Festival Terras sem Sombra em Almodôvar
Quarteto Arabesco desvenda versão histórica do Requiem de Mozart, na igreja do Convento da Conceição
O Festival Terras sem Sombra de Música Sacra prossegue a sua itinerância por alguns dos mais belos monumentos religiosos do Baixo Alentejo. Este Sábado, 20 de Fevereiro, às 21.30 horas, na igreja do convento de Nossa Senhora da Conceição, em Almodôvar, o Quarteto Arabesco interpreta o “Requiem”, de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), na versão para quarteto de cordas de Peter Lichtenthal (1780-1853). Depois de ter percorrido as sonoridades do mundo mediterrânico e da polifonia clássica e tradicional de Portugal, o Festival apresenta uma das obras supremas da música sacra no âmbito germânico, bem reveladora do génio artístico de Mozart, aqui interpretada com grande rigor histórico por um escol de músicos de formação europeia.
Este “Requiem”, correspondente à fase culminante da carreira do compositor vienense, foi realizado nos últimos tempos da sua vida, tendo ficado incompleto. Dois amigos muito próximos de Mozart, Joseph Leopold Eybler e Franz Xaver Süssmayr, encarregaram-se de finalizá-la, no intuito de proverem, com a receita daí resultante, à subsistência da viúva, Constanze, e dos filhos do mestre, Karl Thomas e Franz Wolfgang. Ao redor de 1816, um outro músico, Peter Lichtenthal, amigo de Karl Thomas Mozart e residente em Milão, transcreveu a peça para quarteto de cordas, de modo a facilitar a sua divulgação junto do público italiano.
Sem pôr de lado o respeito pelo espírito da obra original, Lichtenthal soube associar notavelmente a criação de W. A. Mozart ao gosto vigente em Itália, o que imprimiu um vigor extraordinário ao “Requiem” e lhe sublinhou a densidade espiritual, a um tempo dramática e lírica. É precisamente esta tensão primordial entre a vida e a morte que constitui o fio condutor da interpretação do Quarteto Arabesco, formado por Denys Stetsenko e Raquelo Cravino, violinistas, Lúcio Studer, violetista, e Ana Raquel Pinheiro, violoncelista, todos eles figuras marcantes das jovens gerações dos músicos de câmara em Portugal.
Fundado em 2003, o Festival Terras sem Sombra é uma iniciativa do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja e da Arte das Musas que decorre sob a égide da Direcção-Geral das Artes do Ministério da Cultura, tendo o apoio da Delta e de diversos municípios da região. O concerto em Almodôvar, um dos mais destacados da sexta edição da iniciativa, conta com a colaboração da Câmara e da Paróquia locais.
Um espaço com pergaminhos musicais
Fundado em 1680, o convento de Nossa Senhora da Conceição pertenceu à Ordem Terceira de São Francisco, sendo um notável exemplo da arquitectura do Barroco Final. A sua igreja singulariza-se pelo excepcional requinte do programa decorativo, fruto da estudada convergência entre a talha policroma, a azulejaria, a imaginária e a pintura. Depois de ter permanecido, durante longos anos, encerrado ao público, este monumento está a ser alvo de um intenso esforço de valorização e aguarda a aprovação de uma candidatura para a sua requalificação.
A antiga comunidade do convento da Conceição, fazendo justiça à tradição musical dos frades franciscanos, cultivou intensamente a polifonia e manteve uma aula de música. Desse tempo áureo da vida cultural de Almodôvar resta, no coro alto da igreja, um magnífico órgão, encomendado na primeira metade do século XVIII em Hamburgo, na Alemanha. Com a extinção do cenóbio de Almodôvar, em 1834, desapareceu um dos mais influentes pólos musicais do Alentejo. Mas a realização do concerto numa igreja com condições acústicas brilhantes é um sinal do desejo de recuperar a tradição perdida.
Em busca da verdade histórica na interpretação
O Quarteto Arabesco evidencia-se como um agrupamento pioneiro pela sua abordagem original do mais variado repertório. Está especializado em interpretações historicamente informadas, em instrumentos da época, de obras dos períodos barroco e clássico. O seu trabalho de procura de uma interpretação cada vez mais autêntica tem sido seguido e orientado por grandes mestres como Enrico Onofri, Alfredo Bernardini e Richard Gwilt. Tem-se igualmente apresentado em instrumentos modernos, interpretando música dos mais variados quadrantes, desde o flamenco e o fado até à música contemporânea.
Denys Stetsenko, natural da Ucrânia, cresceu numa família de tradição musical. Iniciou os estudos de violino aos seis anos. Reside em Portugal desde 1995. Estudou na Academia Nacional Superior de Orquestra e na Escola Superior de Música de Lisboa onde concluiu o Curso de Licenciatura em Violino.
Raquel Cravino nasceu na Covilhã e começou os estudos artísticos no Conservatório Regional de Música desta cidade, continuando-os na Escola de Artes da Beira Interior e na Academia Nacional Superior de Orquestra. Actualmente lecciona violino e “tutti” no Conservatório Metropolitano de Música de Lisboa e no Conservatório Nacional.
Lúcio Studer estudou no Conservatório Nacional e na Academia Nacional Superior de Orquestra. Continuou a formação em Espanha com Igor Soulyga e nos Países Baixos, onde frequentou o Conservatório Real de Haia e o Conservatório de Roterdão. Foi premiado no concurso da Juventude Musical Portuguesa.
Ana Raquel Pinheiro estudou na Escola de Artes da Beira Interior, na Escola Superior de Artes Aplicadas e na Escola Cívica de Milão, onde aperfeiçoou a formação no âmbito da técnica do violoncelo barroco sob a orientação de Gaetano Nasillo, como bolseira da Fundação Gulbenkian. Lecciona Violoncelo na Academia de Música de Santa Cecília, em Lisboa.
Música Sacra