O primeiro dia das Jornadas Teotonianas debruçou-se sobre a pessoa do Cónego Dr. Álvaro Dias, recordando o seu trajecto e o contributo que deu para o diálogo entre fé e cultura.
Encarregou-se da abordagem João Duque, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (UCP).
Este teólogo começou por manifestar quão grato lhe foi reavivar a memória grande de uma escola de Teologia à qual se orgulha de pertencer. Salientou que o nível cultural atingido pelos Seminários de Braga deve uma grande fatia ao contributo do Dr. Álvaro Dias.
Este sacerdote nasceu em Merufe, Monção, em 1913, vindo a ordenar-se em 1940. Estudou nos Seminários de Braga, onde se distinguiu por brilhante inteligência, sobretudo nas áreas da matemática e da filosofia.
Já em 1933, ao terminar a formação básica no Seminário, elaborou uma pequena tese sobre o conceito de tempo e espaço em Clarke, Newton, Kant e Leibniz.
As suas aptidões levaram-no a Roma, onde cursou filosofia, em que se formou, e onde iniciou o curso de teologia.
Devido a discussões políticas em pleno regime de Mussolini, foi expulso do Colégio Português, regressando a Braga, onde cursou os últimos dois anos de teologia, que terminou com a mais elevada classificação. De forma natural, foi logo nomeado professor de filosofia nos Seminários de Braga, cargo que desempenhou até à morte.
É nessa qualidade que a maioria do clero de Braga e Viana o recorda, relembrando com admiração a rara inteligência do mestre. Na qualidade de pregador, conferencista e orientador de retiros, recordam-no muitos leigos de toda a diocese, uma vez que percorreu quase todas as paróquias, dando formação cristã sobre os mais variados temas. Foi ainda professor no Liceu Sá de Miranda, marcando fortemente os alunos e os colegas.
Animou a Congregação do Intelectuais de Braga, onde era admirado e apreciado pela sua cultura vastíssima, ao estilo de «enciclopédia ambulante». Foi ainda vice-reitor do Seminário Maior e professor de Teologia Fundamental, nas cadeiras de Introdução à Teologia e Revelação.
Não tendo deixado muitos textos escritos — embora tenha publicado alguns densos artigos —, foi sobretudo homem da palavra e pedagogo. Nessa qualidade é que deve ser medido o seu contributo para o diálogo entre fé e cultura.
João Duque salientou que a sua actividade se enquadra no processo de ressurgimento do nível da formação cultural e teológica do clero português, a qual tinha sido muito debilitada ao longo do século XIX e com a implantação da República.
Tendo ido beber à Universidade Gregoriana a sua formação sólida, o Dr. Álvaro Dias permitiu à geração seguinte que essa solidez de formação fosse construída aqui em Braga. Tendo em conta que, nas circunstâncias sociais, o clero diocesano constituía um importante multiplicador cultural, é difícil avaliar a envergadura do seu contributo para a cultura portuguesa, sobretudo no Norte de Portugal.
Do ponto de vista teológico, o docente da Faculdade de Teologia manifestou a sua admiração pela forma ousada com que o Dr. Álvaro Dias assumiu os contributos teológicos da primeira metade do século XX, consolidados no Concílio do Vaticano II.
Logo aquando da realização do Concílio, já ele escreveu textos que manifestavam total consonância com a sua Eclesiologia e a sua visão da relação entre Igreja e cultura. Era defensor de que a missão da Igreja cabe a todos os cristãos, ordenados ou leigos, e que é uma missão no interior do mundo e das suas manifestações culturais.
A sua especial preocupação com a questão da cultura, numa perspectiva de fé — e com a questão da fé, numa perspectiva de relação à cultura — levaram-no a escrever um denso artigo sobre o conceito de cultura, na revista “Theologica” (de que foi director). Infelizmente só publicou a primeira parte desse estudo, que deixa adivinhar conclusões brilhantes.
João Duque terminou fazendo votos de que a actual geração, herdeira deste elevado nível cultural e teológico, consiga estar minimamente à altura de tão responsabilizante herança. Mesmo não sendo fácil, não pode ser infiel àquilo que pessoas como o Dr. Álvaro Dias construíram ao longo de uma existência dedicada à fé e à cultura.
As Jornadas Teotonianas, a decorrer no salão paroquial de Monção até sábado, dia 19, têm como tema “O pensamento cristão em geração de ouro monçanense”. Ontem à noite, Ernesto Português recordou Manuel Domingues Basto, que foi padre e jornalista, e o seu sentido do bem da comunidade.
Hoje, José Marques fala sobre Manuel Bernardo, que foi padre e investigador da história local. A conferência é apresentada depois das 21h00, e será antecedida da actuação do Coral Polifónico Lacedurium de Salvaterra (Galiza).