Nacional

Passos seculares em Alenquer

Luís Filipe Santos
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Durante o mês de Março, Alenquer foi palco de várias iniciativas de âmbito religioso e cultural que assinalam os 350 anos da Irmandade de Santa Cruz e Passos de Alenquer. A Procissão do Senhor dos Passos é pela sua história e sobretudo pelo seu vincado cunho espiritual um dos acontecimentos mais importantes do panorama religioso, mas também cultural do Concelho. Celebrando-se ininterruptamente desde há vários séculos, é a mais antiga tradição religiosa da Vila de Alenquer que ainda se mantém viva, actualizando no tempo presente os grandes Mistérios da Fé Cristã. Perde-se nos tempos a origem das celebrações penitenciais da Quaresma, período de quarenta dias que antecedem a Páscoa. Às grandes celebrações litúrgicas oficiais deste período, contrapôs-se o dramatismo e a teatralidade das celebrações extra-litúrgicas, sobretudo das procissões quaresmais, ligadas historicamente ao aparecimento das ordens mendicantes no século XIII, em particular aos Franciscanos. De forma pedagógica, tentavam aproximar o povo dos grandes mistérios da Fé, com a encenação do Presépio, da Via-Sacra e de autos sacros. Mais tarde, nos séculos XIV e XV, multiplicaram-se também os cortejos de penitentes que praticavam a auto-flagelação. É nestes antigos ritos que radicam as procissões quaresmais portuguesas. É no contexto político religioso do Portugal de finais do século XVI que devemos situar a origem da Procissão dos Passos de Alenquer, embora com raízes nas antiquíssimas devoções a Cristo Crucificado instituídas no convento de São Francisco desta Vila, o primeiro da ordem franciscana em Portugal. A notícia mais antiga sobre a Procissão dos Passos de Alenquer e sobre uma irmandade a ela ligada data de 1656, quando a Irmandade do Santo Crucifixo do Convento de São Francisco, de Alenquer faz uma petição à Câmara para que passasse a caber à Irmandade a organização da Procissão dos Passos, já então plenamente enraizada na piedade alenquerense. O período de crescente instabilidade política e social verificado após a revolução liberal de 1822 e sobretudo a extinção das ordens religiosas, em 1834, e consequente dissolução da comunidade franciscana de Alenquer, terá afectado seriamente a Irmandade e as celebrações anuais dos Passos do Senhor. A implantação da República em 1910 vai desferir um rude golpe na centenária tradição dos Passos de Alenquer, ficando proibidas todas as manifestações de culto externo. A Irmandade passa então a celebrar os Passos do Senhor no interior da igreja de São Francisco, embora sempre com grande aparato. O desanuviamento do clima anti-clerical a partir de 1921, permite que a Procissão regresse à rua, mas apenas confinada ao adro da igreja de São Francisco e, em 1924, até ao largo da Câmara. Com a mudança política ocorrida em Maio de 1926, a Procissão da Quaresma de 1927 é organizada por um conjunto de fiéis, que estavam ainda ligados à antiga Irmandade dos Passos. No ano seguinte, há um abaixo-assinado para que a procissão retome o seu percurso original e desça à Vila Baixa, reduto tradicional dos meios republicanos. Mas, talvez com receio de conflitos, que a memória e a tradição oral registaram, a Procissão continuará confinada às ruas da Vila Alta, até 1936. Novos tempos viriam: para não deixar morrer a celebração anual dos Passos do Senhor e dando continuidade a uma longa tradição, a família Carmo assegurará a realização da Procissão. Isto permitiu que ao longo das décadas de quarenta e cinquenta do século passado a Procissão dos Passos de Alenquer ganhasse novo vigor. No início da década de sessenta, com a situação estabilizada, o então Prior de Alenquer, Pe. Luís Maurício, entendeu que deveria caber à Paróquia a organização da Procissão. Hoje, 350 anos volvidos, a organização da Procissão é assumida pela Irmandade de Santa Cruz e Passos de Nosso Senhor Jesus Cristo de Alenquer. As Procissões dos Passos têm no Concelho de Alenquer uma importância excepcional. Estas surgiram "à sombra" dos velhos conventos franciscanos - São Francisco, em Alenquer, Santo António de Charnais, na Merceana, e Nossa Senhora da Visitação, em Vila Verde dos Francos. A Procissão de Aldeia Galega, começou somente cerca de 1930. A devoção ao Senhor dos Passos passou necessariamente, para a intimidade e recolhimento das casas alenquerenses, em registos e gravuras com o verdadeiro retrato do Senhor dos Passos, em esculturas devocionais de sabor popular, ou em imponentes oratórios.


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