Igreja/República: Fátima foi espaço de reconfiguração da «consciência católica»
Jornalista LÃcinio Lima vai publicar investigação sobre este perÃodo histórico
Lisboa, 05 out 2017 (Ecclesia) - O jornalista Licínio Lima levou a cabo uma investigação sobre a relação entre as aparições de Fátima e a República, no início do século XX, sublinhando a afirmação da Cova da Iria como polo reconfigurador do catolicismo.
“Os republicanos viram em Fátima um centro contra a República”, refere o autor, em entrevista à Agência ECCLESIA, que pode ser vista hoje na RTP 2, pelas 15h00.
O jornalista recorda que em 1917 surge um partido fundado em Braga, o Centro Católico Português, que apoia a política do ‘ralliement’ do Papa Leão XIII, num espírito de “colaboração”.
Nesse período, a afirmação progressiva dos acontecimentos da Cova da Iria provocou reações, desde logo do administrador de Ourém, Artur de Oliveira Santos, que impediu que os Pastorinhos estivessem na Cova da Iria, a 13 de agosto de 1917.
“A partir de 13 de outubro de 1917, os pastorinhos desaparecem do panorama. A partir daí, começa-se a falar dos milagres que ali acontecem, da afluência das pessoas e do ambiente que ali se gerou”, assinala o entrevistado.
Licínio Lima recorda que as Aparições acontecem “num contexto anticlerical, que já vem de trás”, sublinhando a influência do ideário iluminista e racionalista na criação de um “clima de desconfiança” relativamente à Igreja Católica e ao seu clero, apontados como “grandes culpados” do atraso do país.
O autor do livro ‘Senhora da República’, que vai ser publicado nas próximas semanas, recorda que entre 1820 e 1910 o catolicismo não deixou de ser a religião oficial de Portugal, situação que mudou a partir da implantação da República, a 5 de outubro, com uma profunda alteração das relações Igreja-Estado.
“Isto afetou muito a consciência católica, não só os intelectuais, mas sobretudo o povo, que deixou de ser livre na sua forma de viver a fé”, assinala Licínio Lima.
A situação de tensão teve um momento particularmente relevante em 1924, quando a proibição da peregrinação a Fátima no 13 de maio foi contestada, em particular no jornal católico ‘Novidades’.
O Governo promoveu ainda, na mesma altura, o encerramento da igreja de Santa Joana em Lisboa, com um leilão de todos os objetos do culto que ali existiam.
Estima-se que tenham estado então 150 mil pessoas na Cova da Iria, numa reação ao “ambiente anticlerical”, que “esfacelava a identidade da nação”, observa Licínio Lima.
“A República depois acabou, morreu, porque foi um período de 16 anos em que houve 45 governos, completamente caótico, com a I Guerra Mundial”, acrescenta.
Numa fase inicial, o grande eco das Aparições foi oferecido pela imprensa com posicionamento contrário à Igreja, que criticava abertamente Fátima e possuía um maior raio de difusão, centrando na Cova da Iria a ação de uma visão política antirreligiosa.
Em agosto, antes da quarta aparição, o jornal ‘O Mundo’ escrevia já contra os acontecimentos da serra d’Aire; a 26 de outubro de 1917, o jornal ‘O Mundo’, na sua rubrica Livre Pensamento, publica o projeto de manifesto contra Fátima, da Comissão de Propaganda da Associação do Registo Civil.
A 2 de dezembro de 1917 surge uma Folha panfletária contra Fátima, editada pela Associação do Registo Civil e Federação Portuguesa do Livre Pensamento, com referência explícita ao Milagre do Sol.
A 6 de março de 1922, a Capelinha das Aparições seria dinamitada.
HM/OC
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