expõem-se receitas de remédios do século XV e um tratado do século XVII), os olhares do povo cristão fixaram-se na figura de S. Sebastião. O mártir acolheu a força de Deus no dom de resistir e vencer o flagelo que lhe atingiu o corpo. O sucesso da sua intercessão em Pavia (680) e em França, no século IX, constituem os primórdios de uma invocação, que seria alargada por ocasião das pestes medievais. Outras figuras, pelo testemunho da sua vida activa, como São Roque (novena e imagem), curado da ferida pestífera na sua perna, São Carlos Borromeo (imagem), zeloso no socorro aos empestados da sua diocese, além de Santa Rosália (vida em português) e de diversos santos, entram na afeição dos crentes, como sinais da vitória de Deus patente no amor-serviço, disponível para enfrentar os males. Construíram-se capelas (processo da capela de Campelo-Baião, 1717), criaram-se irmandades e mordomias por todo o país (Estatutos de três instituições: Coimbra, Louredo - Feira e Ponte de Lima) para manter viva a gratidão ao Mártir. Cuidaram da árvore, regando as raízes da confiante devoção. Também o voto dos cristãos de Santa Maria da Feira, feito a Deus por intercessão de S. Sebastião, documentado desde o século XVI, prometia a celebração da festa se, passada a angústia, de novo o pão tivesse o sabor doce da fogaça. 2. Árvore da vida Montado no corpo da Igreja, o núcleo intitulado “árvore da vida” recolhe três sectores: 1. A identificação do Mártir com Cristo. A árvore da cruz é árvore da vida. O mártir cristão é seguidor de Cristo na plenitude do dom da vida. Também a identidade artística entre Cristo e Sebastião é evidente na dimensão formal do corpo: despojado das vestes e preso à coluna ou ao madeiro, nas chagas (frequentemente as setas são cinco), no montículo rochoso qual evocação do Monte do Calvário e na resistência e vitória sobre o sofrimento. Rodeia a excepcional imagem de Cristo crucificado do século XIV (Corpus Christi, de Gaia, invocado nas pestes), o ciclo da vida do Mártir mais desenvolvido em Portugal (Tavira), constituído por uma série de dez pinturas do século XVIII. 2. O martírio das setas é o momento preferido como síntese de todo o itinerário sebastianino testemunhal de fé cristã. Este episódio adapta-se à escultura com facilidade. Entre a abundância de imagens existentes em Portugal, privilegiaram-se as possíveis variantes: cabeça tonsurada ou cabelos fartos; rosto barbudo ou imberbe; mãos atadas atrás das costas, presas por cima da cabeça ou dispostas em diagonal; vestido como cavaleiro, com calças ou semi-nu; sereno ou contorcido. 3. Os ciclos da vida, sobretudo na pintura, ilustram os vários momentos a vida do santo. Entre os inícios do século XVI e o século XXI criaram-se formas para perpetuar a memória dos feitos do Mártir. A mentalidade patente nestas obras evoluiu de acordo com a sensibilidade e experiência dos artistas e dos clientes de obras de arte. Como se escreve no texto de abertura deste núcleo: “Entra agora em diálogo com quem observa e se interroga sobre o sentido do sofrimento que nos fere, da doença que nos atinge, das lutas contra os males que nos perturbam”. 3. Florilégio da devoção Subindo ao coro da igreja, o visitante depara com testemunhos da devoção, de festas públicas e de intimidades expressas em sinais de afeição grata e confiante. Aqui se evocam as festas, preparadas por novenas (apenas se conhece uma), alimentadas por sermões (sete de diferentes épocas), celebradas em cortejo processional cadenciado por andores (um andor, decorado com flores do Museu do Papel, encimado por rara imagem na qual a condecoração vermelha, geralmente de tecido, foi adoptada pelo escultor) e bandeiras (três de diversas tipologias). Quer a música (gradual composto no século XVIII), quer os paramentos (casula com bordado de São Sebastião) emprestam beleza e cor à solenidade. O concurso das várias artes servia a glorificação do Mártir: os preciosos relicários (3), os refinados marfins (5), as pequenas imagens de vulto dos oratórios (4), os ingénuos ex-votos (Vale de Cambra) e os difundidos registos de santos em latão (1) ou em papel (3), entre tantos pequenos memoriais de reconhecimento. Ao terminar este percurso com a pintura do século XVI, proveniente do Palácio Nacional de Sintra, com S. Sebastião representado pela figura do rei D. Sebastião, sugere-se a identificação do devoto com a vida do mártir, no episódio de libertar os presos. Se o mártir segue Cristo, o fiel que celebra Sebastião quer imitar a sua resistência e fortaleza a favor da verdadeira liberdade. Para perpetuar o evento foi produzido um precioso catálogo com cerca de 150 páginas, que inclui além das fotografias de todas as obras, estudos de 10 especialistas das várias áreas dos materiais reunidos. Apostar numa exposição como a que hoje se inaugurou é um verdadeiro gesto cultural, que ultrapassa muito o carácter efémero da montagem e de quem usufruir do prazer de a visitar. Esta iniciativa promoveu a investigação, valorizou o património ao aprofundar o seu sentido mais profundo, alimenta a memória colectiva da comunidade, proporciona o gozo da beleza, a fruição do espírito tão necessária à alma contemporânea. A exposição está aberta até ao dia 13 de Março, com o seguinte horário: Segunda asexta: 10h – 18,30 h; Sábado e domingo: 15-18,30 h.


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