Nacional

Fé e Cultura

D. Manuel Pelino
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Em finais de Dezembro passado, quando se escolhiam personagens que tinham marcado o ano, o conhecido historiador e articulista Pacheco Pereira, que sempre procuro ler, escrevia no jornal "O Público" que o actual Papa Bento XVI, pela sua profunda cultura não só filosófica e teológica mas também de âmbito geral, estava a colocar a reflexão cristã no centro do debate público de o­nde ela estava, observava, há muitos anos afastada. De facto, como esclarecia Pacheco Pereira, o pensamento cristão que havia sido, na história cultural da Europa, uma presença marcante e um pilar do património de valores morais, fora depois combatido e recusado pela Revolução francesa e pela dominação ideológica do marxismo. Neste momento em que é urgente solidificar a identidade cultural da Europa, a Igreja, a começar pelo Papa, procura ter um papel interventivo na construção da civilização europeia. Esta observação insuspeita, leva-nos a tomar consciência de que o diálogo do cristianismo com a cultura está na ordem do dia. Como referia a Exortação Apostólica "Evangelii Nuntiandi", em 1975, o drama da nossa época é a ruptura entre o Evangelho e a cultura. Na verdade, domina na nossa sociedade uma visão do mundo agnóstica, vazia e minadora do património religioso e ético. O Concílio Vaticano II abriu portas ao diálogo com a cultura e com outras religiões e colocou a teologia católica na vanguarda da reflexão académica. Preparou assim a Igreja para dar razões da esperança perante a sociedade. No entanto, os nossos católicos em geral continuam bastante débeis nos conhecimentos religiosos e na capacidade de testemunhar e transmitir a fé. A situação religiosa do mundo actual exige uma fé inteligente e esclarecida. De facto, para viver a fé num ambiente de relativismo generalizado e de muitas críticas e objecções ao cristianismo, baseadas geralmente na confusão, na ignorância e mesmo na má fé, os católicos precisam de ter convicções e capacidade de resposta. Precisam de conhecer o conteúdo e a fonte da sua fé e de a viver com abertura e diálogo. Deste modo, adquirirão capacidade para responder às acusações de obscurantismo e de alienação, inspiradas pela ideologia republicana e marxista. Se não lêem nem estudam, se não escutam a Palavra de Vida nem participam em momentos de formação, se não rezam nem celebram, não descobrem a beleza e a coerência da sua fé. O confronto com a descrença e com as objecções não vem apenas do exterior: surge na própria família e nos grupos de amigos. Tenho encontrado Mães que participam em grupos de preparação para o crisma ou em outros grupos de formação para se sentirem mais capazes de dar aos filhos razões sobre as realidades da fé. Esta preocupação pelo aprofundamento da experiência religiosa precisa de ser despertada em todo os fiéis. Esta situação pede aos párocos e às comunidades cristãs (paróquias e dioceses) o cuidado de proporcionarem aos fiéis possibilidades variadas de formação cristã: grupos da "lectio divina", cursos intensivos em momentos adequados, formação de animadores, participação na Escola Diocesana de Teologia (neste momento em pausa para revisão). A formação cristã é sempre global, integra a escuta da Palavra e a obediência da fé, a oração e a celebração. Mas a solidez da fé depende bastante das convicções que se alcançam através do estudo e meditação da mensagem cristã. Como escrevia o Doutor da Igreja, santo Hilário de Poitiers: "O estudo da vossa doutrina dispõe-nos para o sentido das realidades divinas e a submissão da fé leva-nos a superar o nosso conhecimento natural". D. Manuel Pelino, Bispo de Santarém


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