Nacional

João Paulo II tinha uma relação constante com os jovens

D. Alfio Rapisarda
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Homilia do Núncio Apostólico na Igreja dos Jerónimos

É com sentimentos de sincera comoção que a Nunciatura Apostólica, a Representação Pontifícia da Santa Sé em Portugal, se associa hoje á comunidade eclesial do Patriarcado de Lisboa para prestar homenagem ao Santo Padre o Papa João Paulo II, com esta celebração eucarística, e para agradecer ao Senhor pelo dom deste grande Pontífice, que durante tantos anos guiou a Igreja com exemplar dedicação e «como verdadeiro modelo do rebanho» (1Pe 5,3), em benefício de todos. Em nome do Patriarcado de Lisboa e da Nunciatura Apostólica, saúdo e agradeço cordialmente a todos vós aqui presentes, que amavelmente aceitastes o nosso convite para esta manifestação de fé, em sinal de estima e de devoção – é assim que o interpreto – pela pessoa do Romano Pontífice. Agradeço ao Excelentíssimo representante do Governo, Sr. Dr. Pedro Silva Pereira, Ministro da Presidência; ao Excelentíssimo representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Sr. Dr. António Braga, Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas; ao Sr. Embaixador Rui Quartin Santos, Secretário–Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros; ao representante do Patriarcado Ecuménico Ortodoxo; às distintas autoridades e altas personalidades presentes. Agradeço aos Excelentíssimos Embaixadores acreditados em Lisboa. Aos Ex.mos representantes das várias confissões religiosas. Às instituições diocesanas: o Cabido dos Cónegos, o Conselho Presbiteral, as Vigararias e os Párocos, os seminários. Aos irmãos no sacerdócio, aos institutos religiosos masculinos e femininos, às associações e movimentos eclesiais e a todos os irmãos e irmãs em Cristo. Diz-nos a Bíblia que«o justo terá memória eterna» (Sl 112,2). Esta afirmação aplica-se bem ao Papa João Paulo II, que hoje recordamos, por tudo o que Ele foi, durante a Sua vida terrena, e por tudo o que Ele fez pela Igreja e pela humanidade com o Seu intenso e dedicado ministério. Garantindo que a memória do justo será eterna, a Bíblia diz-nos também, com as palavras de S. Paulo, que o justo vive da fé (cf. Rom 1,17) e que praticar a justiça significa pensar e agir conforme a vontade de Deus, fazendo e promovendo o que é justo, o que pertence e é devido aos outros, para que cada ser humano se possa sentir respeitado na sua dignidade e possa reflectir a imagem que é do próprio Deus, Que o criou à Sua semelhança. Por isso reconhecerá ainda S. Pedro «que Deus não faz acepção de pessoas mas que todo aquele que O teme e põe em prática a justiça Lhe é agradável» (Act 10,34). O Papa João Paulo II foi um homem justo, no sentido bíblico, pois viveu integral e coerentemente a Sua fé em Deus e o Seu amor ao próximo, manifestado no serviço quotidiano à Igreja, sob a protecção constante de Nossa Senhora a Quem carinhosa e significativamente chama, no Seu testamento, «a Mãe do meu Mestre». Era bem conhecida a filial e terna devoção do Papa a Nossa Senhora tendo-Lhe dedicado a Sua própria pessoa e o Seu pontificado. No Seu brasão pontifício, no ângulo formado por uma grande cruz, quis que fosse colocada a letra M de Maria e, por baixo, a frase, tão eloquente, «totus tuus», que quer dizer: «Sou todo Teu, Maria!». Profundamente convencido de que foi Nossa Senhora de Fátima Quem Lhe salvou a vida no terrível atentado de 13 de Maio de 1981, tendo vindo ao Seu Santuário um ano depois, confessou publicamente aos peregrinos aí reunidos: «Vim como vós, de terço na mão, com o nome de Maria nos lábios e o cântico da misericórdia de Deus nas coisas grandes». Desde então, uma relação especial, direi mesmo privilegiada, ligou o Papa João Paulo II e Fátima, o Vaticano e Portugal. E assim, quando chega ao termo da Sua viagem terrena, o Papa João Paulo II deixa, a 2 de Abril, este mundo, num primeiro sábado, o dia que a devoção de Fátima dedica expressamente a Nossa Senhora. Distinta assembleia e caríssimos irmãos em Cristo. Nos dias que passaram ficámos surpreendidos pela universal, direi mesmo, irreprimível emoção que o doloroso desaparecimento do Romano Pontífice suscitou e pelo coro unânime de estima e de respeito que Lhe foram tributados. Vimos todos nesta grandiosa manifestação de solidariedade uma demonstração de reconhecimento e de gratidão por Ele ter sido, no cumprimento da Sua missão, um Pastor da Igreja fiel a Deus e aberto e disponível a todos, com uma grande sensibilidade pelos problemas que afligem a humanidade. Alguém sublinhou que o Papa João Paulo II não esperou que fossem os outros a ir ter com Ele, mas foi Ele mesmo a ir ter com os outros, por todo o lado e pessoalmente, com as Suas constantes viagens pelo mundo, que lhe permitiram dirigir-Se a todos os homens, sem qualquer distinção, usando a linguagem do amor e falando ao coração e com o coração. «Cada viagem do Papa – disse Ele mesmo – é uma autêntica peregrinação ao santuário vivente do Povo de Deus. Nesta perspectiva, o Papa viaja apoiado, como Pedro, pela oração de toda a Igreja, para anunciar o Evangelho, para confirmar os irmãos na fé, para consolar a Igreja, para encontrar o homem» (Ao Colégio Cardinalício e à Cúria Romana, 26.6.1980). Também para a paz, problema e preocupação constante e tenaz do Seu pontificado, Se voltou e fez apelo directo ao homem, porque a paz é um fruto do amor que procede do profundo do homem. Por isso, a paz no mundo depende da paz que está dentro de cada homem que não a pode construir se antes não estabelecer a ordem dentro de si próprio. «Não existe paz – escreveu – sem um amor apaixonado pela paz. Não existe paz sem vontade indómita para alcançar a paz. A paz é uma edificação aberta a todos» (27.10.1986); por isso, «cada homem e cada mulher, seja qual for o seu papel na sociedade, pode e deve assumir efectivamente a própria parte de responsabilidade na construção de uma verdadeira paz» (17º Dia Mundial da paz, 8.12.2004). Dirigindo-se ao homem, de todas as classes e condições sociais, falou sempre da sua dignidade e da sua liberdade; fez sentir que até o mais pequeno dos seres humanos é importante e merece atenção e respeito em virtude da sua própria identidade humana; não se cansou de insistir no valor e na defesa da pessoa humana «por aquilo que é e não por aquilo que tem»; proclamou incansavelmente que a pessoa humana há-de ser o centro de toda a ordem civil e social e de todo o sistema de desenvolvimento técnico e económico; instilou coragem, esperança, fé e fê-lo com a única força de que dispunha: a do Evangelho, a de Jesus Cristo, para Quem reivindicou sempre, em todas as circunstâncias, o direito de cidadania, quando exortou, desde o início do Seu Pontificado: «Não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder!». Pediu também, na mesma conjuntura: «Ajudai o Papa e todos os que querem servir Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira!». Servir Cristo e, com Ele, servir o homem, foi esta a missão que caracterizou o Seu pontificado; uma missão de que Se sentiu investido e que levou a termo com responsabilidade consciente, mesmo nos períodos de grande sofrimento e de angústia que marcaram a Sua vida. Servir o homem «na plena verdade da sua existência, do seu ser pessoal e ao mesmo tempo do seu ser comunitário e social» (Redemptor Hominis). E para servir o homem não Se cansou de proclamar, com coragem e persistência, que Cristo é a chave, o centro e o fim de toda a história humana e que nós, os cristãos, somos chamados a operar, a amar e a conduzir-nos conforme nos ensina o Evangelho, mesmo no meio das dificuldades que a sociedade em que vivemos apresenta, na qual o homem nem sempre consegue atingir as suas aspirações. E neste Seu interesse pelo homem, o Papa teve sempre uma particular preferência pelos jovens, por constituírem eles o futuro e a esperança da Igreja e da sociedade. Sabemos que o Papa, em razão das condições de saúde que vinham piorando, nos últimos tempos cancelou todos os compromissos das Suas viagens, excepto um: o do Dia Mundial da Juventude, em Colónia, no próximo mês de Agosto. Renunciou a tudo, menos àquela viagem porque estava marcada com os jovens, com os quais manteve uma relação constante desde que era apenas padre. Logo que foi difundida a notícia do agravamento da Sua saúde, em finais de Março, adolescentes e jovens de todos os países e de todas as classes sociais mostraram o desejo de se porem a caminho para se reunirem à volta de um homem que, não obstante moribundo, O tinham como se fosse da sua terra segundo o coração. E durante mais de uma semana, os acampamentos nocturnos na Praça de S. Pedro, o clima de dolorosa espera, as orações fervorosas e os cantares de esperança foram o sinal claro de uma relação de simpatia, de confiança e de amizade que se haviam estabelecido entre eles e o idoso Pontífice. Mas o Papa não lhes propôs nunca um cristianismo facilitado nem um Evangelho acomodado às pressupostas exigências da modernidade e muito menos um Cristo de dimensões puramente humanas. Anunciou-lhes o Evangelho em toda a sua integridade e radicalidade e propôs-lhes um sistema de valores em tudo contrário àquilo que o mundo oferece hoje. Falou do respeito pela vida, da moral sexual, da castidade pré-matrimonial, da rejeição de estilos de vida e de modelos de comportamento que estão em contraste com a moral católica. E em vez de rejeitarem esta pedagogia exigente de rigor, os jovens acorreram em massa e espontaneamente a cada encontro e, ultimamente, a manifestar o seu apoio e o seu amor ao Papa que se apagava. E foram para os jovens, recolhidos na Praça de S. Pedro e nas circunvizinhanças, as últimas palavras do Papa moribundo, proferidas com dificuldade em voz débil e fatigada: «fui ter convosco; viestes ter comigo e por isso agradeço-vos». Faço-me eco desta última delicada saudação do Santo Padre, em fim de vida, para agradecer de modo particular aos caríssimos jovens de Lisboa que, aceitando o convite que me permiti fazer-lhes, aqui estão entre nós para participarem nesta celebração. A vós, jovens aqui presentes e a todos os jovens de Portugal por vós representados, digo: o Papa João Paulo II não morreu mas vive com Cristo, que Se proclama “a ressurreição e a vida”; sentimo-lo do Evangelho. O Papa continua a estar convosco, mas precisa de vós para Se fazer notar; precisa da vossa vida, orientada para os ideais que vos ensinou. Continuai a ouvi-Lo e a segui-Lo «todos ao mesmo tempo no caminho de Cristo! Todos ao mesmo tempo no caminho do amor», como Ele mesmo vos pediu num dos Seus encontros convosco, quando vos garantiu também: «Eu estou convosco! Sempre!» (30.3.1985). Distinta assembleia e caríssimos irmãos em Cristo. Com o Seu exemplo, o Papa diz-nos que a fé não é uma simples e abstracta adesão a Deus e que não pode sequer reduzir-se a cumprir somente actos de culto, mas deve reflectir-se no nosso comportamento e nas nossas relações com os outros, fazendo que ela seja fermento evangélico, susceptível de levedar a massa humana para que esta se torne verdadeiramente justa e fraterna. Olhando a vida de João Paulo II, vêm-nos à mente as palavras do profeta Miqueias, que nos dizem que o Senhor nos pede «nada menos do que praticar a justiça, amar os irmãos e andar com humildade diante de Deus» (Miq 6,8).


João Paulo II