Campos de férias são oportunidade para descobrir o outro, ajudar quem sofre e descobrir o valor do voluntariado
Em férias, com os exames resolvidos, os jovens partem em busca da praia e dos festivais de Verão. De forma mais ou menos ousada, arranjam actividades para ocupar o tempo livre.
Um grupo de jovens que decidiu conhecer o mundo da saúde mental e trabalhar com doentes que a sociedade ignora. Em Barcelos, na Casa de Saúde da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, que se viveu uma experiência solidária para com pessoas sensíveis ao carinho dos jovens que participam nos campos de férias dos Irmãos de São João de Deus.
A casa em Barcelos dos Irmãos de São João de Deus, é uma instituição de grande importância no panorama da saúde mental. Este é o carisma desta ordem hospitaleira fundada pelo português São João de Deus. Esta é uma forma humana e sensível de descobrir no doente mental o próximo que pede carinho e compreensão. Foi este o desafio colocado aos jovens que periodicamente são desafiados por esta congregação religiosa para experimentarem a hospitalidade, convivendo e trabalhando com os utentes desta casa em Barcelos.
Os jovens chegam de todos os pontos do país e para grande parte, esta é uma novidade na sua vida, que no início se apresenta difícil.
O Irmão José Paulo, da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, explica que sendo a primeira vez que a maioria participa nestas iniciativas e trazendo expectativas, “partilham o gratificante que é de participarem nesta experiência, passado poucos dias do seu início”.
Liliana está a participar num campo de férias hospitaleiras. Recorda que no princípio sentia algum receio, porque “não sabia o que esperar”. Um receio na forma de “não saber como me dar às pessoas”, mas que rapidamente passou. “Eles sentem a nossa presença, o nosso carinho e apesar de lhes custar falar, fazem de tudo para dizerem «obrigado» ou fazerem um sorriso”.
Ana Cristina, integra também o projecto das férias hospitaleiras. “Tinha curiosidade para saber como seriam e já tinha interesse nesta área”, explica. Recorda que o primeiro impacto foi “complicado porque as pessoas são diferentes, mas depois habituamo-nos e a experiência corre bem”.
Adriana Carvalho, outra participante, afirma o quanto se sentiu útil por participar no campo de férias. “As pessoas apreciam o trabalho e gostam da nossa presença”.
Esta era uma realidade desconhecia, assim como as pessoas que integram o projecto das férias hospitaleiras. Chegados de diferentes pontos do país, rapidamente se criam laços de cumplicidade e alegria, essencial para o trabalho que desenvolvem com os doentes. Liliana acredita que sem os laços de amizade “o desempenho como equipa não seria o mesmo”.
Diogo Fernandes, participante nos campos de férias explica que se sente muito bem “por estar aqui a ajudar os outros. Vejo e faço coisas que não pensei fazer”.
A alegria e a boa disposição desafiava alguns jovens a repetir a experiência. É o caso do Tiago Pereira. “Ajudar o outro não faz mal a ninguém. É uma experiência inesquecível. Estamos com pessoas com quem habitualmente não lidamos, são pessoas com problemas concretos, mas que pode ser um de nós”.
A ajuda concretiza-se em diversos momentos. As refeições são uma oportunidade para os jovens interagirem, conversarem darem os alimentos, em gestos aparentemente simples, mas que são momentos de grande proximidade com os doentes.
Pedro Cunha é o enfermeiro responsável pela unidade de São Ricardo. É ele que zela pela medicação e cuidados de saúde mas reconhece ser muito importante a presença dos jovens. “Os doentes não precisam apenas de cuidados profissionais. Precisam também de cuidados familiares, amizade e de apoio e conversas diferentes que não se resumam a dar medicamentos ou a actos médicos”. Outra mais valia apontada “é o tomar consciência do que é a saúde mental, o que são as doentes e como são as pessoas”.
Carlos Violante prepara as prescrições, seguindo as indicações informatizadas. Carlos é enfermeiro e o coordenador da unidade de São José com 73 utentes com internamento prolongado e reconhece os efeitos positivos que os jovens exercem nos doentes. “A presença dos jovens é uma benesse para os utentes, que vêem sempre as mesmas pessoas, que conduz a uma ideia de família. Mas a vinda de pessoal de fora que os tira do mundo exclusivo de dentro da instituição e os leva para fora é importante”.
A concretização desta experiência passa também pela animação e convívio. Se no princípio os utentes são pouco expressivos, rapidamente mostram o seu contentamento com a presença dos jovens. Esta quebra na rotina, não é esquecida chegando mesmo a ser aguardada com impaciência. A estima é reconhecida pelos jovens que serve também de incentivo para experiências repetidas.
O Irmão José Paulo sublinha que o que salta à vista é a relação que une o jovem com o utente. “Os jovens vão descobrindo a grandeza de cada um que vive na instituição”.
José Carlos Coelho destaca-se na idade e na preparação académica. Uma licenciatura em Serviço Social motivou-o a conhecer de perto uma realidade que apenas conhecia pelos livros. “Uma coisa são as teorias que estudamos sobre as doenças metais, outra é a experiência no terreno. Tinha vontade de dar e ajudar”. Esta presença no campo de férias hospitaleiras aprofundou mais a sua admiração por São João de Deus. “Como é que aquele homem teve coragem de dar tudo e desprender-se de tudo. Saio desta experiência com uma profunda admiração pela obra e pelos profissionais que aqui trabalham”.
Os campos de férias são uma tradição nas casa da Ordem Hospitaleira de São João de Deus. Há 30 anos que os jovens chegam para este trabalho voluntário que os ajuda a descobrir uma doença que a sociedade ainda desvia o olhar.
O Irmão José Paulo afirma que se inicialmente estas actividades tinham como objectivo angariar vocações, “e destinavam-se exclusivamente a rapazes”, agora são mistos e, para além da vocação que pode surgir como descoberta, “estamos apostados em sensibilizar os jovens para esta realidade, muitas vezes é desconhecida, e ao estarem com estas pessoas, saem daqui com outros valores e apaixonados pelas pessoas”. O religioso afirma que o “valor da pessoa humana está muito para lá do que a pessoa aparenta”.
Raquel, participante no campo de férias, explica que “uma pessoa sai renovada desta experiência. Pensamos que vimos dar muito de nós, mas quem leva muito daqui somos nós, em recordações e carinho que recebemos”.
O Irmão José Paulo afirma que esta “é uma grande oportunidade para qualquer jovem, independentemente da religião, estar aqui presente”. Os campos de férias são actividade que ocorrem no Verão, numa altura em que os jovens estão mais livres. Nestas actividades é também apresentado o movimento da Juventude Hospitaleira, como proposta de continuidade.
Nestes tempos em que se procuram sensações únicas e originais, eis uma proposta ousada, de olhar quem sofre, querer estar com ele e contagiá-lo com a alegria e a boa disposição dos que vão construir, assim, um mundo melhor.