Nacional

Liberdade de Ensino e Escola de Valores

Pe. João Mónica da Rocha
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Promovido pela Fundação Sal da Terra, realizou-se no sábado, 29 de Janeiro, um debate sobre a liberdade de ensino e os valores implícitos nos projectos educativos. De um lado, Júlio Pedrosa, ministro da Educação do último governo de António Guterres, do outro, Mário Pinto, professor da UCP. O Correio do Vouga pediu ao Pe João Mónica, director do Colégio Diocesano de Calvão, um comentário sobre o encontro. 1. Estas reflexões e debates são muito importantes e necessários. Na verdade andamos a sonhar educação há mais de trinta anos, com governos abaixo e governos acima, e todos sabemos muito bem que o corporativismo (se o houve de facto) morreu no dia 25 de Abril de 1974 e ressuscitou no dia 26 de Abril de 1974, com agentes de sinal contrário. Os poderes então instalados permanecem subterrâneos, inamovíveis e substanciais. Os governos aparecem como formas transitórias que, pela sua sucessão, nos iludem e fazem pensar que vivemos numa democracia adulta. A educação está doente porque a sociedade e a democracia estão doentes. A pouco e pouco, corremos o perigo de nos precipitarmos no abismo da descrença. Descrença das nossas profundas capacidades como nação, descrença dos nossos políticos – todos iguais, porque nem existem. Recordo um artigo mais ou menos recente de João César das Neves, em que, referindo-se ao Ministério da Educação, ele dizia: “Seria bom ter ministro…†Descrença até da força do nosso próprio voto. A abstenção e o apelo à abstenção são um sinal de alarme. Por isso, os trabalhos de sábado, como tantos outros que se vão realizando por este país, fazem-nos acreditar que ainda há remédio para a doença da educação. 2. O Doutor Júlio Pedrosa, figura ímpar da nossa cultura académica, homem com experiência na área da educação, como ministro, disse-nos o que já todos sabemos aqui e por toda a Europa: a educação, em Portugal, está doente. É um homem de esperança porque acredita na capacidade de auto-regeneração do Ministério da Educação. Falou da necessidade de mudanças profundas neste Ministério, mesmo no fim da sua intervenção, ao contrário de outros ministros da Educação que tive oportunidade de ouvir em contextos semelhantes a este, como aconteceu num encontro em Coimbra, há cerca de um ano atrás: aí, Roberto Carneiro manifestou-se descrente em relação a esta capacidade auto-regenerativa, crendo que só uma forte intervenção dos pais e dos cidadãos poderia levar a educação a mudar; Marçal Grilo afirmou estar muito céptico em relação à capacidade política de um Ministério da Educação fazer alguma diferença; David Justino afirmou, no mesmo local, que “a política era a arte do possívelâ€, subentendendo-se que o possível é muito pouco. E muito recentemente, num debate televisivo, o actual Secretário de Estado da Administração Educativa afirmou que a Educação em Portugal, está dominada por forças de esquerda. Eu diria que, de direita ou de esquerda, são, certamente, forças conservadoras, instaladas em todos os sectores, e que esvaziam o papel interventivo de um Ministério da Educação, seja ele qual for. Foi, por isso, com agrado, que anotei esta confiança e atitude positiva do Doutor Júlio Pedrosa. Mas a esperança pode ser também uma ilusão. Acreditar nas potencialidades de cura duma estrutura educativa doente há várias décadas pode ser uma ilusão e, por isso mesmo, uma limitação. De resto, fora a opção aberta pelos agrupamentos verticais e a ausência de qualquer referência às instituições privadas como agentes educativos a integrar na missão educativa de toda a nação, apreciei a matriz humanista e cristã do seu pensamento e a indicação da Doutrina Social da Igreja como pauta de referência na definição dos princípios e critérios que orientam a busca da construção da pessoa e da sociedade. 3. Leio todos os livros do Doutor Mário Pinto. Considero-o um dos melhores pensadores da Educação em Portugal. Tem acompanhado todos os passos do desenho legislativo sobre Educação em Portugal e também a dissonância que os sucessivos governos têm instalado entre as leis que temos e a prática governativa cujos resultados educativos sofremos. Temos algumas boas leis, mas os governos não as cumprem. Foi por isso que o Doutor Mário Pinto começou a sua intervenção com um comentário sobre a Lei 9/79, a carta magna do ensino privado em Portugal, que nos deixa à espera, há trinta anos, pelo cumprimento do quanto lá está contido. O seu comentário é especialmente acutilante quando fala de Projecto Educativo de Escola e quando fala de Liberdade de Educação. Primeiro a Liberdade a ser usufruída pelos educandos. Sem liberdade não pode haver, sequer, responsabilidade. Não há pessoa. A Liberdade é, antes de mais, um direito fundamental da pessoa. Depois, é a liberdade dos pais. Quem cria tem o dever e o direito de educar. Sem a liberdade de escolherem a educação para os filhos, os pais são espoliados de um direito que é também um dever. A escolha de um projecto educativo exprime a efectiva liberdade educadora dos pais. Quando se fala de autonomia de escola deve perguntar-se: autonomia em relação a quê? Liberdade de construção de um projecto educativo? Mas o Estado marcou as balizas da sua própria actuação no artigo 75º da Constituição. Por isso, que projecto educativo pode apresentar uma escola donde é obrigatório arredar quaisquer directrizes de ordem ideológica, estética, filosófica, cultural e religiosa? Um projecto assim, neutro, é pobre e pouco mais que vazio. O Estado deixa a cada professor o preenchimento desse vazio e, assim, de forma implícita, oculta, fica um aluno sujeito aos ideários dos professores que lhe saiam na roleta. Os pais têm de poder escolher, para os filhos, em igualdade de oportunidades, o projecto educativo de escola que esteja mais conforme ao seu próprio projecto educativo familiar. Isto significa colocar as escolas ao serviço dos pais, dos alunos e das comunidades, e não o contrário. Os alunos (e os pais) são quem tem estado ao serviço das escolas como meras agências de empregos. Neste sentido, Portugal não tem uma verdadeira liberdade de educação. 4. Estas reflexões do Doutor Mário Pinto são compartilhadas por uma cada vez mais larga faixa de pessoas do mundo do pensamento educativo português. Os contextos sociais e políticos não podem ser ignorados, é verdade. É verdade que os cidadãos portugueses, os pais, são pouco participativos, pouco escolarizados, talvez pouco capazes de reivindicar o respeito pela sua liberdade e pela sua dignidade e exigi-lo do Estado. Mas, por nós não termos sido capazes de viver como pensa-mos, não poderemos nunca resignar-nos a pensar como vivemos. Fazer o possível não pode ser o nosso horizonte. O Doutor Fernando Branco, no mesmo encontro em Coimbra, já referido, perante a afirmação de David Justino de que “a política é a arte do possível†(confissão implícita dos constrangimentos a que estava sujeito o seu Ministério) contrapôs: “Se o António Carrapatoso [presidente de uma empresa de telecomunicações] achasse que na sua empresa se poderia fazer só o possível, ela já teria falido há muito tempoâ€. É necessário inventar, criar novos caminhos. Estas reflexões de sábado foram um tónico. Mas é preciso não ficarmos por aqui. Pe. João Mónica, Director do Colégio do Calvão


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