Nacional

Festas marianas em Sesimbra

A. Silvio Couto
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Apesar da incidência cristológica (por vezes mais popular do que teológica) à volta do Senhor Jesus da Chagas, Sesimbra (particularmente a Paróquia Santiago) tem uma vivência de índole mariana: Nossa Senhora do Carmo (Julho), Nossa Senhora da Boa Viagem (Agosto) e Nossa Senhora do Cabo Espichel (Setembro). No intervalo ainda podermos encontrar, no Castelo, a celebração de Nossa Senhora del Carmen, Nossa Senhora da Consolação, Nossa Senhora da Luz e (mesmo) Nossa Senhora da Atalaia... * Nossa Senhora do Carmo A devoção a Nossa Senhora do Carmo é muito antiga, tendo sido quase até ao início do ‘Estado novo’ a celebração mais emblemática da Ribeira de Sesimbra. Com efeito, era de tal dimensão que a família real se deslocava por via marítima e ficava por alguns dias na baía fronteiriça à vila. Nossa Senhora do Carmo era a padroeira do ‘Clube Sesimbrense’ a colectividade mais antiga em funções. No entanto, aquela devoção foi-se estiolando talvez pela maior incidência com que os marítimos (armadores e pescadores) foram olhando para o Senhor Jesus das Chagas. Não deixa de ser digno de nota que Nossa Senhora do Carmo ainda é hoje, ao nível mundial (veja-se a vivência na vizinha Espanha) a padroeira dos marítimos. A imagem de Nossa Senhora do Carmo está colocada ao culto na Capela da Santa Casa da Misericórdia num pedestal adstrito ao retábulo do altar-mor. Perante este destaque será sempre de considerar que foi grande a veneração que terá tido junto desta instituição caritativa. Por ocasião da celebração dos cento e cinquenta anos do ‘Clube Sesimbrense’, em Fevereiro de 2003, foi publicado um livro sobre a colectividade, referindo Nossa Senhora do Carmo como a sua padroeira. Daí nos surgiu a proposta de ser retomada esta celebração, sendo a dinamização acometida a quem fosse irmão/ã da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia. Desde Julho de 2003 se vem fazendo esta festa, atendendo às possibilidades e conveniências do ritmo pastoral da Paróquia de Santiago e da capelania da Misericórdia. Pé ante pé se tem estado a descobrir a identidade desta festa e a sua actualização no contexto mariano de Sesimbra... * Nossa Senhora da Boa Viagem Segundo dados fidedignos a devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem remonta à construção da Igreja de São Tiago na medida em que o altar e respectiva imagem revelam a vivência então existente, na incidência duma confraria, atestada pela decoração duma coluna (a segunda do lado esquerdo de quem entra) em frente ao altar onde encontramos a veneranda imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Por meados da década de 70 do século XX era feita uma procissão onde era integrada a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, que, juntamente com a imagem de São Tiago, fazia um percurso marítimo e/ou terrestre. Até que, em finais da década de 90, tentámos dinamizar a procissão, mesmo sem conhecermos aqueles respeitáveis antecedentes. Foi com base no grupo do ‘Apostolado do mar’ que esta procissão foi retomada. Alindar a imagem, preparar o espírito e conjugar os esforços foram aspectos aprimorados, tendo sempre em conta que procissões de devoção há muitas... A procissão em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem tem-se realizado (normalmente) na noite que antecede a celebração da Assunção de Nossa Senhora. Nesta fase a devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem uniu vontades e tentou conjugar participações mais ou menos com sabor popular. Assim desde o ano 2002 foram inseridos momentos de fado, olhando Nossa Senhora, o teor marítimo e as sensibilidades sesimbrenses. Em cada procissão tem-se procurado aproveitar o que de melhor foi feito no passado, conjugando com as marés (tanto do calendário como das pessoas) do entendimento e da fé... * Nossa Senhora do Cabo Espichel No último domingo de Setembro celebra-se Nossa Senhora do Cabo, rumando as gentes de Sesimbra ao santuário no promontório do Cabo Espichel. Esta festa é como que o ‘círio de Sesimbra’, numa reminiscência de outros que afluíam àquele santuário. Como festa de gente ligada ao mar esta de Nossa Senhora do Cabo torna-se um momento de descanso e de confraternização. Em tempos as casas de hospedaria em volta do santuário serviam de lugar de acolhimento aos peregrinos. Ultrapassadas certas vicissitudes do pós-revolução (tendo essas casas sido ocupadas por alguns), espera(va)-se a continuação do embelezamento renascido da Igreja... para que os romeiros do Cabo possam (re)viver momentos de fé, de festa... como em tempos de antanho, agora em condições mais humanas e cristãs. De facto, a devoção a Nossa Senhora do Cabo é como que a segunda (a outra é reconhecidamente o Senhor das Chagas) mais representativa dos pescadores de Sesimbra, tendo em conta que nas horas de aflição ali perto no mar é a Ela que recorrem e/ou agradecem. Desta forma tudo quanto se faça em favor da renovação desta festa no espírito sesimbrense será lavar a alma de todos quantos tentam harmonizar a tradição, a fé e a festa no regaço da Mãe. Neste sentido tem sido proposto um tríduo de preparação nos dias que antecedem imediatamente a data do último domingo de Setembro. Ainda sem grande rotina, este projecto poderá ser enriquecido com outros aspectos, tanto culturais e artísticos como religiosos. Em conclusão Em Sesimbra (sobretudo na ribeira, isto é, na Paróquia de Santiago) Nossa Senhora marca o ritmo dos meses de verão. Nas três festas abordadas há uma tónica comum: Ela é a protectora das gentes do mar. Assim estes se deixem envolver pelo escapulário de Nossa Senhora do Carmo, levar no barquinho em riste de Nossa Senhora da Boa Viagem ou no manto de Nossa Senhora do Cabo... rezando: ‘Tu podes és Mãe de Deus e deves és nossa mãe’! A. Sílvio Couto


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